Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Eduardo Vasco
Diante de um genocídio histórico, de tantas condenações públicas, de humilhações causadas pela “diplomacia” israelense e da pressão popular interna, como é possível que um governo de esquerda, liderado pelo maior partido de esquerda do país e presidido por uma figura histórica da esquerda brasileira ainda não tenha rompido com o “estado” fascista, ditatorial e criminoso de Israel?
A resposta se encontra na essência mesma do PT e da política dominante na esquerda brasileira há muitas décadas: a crença na conciliação e na colaboração entre a classe operária e a burguesia – e, com ela, o imperialismo internacional. Lula e o PT têm medo de desagradar a direita, a burguesia nacional e o imperialismo.
Afinal de contas, a direita brasileira cultiva fortes vínculos com Israel e com os Estados Unidos. Isso não é novidade para ninguém. São vínculos de dependência. Mas essa mesma direita também mantém fortes vínculos com a própria esquerda brasileira – e, aqui, a dependente é a esquerda, não a direita. Basta ver as relações com os dois prefeitos de capitais que foram recentemente a Israel para adquirir a tecnologia militar utilizada para exterminar palestinos, iranianos, libaneses, iemenitas, sírios etc. Álvaro Damião (União Brasil), prefeito de Belo Horizonte, foi o vice na chapa de Fuad Noman (PSD), apoiada pelo PT nas eleições de 2024, e Cícero Lucena (PP), prefeito de João Pessoa, também recebeu o apoio do PT nas últimas eleições.
Também podemos lembrar que os partidos de direita com ministérios no governo Lula, considerados pelo PT como seus aliados, são todos alinhados com o sionismo. Para não dizer que os próprios senadores do PT votaram a favor da criação de um dia da “amizade” entre Brasil e Israel quando mais de 53 mil palestinos já haviam sido dizimados pelos “amigos” de tais senadores.
A dependência, no entanto, não é de Israel. Israel não passa de uma base militar do imperialismo americano e internacional para melhor dominar o Oriente Médio. O amo de Israel são os Estados Unidos. E os partidos e políticos que o PT pensa serem seus aliados estão às ordens do imperialismo americano. União Brasil, Republicanos, PP, PSD e MDB são representantes dos interesses imperialistas no Brasil.
Pertencem ao União Brasil Sérgio Moro (dispensa apresentações), Kim Kataguiri (cria dos magnatas do petróleo, os irmãos Koch) e Ronaldo Caiado (elogiado pelos banqueiros na Brazil Week em Nova Iorque). O Republicanos é o partido de Tarcísio de Freitas (ainda mais elogiado que Caiado na Brazil Week) e de Hamilton Mourão (com vínculos antigos com os militares americanos). Michel Temer, uma das principais lideranças do MDB, era informante da embaixada dos Estados Unidos e entregou o Brasil ao saque imperialista.
Esses partidos, os quais o PT acredita serem seus aliados e que na verdade estão sabotando o governo desde o primeiro dia, estão entre os principais instrumentos de dominação da burguesia nacional e internacional sobre a política brasileira. E claro, como uma típica burguesia nacional, a burguesia brasileira atua em função da burguesia imperialista – assim como seus veículos de comunicação. Todos, portanto, são fortes propagandistas e agentes dos interesses dos Estados Unidos – o que inclui a defesa dos crimes de Israel.
Nesse cenário, como Lula poderia romper com Israel? O rompimento com Israel significa o rompimento, ao menos parcial, com a burguesia brasileira, com os Estados Unidos e com a burguesia internacional, que tem Israel como seu testa de ferro na região mais importante do mundo do ponto de vista do comércio internacional e da extração de recursos naturais.
Em outras palavras: o que prende Lula e o PT e os impede de romper com Israel é precisamente a sua relação (de submissão) com os partidos da direita brasileira, a burguesia nacional e o imperialismo. Lula não romperá efetivamente com Israel se não romper com seus “aliados” internos – embora tenha ainda mais motivos para romper com estes, uma vez que se passam por aliados ao mesmo tempo que fazem uma campanha crescente de desestabilização e golpe contra o governo. E esses “aliados” compõem com o PT uma frente tão ampla que chega a englobar até mesmo o PL de Bolsonaro em diversos municípios Brasil afora.
E por que Lula e o PT não rompem com aqueles que eles mesmos sabem que os estão sabotando? Por medo de confrontar a burguesia e o imperialismo dentro do Brasil. Por medo de se desfazer das relações que mantiveram há décadas com os seus representantes. Porque muitos políticos do próprio PT dependem dessas relações.
A militância que exige nas ruas e tem realizado campanhas pelo rompimento com Israel, no entanto, não depende dessas relações. Ela deve ter claro o quão importante é aumentar as pressões pelo rompimento com Israel: o tensionamento das relações com Israel tensiona também as relações do PT com a direita, a burguesia e o imperialismo. Romper com Israel não significa apenas um gesto de apoio e solidariedade ao povo palestino, mas desnudará os agentes do imperialismo no Brasil, agudizará a luta de classes e mobilizará os trabalhadores e as massas populares para um grande enfrentamento com a burguesia – o que é necessário para superar todas as desgraças que afligem e oprimem o povo brasileiro, sobretudo em um momento em que quem dá as cartas e coloca toda a esquerda contra a parede é a direita e a burguesia.
Os trabalhadores e movimentos populares precisam ter claro que o grande obstáculo para o rompimento com Israel é a política de conciliação com a burguesia. E que é urgente superar essa política.