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domingo, 17 agosto, 2025

Parceria sino-russa é a grande vencedora do encontro no Alasca

© AP Photo / Pavel Byrkin / Kremlin Pool(Sputnik)

Wellington Calasans

De maneira equivocada, alguns analistas interpretam o encontro no Alasca entre Trump e Putin como um sinal de rompimento da Rússia com a China, mesmo que não o declarem abertamente.

Tal visão ignora o papel fundamental da China em evitar que a Rússia fosse subjugada pelo “Ocidente Alargado”, representado pela OTAN. A parceria sino-russa permitiu ao país superar sanções internacionais, barreiras comerciais e campanhas de demonização lideradas pelo bloco ocidental.

Ao absorver commodities russas e oferecer um mercado alternativo, a China garantiu que Moscou não ficasse isolada, possibilitando sua “volta por cima” em meio à pressão geopolítica. Essa aliança estratégica, longe de ser passageira, reflete uma compreensão mútua de interesses frente a um adversário comum que enxerga todos os outros como “inimigos”.

Historicamente, o medo da China pelos Estados Unidos remonta ao século XIX, com a imigração de trabalhadores chineses para a Califórnia e a construção de estereótipos como o do “Fu Manchu”, personagem que simbolizava a ameaça oriental inescrutável.

A Guerra da Coreia, na prática um confronto entre EUA e China, e o regime maoísta reforçaram essa desconfiança, alimentada por diferenças culturais — língua, tradições e organização social.

Contudo, a ascensão econômica chinesa nas últimas décadas transformou esse temor em pânico estratégico: enquanto os EUA enfrentam declínio relativo, a China avança em tecnologia, ciência e poder militar, desafiando a hegemonia norte-americana de forma pacífica, mas inexorável.

A atual política norte-americana em relação à China, marcada por sanções, tarifas e isolamento militar, é não apenas contraproducente, mas fruto de uma visão míope. Em vez de reconhecer que o problema reside no próprio declínio dos EUA — evidenciado por dívidas crescentes e estagnação econômica —, Washington insiste em culpar Pequim por seus fracassos.

A China, por sua vez, consolidou-se como potência ao adotar um modelo híbrido: após as reformas de Deng Xiaoping em 1980, trocou o comunismo rígido por um capitalismo de Estado, mantendo a fachada ideológica enquanto priorizava o crescimento. Hoje, seu sistema, embora visto pela maioria dos ocidentais como autoritário, assemelha-se mais a uma aliança entre Estado e corporações do que ao socialismo clássico.

Apesar dos avanços, esses mesmos países ocidentais – mergulhados em dívida – tentam impor a narrativa de que “os desafios internos ameaçam o ritmo chinês”.

Segundo os “especialistas” ocidentais, o governo chinês recua de políticas de mercado livre, optando por maior controle estatal, enquanto bancos estatais realizam investimentos pouco eficientes devido a pressões políticas. Ignoram que reside aí a diferença entre sucesso e fracasso.

Além disso, os mesmos “especialistas” dizem que as mudanças culturais — como a redução da ética de trabalho e aumento da corrupção (palavras deles) — podem minar a competitividade futura. Ignoram que a corrupção é inerente ao capitalismo e que o sucesso de China e Rússia decorre da força do Estado.

No entanto, mesmo com essas contradições apontadas pelos “especialistas”, a China já supera os EUA em áreas-chave, como produção industrial e inovação tecnológica, enquanto Washington desperdiça recursos em gastos militares desnecessários, como os aumentos de 20% promovidos por Trump.

A obsessão norte-americana com uma suposta “ameaça chinesa” ignora que guerras modernas raramente se resolvem por invasão territorial, como no passado. A China, ciente disso, busca expansão econômica, não conflito armado.

Invadir os EUA seria logisticamente inviável, e uma guerra nuclear seria catastrófica para ambos. O verdadeiro risco vem de Washington: ao usar questões como Taiwan para justificar provocações, os EUA podem arrastar o mundo a um confronto desnecessário, movidos pelo pânico de perderem sua supremacia.

Enquanto isso, a China continua focada em desenvolvimento interno, sem demonstrar interesse em exportar sua ideologia. Por isso, em momento algum tentou ser protagonista ou até mesmo coadjuvante do encontro no Alasca. Isto pode ser visto nos dois parágrafos de um artigo publicado na imprensa chinesa:

“Mas não nos esqueçamos de que Putin será elogiado em casa. Ele se encontrou com seu homólogo (norte-)americano, um gesto que põe fim a qualquer isolamento que tenha sofrido do Ocidente nos últimos anos. Haverá questionamentos renovados na mídia russa sobre a sinceridade do Ocidente em encerrar o conflito e se ele realmente deseja destruir a Rússia. Nesse cenário, Putin será visto como alguém que afirma a Rússia como uma potência internacional legítima que não permitirá que o simbólico mine a substância.

E quanto à Europa e à Ucrânia? Obviamente, ninguém na suposta cúpula de sexta-feira representou nenhum dos lados. Seus representantes podem insistir em estar presentes na próxima reunião, se houver. A China também insistirá? Não esqueçamos que a China tem sido consistente em encontrar uma solução pacífica para o conflito. Será que ela conseguirá encontrar a combinação certa de oportunidades para levar todas as partes a um cessar-fogo duradouro?”

A China sabe a importância do seu papel no contexto global, assim como a Rússia compreende essa dinâmica como poucos. Sabendo que a China foi essencial para sua resistência às sanções ocidentais, Moscou vê em Pequim um aliado estratégico de longo prazo, não um parceiro temporário.

A narrativa de um rompimento russo-chinês é, portanto, uma ilusão alimentada por quem subestima a racionalidade geopolítica de ambos. Enquanto os EUA se enfraquecem por dentro — com dívida pública galopante e polarização social —, a China avança com planejamento de Estado.

O colapso norte-americano não virá da “ameaça chinesa”, mas de sua própria incapacidade de adaptar-se a um mundo multipolar, onde a parceria entre Moscou e Pequim simboliza não uma aliança frágil, mas a inevitável e longeva redistribuição do poder global.

NOTA DESTE OBSERVADOR DISTANTE

Analfabetos políticos do Brasil resgataram palavras do malogrado Olavo de Carvalho sobre uma nova “bipolaridade” (Freud explica a escolha do termo):

Ignoram a importância da China no contexto atual e, ainda mais grave, a capacidade da Rússia de compreender a importância da China na superação da agressão praticada pelo “Ocidente Alargado”, sob a liderança dos EUA.

Deixem Olavo de Carvalho descansar em paz. Ele não tinha a menor ideia do que é multipolaridade. A análise dele, assim como a de todos os ignorantes, partia da premissa dos EUA como potência única. Premissas erradas produzem resultados errados.

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https://x.com/wcalasanssuecia/status/1957017988973871445

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