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sábado, 12 outubro, 2024

Pátria Latina e meu personagem de romance

Emiliano José*
Não é fácil escapar do círculo vicioso da mídia tradicional, do discurso esmagador, cotidiano das empresas de comunicação integrantes do mundo do capital. Não se trata tão somente de servir ao capitalismo. Elas integram esse modo de produção. Elas o defendem porque são parte dele. Num texto recente, publicado no livro “Brasil: incertezas e submissão?”, editado pela Fundação Perseu Abramo em 2019, um balanço dos primeiros meses do governo Bolsonaro, eu afirmava a existência de “cláusulas pétreas” da mídia – as reformas neoliberais, naquele momento, sobretudo, a reforma da Previdência. Claro, havia contradições entre o governo e a mídia empresarial tradicional, televisiva, radiofônica e impressa, mas não havia divergência quando o assunto fosse a retirada brutal de direitos do povo brasileiro, o atendimento da pauta do capital, especialmente do capital rentista.
         E aí é um bombardeio. Diariamente, a mídia empresarial tenta convencer o povo brasileiro da importância das reformas neoliberais, todas elas destinadas a sangrar o povo trabalhador.  Claro, hoje há um mundo de blogs progressistas, há uma Carta Capital, há a TVT, mas é inegável ainda o peso da mídia tradicional. E uma parte dela está inteiramente no projeto Bolsonaro, na política e na economia e na defesa dos valores reacionários, que encontra acolhimento numa sociedade com fortes raízes conservadoras. Não fossem essas raízes, e o atual presidente não teria 57 milhões de votos, não ganharia as eleições. Pátria Latina é uma tentativa de enfrentar essa máquina poderosíssima de reprodução das ideias da classe dominante. Não tem a pretensão da cobertura diária – não é essa a proposta, nunca foi.
         Pretende uma visão de conjunto. Tem pretensão internacionalista, essencial num mundo globalizado. O pacote de medidas neoliberais está sendo executado aqui e em boa parte do mundo capitalista. O capital rentista faz recair sobre as costas dos trabalhadores o ônus da crise do capital. É sempre mais e mais exploração dos trabalhadores. Isso é mostrado diariamente por Pátria Latina. Como se mostra, também, toda a lógica geopolítica. Enfrenta a tentativa de se impor um pensamento único, urdido a partir dos EUA. Outro olhar sobre o mundo, a revelação da multipolaridade, a demonstração das imensas dificuldades vividas pelos EUA, o maior promotor de guerras e de terrorismo, especialmente após o fim da II Guerra Mundial.
         Procura estimular a solidariedade entre os povos, especialmente entre aqueles afetados pelo desenvolvimento desigual do capitalismo, a aprofundar a desigualdade entre pobres e ricos, o aumento da exploração do trabalho e o surgimento de formas renovadas de colonialismo, sugando gente e nações, provocando migrações raramente vistas na história. Pátria Latina nos abre os olhos, permite confrontações com visões dadas como assentadas, fulmina discursos imperiais, pensa outro mundo, de justiça e igualdade entre os trabalhadores, os povos e as nações. Tornou-se publicação imprescindível.
         Faço um registro: devemos isso a Valter Xeu, personagem do romance sonhado por mim. Nunca será escrito. Fosse, e ele estaria lá, protagonista essencial. É mente internacionalista. Identificada com as nações insubmissas ao Império. Ouviu Fidel Castro num encontro latino-americano e caribenho de jornalistas em 2001, Havana, sugerir a criação de publicações alternativas na América Latina capazes de mostrar o quanto há de positivo no Continente, sua história, sua cultura, suas belezas, e capazes, também, de defendê-lo das investidas dos EUA, naquele momento especialmente da ameaça da ALCA. Ouviu e gostou.
         Fez nascer o Pátria Latina impresso. Primeiro número, com dez mil exemplares. Edições seguinte chega a imprimir mais de 70 mil exemplares. Aguentou até o número 30. Dificuldades financeiras. Migrou para a Internet. Alcança hoje a média mensal de três milhões e oitocentos mil a quatro milhões de acessos mês. Conta com uma impressionante equipe de colaboradores, todos militantes da causa internacionalista.
Nada disso haveria, insisto, não fosse a tenacidade, o idealismo, a fidelidade aos povos do mundo de Valter Xeu. Nem vou dizer de sua imorredoura paixão por Cuba. Posso causar ciúmes. Ele tenta amar outros países, e ama. Mas, vou dizendo, Cuba ocupa a maior parte de seu coração. E a mente é costumeiramente turbinada por um Havana – o rum. Que ninguém é de ferro. Longa vida a Valter Xéu. Longa vida ao Pátria Latina.
*Emiliano José, é jornalista, escritor, ex-deputado Federal (PT/Ba.

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