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domingo, 6 outubro, 2024

Petrobrás “rasga” seu Estatuto ao vender ativos e focar apenas para gerar lucros para acionistas

Por  Davi de Souza

A Petrobrás anunciou a sua revisão de portfólio em exploração e produção e a intenção de vender ainda mais ativos.

A decisão movimentou o mercado e causou reações diversas. Hoje (16), vamos ouvir o economista aposentando da companhia, Cláudio Oliveira, que afirma que a postura da petroleira está indo no sentido contrário do que diz o seu próprio estatuto. Segundo Oliveira, a atual administração da estatal deveria priorizar o fornecimento de derivados para o abastecimento nacional ao invés de vender refinarias. Contudo, a companhia está priorizando o pagamento de dividendos para seus acionistas – e para tal, coloca força nos desinvestimentos de ativos lucrativos. “Em 2019, o lucro obtido pela Petrobrás foi alcançado graças à venda de ativos da empresa. Especialmente pela venda da TAG e do controle acionário da BR Distribuidora”, explicou. “A empresa distribuiu mais de R$ 10 bilhões em dividendos. Isso significa dizer que a companhia vendeu ativos para pagar dividendos”, acrescentou. Ele também critica a atual política de paridade de preços de derivados, dizendo que prática similar não existe em lugar nenhum do mundo. Oliveira ainda completou dizendo que “com uma produção entre 4 milhões e 5 milhões de barris por dia no futuro, mesmo só vendendo óleo cru, é claro que a Petrobrás será uma petroleira rentável”, sendo que assumirá um papel de “empresa minimizada frente àquilo do que poderia ser”.

Gostaria de começar nossa entrevista pedindo para explicar como a atual gestão da Petrobrás estaria contrariando o estatuto da companhia.

Hoje, a Petrobrás é uma empresa administrada por financistas. Eles elegeram como objetivo principal da Petrobrás o atendimento dos acionistas. E quando eles falam em atender acionistas, estão se referindo ao pagamento de dividendos. É disso que financistas entendem. Esse objetivo seria muito bom, caso não afetasse a meta da empresa definida em seu estatuto.

O estatuto da Petrobrás, em seu artigo 3°, parágrafo 1°, estabelece, entre outras coisas, que as atividades da companhia obedecerão princípios e diretrizes da lei 9.470 de 1997. Essa lei, por sua vez, no seu artigo 1º, item 3, objetiva proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta de produtos. Já no item 5, a lei diz garantir um fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional nos termos do parágrafo 2º do artigo 177 da Constituição. E, por fim, o que este artigo da Constituição determina é que deve existir a garantia do fornecimento de derivados em todo território nacional. Esses são os objetivos que estão escritos no estatuto da Petrobrás.

Os atuais administradores da empresa, no entanto, trabalham contrariamente ao próprio estatuto da Petrobrás, estabelecendo como meta principal o pagamento de dividendo aos acionistas. Nesse caso, há duas opções: ou se muda o estatuto, colocando que o objetivo da empresa é remunerar os acionistas, ou então a atual diretoria deve ser trocada, já que não está atendendo ao estatuto da companhia. 

Como a Petrobrás tem agido para conseguir fazer esse pagamento de dividendos?

Em 2019, o lucro de R$ 40 bilhões obtido pela Petrobrás foi alcançado graças à venda de ativos da empresa. Especialmente pela negociação da TAG e do controle acionário da BR Distribuidora – dois ativos altamente lucrativos. Então, grande parte do lucro foi em função desses desinvestimentos. A empresa distribuiu mais de R$ 10 bilhões em dividendos, o que significa dizer que a Petrobrás vendeu ativos para pagar dividendos.

O Plano de Negócios 2020-2024 exibe um quadro de Usos e Fontes. Nesse quadro, eles apontam em Fontes a venda de 30 bilhões de dólares de ativos da empresa. E como Uso, eles mencionam o pagamento de 34 bilhões de dólares em dividendos. Ou seja, tornaram como regra vender ativos para pagar dividendos.

Ainda falando do Plano de Negócios 2020-2024, a premissa utilizada foi o preço do barril Brent a US$ 50. A partir de agora, porém, pelo que entendo, eles vão utilizar o preço de US$ 35 como premissa. Essa diferença de preço reduzirá a geração operacional de caixa.

m um quadro de Usos e Fontes, a fonte principal é a geração operacional de caixa. Ao reduzi-la, a companhia terá obrigatoriamente que aumentar a venda de ativos até onde se puder caso queria manter o pagamento de dividendos.

