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sexta-feira, 29 março, 2024

Por que os trabalhadores não percebem o ódio que Bolsonaro tem a eles

por Raphael Silva Fagundes/Le Monde Diplomatique
Imagem por Tiago Lacerda

Não há dúvidas de que a Globo, a Folha de S.Paulo e outras corporações estão ao lado do candidato do PSL

A imprensa, que vive através do conluio com o grande empresariado, jamais se posicionaria contrária às reformas trabalhistas e à venda do pré-sal para o capital estrangeiro. E a maneira pela qual atua nesse processo eleitoral demonstra claramente a sua posição.

Adotando estratégias de divulgação da notícia, escolheu depreciar a imagem de Jair Bolsonaro na semana passada, e agora não passa uma hora sequer sem criticar Haddad. Tudo faz parecer que ela age de forma transparente, mas temos que levar em consideração que neste contexto, a ordem dos fatores altera o produto.

A estratégia foi criticar o candidato do PT na semana das eleições, divulgar gráficos e pesquisas que demonstram a sua queda etc.. Essa crítica ficará mais “fresca” na memória do eleitor. Não há dúvidas de que a Globo, a Folha de S.Paulo e outras corporações estão ao lado do candidato do PSL.

Aliás, que setor da classe dominante que não está? Somente em um país como o Brasil, um empresário ameaça demitir seus funcionários caso um candidato de sua preferência não ganhe, ou um médico se recusa a atender pacientes que não votem no mesmo candidato que ele. E como essas pessoas não foram presas? Porque os grandes setores da Justiça também estão do lado do candidato do PSL.

Uma coisa precisa ficar clara: nada disso é o que se chama de antipetismo. Esta é uma ideologia criada para persuadir as massas. A questão é continuar um projeto econômico que o PT se recusou a tocar em 2016. Essas classes dominantes não confiam no PT, acreditam que este não teria coragem de pôr fim aos direitos trabalhistas e manter a política de corte de gastos.

 

A investida contra os direitos trabalhistas

Se existissem os meios de comunicação e propaganda em 1950, a campanha do “queremismo” jamais teria sido bem sucedida. Vargas jamais teria chegado ao poder pelo voto. Mas o povo, que queria a permanência dos direitos trabalhistas, que tinha saudade de um tempo favorável às suas necessidades, elegeu Vargas pela primeira vez, mesmo após oito anos de ditadura que há pouco acabara. A massa, daquela vez, pensou economicamente.

Mas o capital estrangeiro, a imprensa e toda burguesia nacional entreguista, não deixaram de pressioná-lo, o que culminou no suicídio do presidente populista e popular.

Não faria sentido uma vitória do PT, pois o golpe não teria razão de ser. A luta contra os direitos trabalhistas é a força mais poderosa, capaz de fazer com que a classe dominante se reconheça como classe prejudicando a democracia, levando, consequentemente, a pauperização dos trabalhadores.

Vivemos o fim de um ciclo esquerdista na América Latina para se dar espaço para o contra-ataque da burguesia organizada como classe. Transformar o Brasil na Argentina de Macri é a missão, e Haddad ou Ciro não são capazes de fazer isso.

A organização burguesa é tão impressionante que ela consegue agir de forma total. Ela é totalitarista. Está na imprensa, nas igrejas, no STF, no TSE, na economia, na polícia, nas Forças Armadas, nas redes sociais, nos maridos etc. Mas o seu maior interesse é econômico. Faz desse interesse o interesse de todos. Depois disso, é só deixar para os convertidos o trabalho de produzir notícias falsas e se sujarem com atos violentos.

Fala-se de ditadura militar, de machismo e intolerância, mas a verdadeira questão é econômica. O mercado não se importaria se para continuar a política econômica de Temer fosse necessário fechar o Congresso. Seria melhor que não, como também sugere a imprensa, mas se for necessário, não se importaria. Se não tem Alckmin, serve Bolsonaro mesmo.

A investida contra a classe trabalhadora começou efusivamente em 2016 e será difícil de contê-la nos próximos dezenove anos, mas precisamos reagir. Foi lindo o movimento #elenão, mas os próximos movimentos (independente de quem venha assumir o cargo da Presidência da República) precisam assumir uma postura mais econômica. Reivindicar o diálogo entre os interesses dos trabalhadores e os interesses patronais. Caso contrário, continuaremos a dar murros em ponta de faca.

As classes dominadas precisam saber que fazem parte de um jogo de poder que se baseia em interesses econômicos e não no mero conflito entre o conservadorismo e o liberalismo moral. Pois se o conflito continuar nesses termos, parte das classes trabalhadoras permanecerá do lado que compromete o seu próprio bem estar, isto é, do lado burguês, dos patrões.

O ódio à esquerda é justamente a aquilo que ela não representa, mas ao que o jogo de interesses passou a denominá-la. A bipolaridade deformou tanto a realidade que ninguém, nem a esquerda e nem a direita, representa os trabalhadores. Trabalhadores que se organizam são vistos como vagabundos enquanto os patrões se unem à imprensa e às igrejas para convencer o cidadão comum a eleger Jair Bolsonaro. Dizer ser representante dos trabalhadores hoje é colocar sua carreira política em risco. Tanto que Bolsonaro fala muito mais em nome dos patrões e o PT dos movimentos sociais.

É necessário mudar à lógica do jogo. Torná-lo materialista. E dialético. Foi dessa maneira que o socialismo conseguiu conquistar os direitos trabalhistas ao longo do século XX.

*Raphael Silva Fagundes é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.

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