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quinta-feira, 25 abril, 2024

Por que os EUA e a OTAN nunca foram sancionados por iniciarem guerras?

Política dos EUA de Guerra ao Terror resultou em 900 mil mortes, estima estudo (Foto: TECH. SGT. Donald S. Mcmichael/Creative Commons)

– A reação ao ataque da Rússia à Ucrânia revelou os padrões duplos do Ocidente

Robert Bridge [*]

O Ocidente tomou uma posição extrema contra a Rússia por causa de sua invasão na Ucrânia. Essa reação expõe um alto grau de hipocrisia, considerando que as guerras lideradas pelos EUA no exterior nunca receberam a resposta punitiva que mereciam.

Se os eventos atuais na Ucrânia provaram alguma coisa, é que os Estados Unidos e seus parceiros transatlânticos são capazes de atropelar um planeta em estado de choque – no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, para citar alguns dos pontos críticos – com impunidade quase total. Enquanto isso, a Rússia e Vladimir Putin estão sendo retratados em quase toda mídia principal como a segunda vinda da Alemanha nazista por suas ações na Ucrânia.

'O bombardeamento maciço abre para a paz' diz a revista Time.

Primeiro, vamos ser claros sobre algo. A hipocrisia e os padrões duplos por si só não justificam a abertura das hostilidades por nenhum país. Por outras palavras, só porque os países do bloco da OTAN vêm abrindo caminho de destruição arbitrária em todo o mundo desde 2001 sem sérias consequências, isso não dá à Rússia, ou a qualquer país, licença moral para se comportar de maneira semelhante. Deve haver uma razão convincente para um país autorizar o uso da força, comprometendo-se assim com o que poderia ser considerado “uma guerra justa”. Assim, a pergunta: as ações da Rússia hoje podem ser consideradas “justas” ou, no mínimo, compreensíveis? Deixarei essa resposta para o melhor julgamento do leitor, mas seria útil considerar alguns pormenores importantes.

Só para os consumidores de fast food dos media convencionais seria uma surpresa que Moscou vem alertando sobre a expansão da OTAN há mais de uma década. No seu, agora famoso discurso, na Conferência de Segurança de Munique em 2007, Vladimir Putin perguntou de modo pungente aos poderosos globais reunidos à queima-roupa: “por que é necessário colocar infraestrutura militar junto de nossas fronteiras durante essa expansão [da OTAN]? Alguém pode responder a esta pergunta?” Mais adiante no discurso, ele disse que a expansão dos ativos militares até a fronteira russa “não está relacionada de forma alguma com as escolhas democráticas de estados individuais”.

Não só as preocupações do líder russo foram recebidas com a quantidade previsível de desrespeito no meio do som ensurdecedor dos grilos, como a OTAN concedeu adesão a mais quatro países desde aquele dia (Albânia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte). Como experiencia mental que até um idiota poderia realizar, imagine a reação de Washington se Moscou estivesse construindo um bloco militar em expansão contínua na América do Sul, por exemplo.

A verdadeira causa do alarme de Moscovo, no entanto, veio quando os EUA e a OTAN começaram a inundar a vizinha Ucrânia com uma deslumbrante variedade de armas refinadas em meio a pedidos de adesão ao bloco militar. O que diabos poderia dar errado? Na cabeça de Moscou, a Ucrânia começava a representar uma ameaça existencial para a Rússia.

Em dezembro, Moscovo, rapidamente chegando ao fim de sua paciência, entregou rascunhos de tratados aos EUA e à OTAN, exigindo que eles interrompessem qualquer expansão militar para o leste, inclusive pela adesão da Ucrânia ou de quaisquer outros estados. Incluiu a declaração explícita de que a OTAN “não realizará nenhuma atividade militar no território da Ucrânia ou outros estados da Europa Oriental, Sul do Cáucaso e Ásia Central”. Mais uma vez, as propostas da Rússia foram recebidas com arrogância e indiferença pelos líderes ocidentais.

Embora as pessoas tenham opiniões diferentes sobre as ações chocantes que Moscou tomou a seguir, ninguém pode dizer que não foi avisado. Afinal, não é como se a Rússia acordasse em 24 de fevereiro e de repente decidisse que era um dia maravilhoso para iniciar uma operação militar no território da Ucrânia. Então, sim, pode-se argumentar que a Rússia se preocupava com sua própria segurança como justificativa para suas ações. Infelizmente, a mesma coisa pode ser mais difícil de dizer para os Estados Unidos e seus subordinados da NATO em relação ao seu comportamento beligerante ao longo das últimas duas décadas.

