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segunda-feira, 2 dezembro, 2024

Peru. A república militar

Por Gustavo Espinoza M.*

Prensa Latina – Num dia como hoje, há 76 anos, ocorreu no Peru o que poderia ser considerado o último Golpe Militar Clássico, inscrito nos parâmetros desenhados na época pelo governo dos Estados Unidos e executado para deter a ascensão dos povos do nosso país continente. e suas lutas. Foi Manuel Apolinário Odría quem executou a ação sediciosa que derrubou o governo constitucional de José Luís Bustamante y Rivero, o primeiro presidente de orientação progressista, eleito no Peru com as bandeiras da Frente Democrática Nacional.

Os “pronunciamentos” de pessoas como Luis M. Sánchez Cerro, Oscar R. Benavides, Anastasio Somoza ou Fulgencio Batista correspondiam a este arquétipo de ações armadas; mas sem dúvida foram “aperfeiçoados” à luz de alguns líderes renovados já naquela época, como Marcos Pérez Jiménez, Gustavo Rojas Pinilla, Rafael Leónidas Trujillo, Manuel Odría ou Alfredo Stroessner, que sobreviveram a todos eles.

O Golpe de 27 de outubro de 1948 foi tão clássico que nosso poeta Martin Adán o comentou dizendo: “o país voltou ao normal”. E a “normalidade” consistia em ter no governo um homem uniformizado que, incentivando o “patriotismo” cidadão, atormentava a população e se apoderava dos cofres fiscais. Isto repetiu-se com estranha semelhança em vários países do continente. Foi como uma cartilha ditada pela Escola das Américas. A mão ianque operava abertamente.

Isto aconteceu antes de 1959, quando a América Latina era um imenso celeiro onde se guardavam matérias-primas, que os consórcios imperialistas então aproveitavam para convertê-las em produção industrial. Depois desse ano, a Revolução Cubana mudou as regras do jogo e a região tornou-se um campo de batalha onde as pessoas lutaram corajosamente para recuperar os seus recursos básicos. As intervenções militares adquiriram, então, outras características.

A mudança teve a ver com um fenómeno inédito: a aquisição de uma certa consciência política nos altos comandos da instituição militar em vários países. Assim surgiu no menor canto da América – o Uruguai – um núcleo militar avançado liderado pelo General Liber Seregni, que fundaria a Frente Ampla. Ele postulou uma mudança no papel da instituição armada, que teve que assumir nuances de combate já na Venezuela na década de 1960, em Carúpano e Puerto Cabello, quando unidades militares bolivarianas se levantaram contra o regime cada vez mais reacionário e corrupto de Rómulo Betancourt.

No Chile, no final da década de 60, surgiu um núcleo constitucionalista, cujos expoentes mais notáveis ​​foram os generais René Schneider e Carlos Pratt. No Peru, Juan Velasco Alvarado e os coronéis que o acompanharam em outubro de 68; na Bolívia, Juan José Torres, também assassinado em Buenos Aires anos depois; no Panamá, Omar Torrijos.

Em Washington, assustados, os falcões falaram dos “generais vermelhos” e arquitetaram uma nova “operação militar”, desta vez munida de um adjunto ideológico, uma espécie de vacina anticomunista produzida através de um processo sinistro: a fascistização das Forças Armadas. Forças. Daí surgiram os grotescos: Augusto Pinochet e Jorge Rafael Videla. Mas juntaram-se civis com mentalidade militar e o mesmo perfil: Alberto Fujimori, Jair Bolsonaro e Javier Milei.

Se Velasco e os militares progressistas do nosso continente pensaram em transformar as Forças Armadas, que até então desempenhavam o papel de porteiras da oligarquia, para transformá-las num instrumento libertador do seu povo, na realidade colocaram uma cerca muito alta que hoje parece ainda mais difícil de alcançar. Mas também não é um sonho irrealizável.

Em todos os tempos – e ainda mais no nosso – a luta de classes atravessa todas as fronteiras das sociedades e se expressa de múltiplas formas. E nas instituições militares, assim como há oficiais de alta patente, há também aquelas do povo, que. conhecer a realidade e desejar verdadeiramente mudá-la. Pode muito bem acontecer – e de facto acontece – que nas instituições armadas exista uma liderança corrupta comprometida com ações fraudulentas. Mas “os controlos” são frequentemente renovados e aqueles que são promovidos nem sempre respondem à mesma coisa. Essa é, no fundo, a razão pela qual a classe dominante sempre vê os uniformizados com desconfiança. Ele procura usá-los a seu favor, mas tenta passar sem eles quando não precisa deles.

No Peru, ocorre hoje um fenômeno peculiar; “Aqueles que estão no topo” já não podem continuar a governar como faziam antes. Eles até sabem que se convocarem eleições terão que perdê-las, porque agora enfrentam um povo que está literalmente em revolta. A recente mobilização e a Greve de 23 de Outubro confirmaram isto.

É possível então que, nesta incerteza, optem por encorajar um Golpe Militar ao estilo Odría que, sob o pretexto de “acalmar o país” e “devolver a ordem”, simplesmente anule qualquer consulta eleitoral, e procure garantir um sistema de dominação que permite aos poderosos afirmar o seu controlo sobre o Estado.

Em outras palavras: ressuscitar o antigo esquema da República Militar. Devemos dizer-lhes que estão brincando com fogo.

 

*Gustavo Espinoza M

Espinoza M., Gustavo Periodista y profesor peruano. Presidente de la Asociación de Amigos de Mariátegui y director colegiado de Nuestra Bandera. Excongresista y ex secretario general de la Confederación General de Trabajadores del Perú.

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