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segunda-feira, 2 dezembro, 2024

Plataforma de Energia Nuclear do BRICS é avanço em direção ao mundo multipolar, avaliam analistas

© AP Photo / Ted Shaffrey

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas destacam que a iniciativa que está sendo criada por países do grupo levará ao desenvolvimento de suas capacidades nucleares, o que contribui para a consolidação de suas economias e, consequentemente, para o multilateralismo.

Líderes das maiores empresas e organizações do setor nuclear de países do BRICS realizaram em outubro a primeira reunião para discutir a formação da Plataforma de Energia Nuclear.
A iniciativa tem como objetivo o desenvolvimento e a implementação de melhores práticas e abordagens relativas ao uso de tecnologias nucleares para fins pacíficos no mercado de países do BRICS, bem como modelos de incentivo a projetos do setor nuclear de países do grupo. A reunião ocorreu na esteira da cúpula do BRICS, realizada no final de setembro, em Kazan, na República do Tataristão.
Segundo previsões de especialistas russos, até 2050, os países do BRICS serão responsáveis por pelo menos metade da produção e do consumo mundial de energia, e a energia nuclear terá um importante papel em satisfazer a crescente demanda.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas destacam quais oportunidades e desafios a iniciativa traz para os países do BRICS e para o setor nuclear como um todo.
Orpet Peixoto, vice-presidente do Conselho Curador da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), avalia que o projeto, embora ainda tenha de ser maturado, é uma “excelente iniciativa”. Segundo ele, uma das vantagens da plataforma em criação é o fato de reunir países com conhecimento tecnológico em energia nuclear em diferentes escalas.

“Só o fato de ter China, Rússia e Brasil, [que] são países que dominam todo o ciclo do combustível nuclear inteiramente. Então tem uma grande vantagem poder intercambiar serviços. Fora isso, o que realmente é importante para os países do BRICS, além de ter essa colaboração na área tecnológica, é obter, de alguma forma, recursos para os seus projetos, o que pode ser um caminho bastante interessante se nós considerarmos que o BRICS tem o seu próprio depositário de recursos, que é através do Banco do BRICS”, afirma.

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Peixoto afirma que o Brasil “tem muito a ganhar com essa colaboração”. Ele enfatiza que o país domina todo o ciclo do combustível nuclear, incluindo mineração, conversão, enriquecimento e reconversão. Porém, o que falta ao Brasil, segundo o especialista, é escala.
“Nós não temos a escala. A escala depende de recurso. Então, por exemplo, as nossas usinas de enriquecimento ainda hoje fabricam, enriquecem urânio, que não dá nem para atender os nossos reatores nucleares. A gente precisa de escala. Tendo essa escala, você atende ao mercado interno e pode vir a atender ao mercado externo. Então eu vejo que o Brasil, nesse ponto, se beneficia muito.”

Qual a diferença entre energia nuclear e arma nuclear?

Peixoto ressalta que hoje ainda é um equívoco comum confundir energia nuclear com armas nucleares.

“Tem gente que pensa que a central nuclear vai explodir. Vai ser uma bomba. Isso não é o caso, nunca será. […] Chernobyl explodiu porque teve hidrogênio no teto da usina, não foi uma explosão nuclear. Foi uma explosão de hidrogênio que rompeu o teto da usina. Agora, ao romper, espalhou uma série de elementos de contaminação. Mas não é um artefato nuclear. Ele não tem a criticalidade, o impacto e a potência de um artefato nuclear, que tem que ser desenvolvido especificamente para isso.”

Ele argumenta que trabalhadores que operam usinas nucleares não têm conhecimento para desenvolver um artefato nuclear.
“Ele [operador] pode ter noções teóricas básicas. Mas ele não tem a tecnologia de trabalho no laboratório etc.”
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Ademais, ele afirma que é um mito classificar a energia nuclear como uma fonte poluente, quando um reator nuclear “polui menos do que uma central solar”, que, embora produza energia renovável e limpa, tem placas fotovoltaicas que são produzidas com metais tóxicos, como o cádmio. Em contraponto, ele aponta que o programa nuclear é limpo.
“Mais limpo até que outras tecnologias que hoje são muito bem vistas, como a solar. Compara na [produção de energia] solar o que gera de carbono na produção de todas as placas e quanto gera uma central nuclear.”

Plataforma sinaliza avanço na multipolaridade global

A criação da plataforma fará crescer a cooperação em projetos entre países do BRICS, que atualmente se dão de forma bilateral e passarão a ser multilaterais, conforme aponta Astrid Cazalbón, doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em integração contemporânea da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPG-ICAL) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), bacharel em economia pela Universidade Nacional de Salta (UNSa) e coordenadora de projetos do Observatório Latino-Americano da Geopolítica Energética, que faz parte do Núcleo de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração Regional (NEEGI), da Unila.
Questionada sobre como a plataforma pode impactar o equilíbrio entre países do BRICS e, mesmo, entre os membros do grupo com outras potências do mundo, Cazalbón diz que não há outra iniciativa semelhante entre países ocidentais, e que o fato de o BRICS estar liderando esse projeto sinaliza uma mudança na polaridade do sistema, no sentido de se tornar multipolar.
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Segundo ela, isso traz várias implicações, uma vez que a cooperação entre os países do BRICS na plataforma levará ao desenvolvimento de suas capacidades nucleares, o que contribui para a consolidação de suas capacidades econômicas.

“Faz parte, na verdade, de uma questão que a gente chama […] de estratégia energética. Essa estratégia energética dos países do BRICS […], dependendo do sucesso ou não sucesso dessa estratégia, vai fazer com que isso mude ou não o cenário geopolítico”, afirma.

Cazalbón considera que a estratégia da energia nuclear vai se consolidar nos países do BRICS, sobretudo Rússia e China.
“Eu acredito que seja uma estratégia que vai ter sucesso, sim, e que já está tendo, que já está mobilizando recursos, está mobilizando instituições a dialogar, a se conhecerem também, porque a gente não tinha tanta cooperação com a Rússia como agora. Por exemplo, com a China também, a mesma coisa, apesar de que ela vem financiando grande parte do setor energético.”
Para Cazalbón, um dos principais desafios para a iniciativa será a questão regulatória, incluindo os pequenos reatores, conhecidos como SMRs, que são reatores nucleares de pequena escala, projetados para gerar eletricidade de forma mais flexível e econômica em comparação aos reatores tradicionais.

“Por serem mais novos, eles [pequenos reatores] realmente precisam desse movimento regulatório. Precisam que as agências, por exemplo, no caso do Brasil, a Aneel — a Agência Nacional de Energia Elétrica —, e outras agências reguladoras também tomem conhecimento de todo o processo”, afirma a especialista.

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