Considere o exemplo mais notório, a invasão do Iraque em 2003. Essa guerra desastrosa, que os meios de comunicação do ocidente classificaram como uma infeliz “falha de inteligência”, representa um dos atos mais flagrantes de agressão não provocada da memória recente. Sem se aprofundar nos pormenores obscuros, os Estados Unidos, tendo acabado de sofrer os ataques de 11 de setembro, acusaram Saddam Hussein do Iraque de abrigar armas de destruição em massa. No entanto, ao invés de trabalhar em estreita cooperação com os inspetores de armas da ONU, que estavam no Iraque tentando verificar estas alegações, os EUA, juntamente com o Reino Unido, Austrália e Polónia, em 19 de março de 2003 lançaram uma campanha de bombardeio ‘Choque e pavor’ contra o Iraque. Num piscar de olhos, mais de um milhão de iraquianos inocentes sofreram morte, ferimentos ou deslocamento por esta flagrante violação do direito internacional.

O Center for Public Integrity informou que o governo Bush, em seu esforço para aumentar o apoio público à carnificina iminente, fez mais de 900 declarações falsas entre 2001 e 2003 sobre a suposta ameaça do Iraque aos EUA e seus aliados. No entanto, de alguma forma, os meios de comunicação do ocidente, que se tornaram a voz raivosa da agressão militar, não conseguiram encontrar qualquer falha no argumento a favor da guerra – isto é, até depois de as botas e o sangue estarem no terreno, é claro.

Pode-se esperar, num mundo mais perfeito, que os EUA e seus aliados fossem submetidos a algumas duras sanções após esse “erro” prolongado de oito anos contra inocentes. Na verdade, houve sanções, mas não contra os Estados Unidos. Ironicamente, as únicas sanções que resultaram dessa louca aventuram militar foram contra a França, um membro da OTAN que recusou o convite, juntamente com a Alemanha, para participar do banho de sangue iraquiano. A hiperpotência global não está acostumada a tal rejeição, especialmente de seus supostos amigos.

Os políticos americanos, confiantes no seu divino excepcionalismo, exigiram um boicote ao vinho francês e à água mineral engarrafada devido à oposição “ingrata” do governo francês à guerra no Iraque. Outros agitadores da guerra traíram sua falta de seriedade ao insistir que o popular item de menu conhecido como “French Fries” (batatas fritas) fosse substituído pelo nome “Freedom Fries”. Assim, a falta do Bordeaux francês, juntamente com a tediosa reformulação dos menus dos restaurantes, parece terem sido os únicos inconvenientes reais que os EUA e a OTAN sofreram por destruir indiscriminadamente milhões de vidas.

Agora compare essa abordagem de luva de pelica para com os EUA e seus aliados com a situação atual envolvendo a Ucrânia, onde a balança da justiça está claramente pesando contra a Rússia, – apesar dos seus avisos não irracionais de que se sentia ameaçada pelos avanços da OTAN. O que quer que uma pessoa possa pensar sobre o conflito que agora ocorre entre a Rússia e a Ucrânia, não se pode negar que a hipocrisia e os padrões duplos que estão sendo levantados contra a Rússia por seus detratores perenes é tão chocante quanto previsível. A diferença hoje, porém, é que as bombas estão explodindo.

Além das severas sanções a indivíduos russos e à economia russa, talvez melhor resumida pelo ministro da Economia francês, que disse que seu país está comprometido em travar “uma guerra económica e financeira total contra a Rússia”, houve um esforço profundamente perturbador para silenciar notícias e informações vindas das fontes russas que possam dar ao público ocidental a opção de examinar as motivações de Moscou. Na terça-feira, 1º de março, o YouTube decidiu bloquear os canais da RT e do Sputnik para todos os utilizadores europeus, permitindo assim que o mundo ocidental se apoderasse de outro pedaço da narrativa global.

Considerando a maneira como a Rússia foi vilipendiada no “império da mentira”, como Vladimir Putin denominou a terra dos seus perseguidores politicamente motivados, alguns podem acreditar que a Rússia merece as ameaças ininterruptas que agora recebe. Na verdade, nada poderia estar mais longe da verdade. Esse tipo de arrogância global, que se assemelha a algum tipo de campanha irracional de sinalização de virtude agora tão popular nas capitais liberais, além de inflamar desnecessariamente uma situação já volátil, assume que a Rússia está totalmente errada, ponto final.

Uma abordagem tão imprudente, que não deixa espaço para debate, sem espaço para discussão, sem espaço para ver o lado da Rússia nesta situação extremamente complexa, apenas garante mais impasses, se não uma guerra global completa, mais adiante. A menos que o Ocidente esteja buscando ativamente a eclosão da Terceira Guerra Mundial, seria aconselhável parar com a hipocrisia hedionda e os padrões duplos contra a Rússia e ouvir pacientemente suas opiniões e versões dos eventos (mesmo as apresentadas pelos media estrangeiros). Não é tão inacreditável como algumas pessoas podem querer acreditar.

[*] Escritor e jornalista americano, autor de Midnight in the American Empire: How Corporations and Their Political Servants are Destroying the American Dream (Meia noite no império americano: Como as corporações e os seus serviçais políticos estão a destruir o Sonho Americano).   @Robert_Bridge

O original encontra-se em www.rt.com/news/550990-us-nato-sanctions-wars/ (censurado na Europa)

Este artigo encontra-se em resistir.info

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