A tabela de Usos se refere aos gastos com investimento, dividendos e os serviços da dívida. Os serviços da dívida não podem ser modificados e os dividendos serão mantidos. Então, eles vão diminuir o investimento para fechar a conta. Provavelmente, quando apresentarem o Petrobras Day 2020, a gestão da empresa vai apresentar um quadro de Usos e Fontes com redução forte na geração operacional de caixa. E para manter os dividendos, vão aumentar a venda de ativos e reduzir os investimentos.  

A Petrobrás prometeu aos petroleiros a estabilidade de empregos por dois anos, mas também disse que vai continuar a vender mais e mais ativos. Não haveria uma contradição nessa postura?

Eu não acredito na palavra deles. Se a direção da empresa teve a coragem de dizer que o resultado de 2019 foi o maior da história, sem considerar que este número foi feito com venda de ativos, é porque eles têm coragem de dizer qualquer coisa. No pronunciamento do presidente da Petrobrás no resultado de 2019, ele cita que a empresa teve um recorde de geração de caixa. Quando, na verdade, o recorde de 2019 foi o de menor geração de caixa dos últimos 10 anos.

O número de geração de caixa daquele ano ficou abaixo de 25 bilhões de dólares. Enquanto que nos últimos 10 anos, em nenhum exercício, a Petrobrás teve uma geração inferior abaixo de 25 bilhões de dólares. Então, eu não acredito na palavra de uma pessoa que distorce os números dessa forma. A única intenção que a administração atual da Petrobrás tem a cumprir é pagar dividendo para o mercado, que é o verdadeiro patrão dessa diretoria.

As pessoas que estão trabalhando atualmente [na gestão] não estão lá para desenvolver a Petrobrás ou atender ao estatuto da empresa. Como que a Petrobrás vai atender ao seu estatuto, que determina a venda de combustível de qualidade para o Brasil, se a companhia está colocando à venda suas refinarias e vendeu o controle da BR Distribuidora? Como vão garantir o menor preço para o consumidor se utilizam preço de paridade de importação desde 2016?

A política de preços de paridade de importação (PPI) sempre sofreu muitas críticas dentro do setor de óleo e gás…

O preço de paridade de importação é o mesmo que o custo de importação mais lucro. Ou seja, eles usam o preço no exterior, somam o custo de transporte até o Brasil, custo de internação no país, custo de transporte até a refinaria, seguro para garantir preços e adicionam lucro. Ou seja, esse é o preço mais alto possível. Nenhuma empresa do mundo, em nenhum momento, usou esse tipo de política. Isso não existe. A Petrobrás está trabalhando contra si mesma. A administração da companhia faz isso porque não trabalha para a Petrobrás e sim para quem está do outro lado [se referindo aos investidores e acionistas].

Com essa postura da empresa, como vê o futuro financeiro da Petrobrás?

O que acontece é que a Petrobrás, entre 2009 e 2014, fez investimentos maciços principalmente no pré-sal. Foram mais de US$ 250 bilhões. Isto é, a Petrobrás investiu US$ 50 bilhões por ano. Imagine a importância disso para a economia do Brasil. Só que esse processo de investimento foi estancado.

Os projetos de óleo e gás têm uma maturação muito mais longa do que a indústria comum. Aquilo que foi investido em 2010 começa a apresentar resultados só agora. A gestão atual está usufruindo do benefício que foi plantado no passado. Não foi essa administração atual que descobriu o pré-sal.

As plataformas que vão entrar em atividade são frutos dos investimentos feitos entre 2009 e 2014. Em 1980, a produção do Brasil era de 200 mil por dia. Hoje, só a plataforma FPSO Almirante Tamandaré [sexta unidade do campo de Búzios] terá capacidade de produzir 225 mil barris por dia.

A empresa tende a dar lucro, só que sem a responsabilidade com a economia brasileira e com o desenvolvimento do país. Ela passa a ser uma mera exportadora lucrativa de óleo cru. A Petrobrás vai dar lucro sim, a não ser que o preço do barril despenque muito. Com uma produção entre 4 milhões e 5 milhões de barris por dia no futuro, mesmo só vendendo óleo cru, é claro que a Petrobrás será uma empresa rentável. Mas assim, ela será uma petroleira minimizada frente àquilo do que poderia ser.

Fonte: Petronotícias

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