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sexta-feira, 29 março, 2024

Paraguai: ‘pobreza, desigualdade e iniquidade são filhas mimadas da corrupção’

Noticias Aliadas
Adital

Gustavo Torres

Há um bom tempo, a corrupção contaminou um setor importante da sociedade paraguaia e suas instituições, situando o país em uma posição pouco honrosa na lista de países com pouca transparência governamental. De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção 2014 – que, anualmente, publica a Transparência Internacional (TI) – o Paraguai ocupa o lugar 150 de 175 nações avaliadas – com uma pontuação de 24, numa escala de zero (elevada corrupção) a 100 (baixa corrupção) –, e o terceiro lugar entre os países mais corruptos da América Latina e Caribe, somente superado pelo Haiti e Venezuela.

A TI publica desde 1995 a avaliação de indicadores sobre o tema da implementação de justiça, o nível de delinquência e criminalidade e, essencialmente, a impunidade no setor público, caracterizando a corrupção como o abuso do poder, encomendado para benefício pessoal ou setorial.

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Alfredo Stroessner, principal antecedente de corrupção no país sul-americano.

“O antecedente mais notório de corrupção institucionalizada no Paraguai se desenvolveu durante o longo período da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989)”, afirma às Notícias Aliadas, Andrew Nickson, catedrático da Universidade de Birmingham, na Grã Bretanha, estudioso da ditadura strossnista e da economia paraguaia.

“A combinação de uma economia aberta, um Estado extremamente débil e a existência dos grandes países limítrofes, Argentina e Brasil, que experimentavam uma estratégia de industrialização, por substituição à importação, permitiram, desde os anos 1950, o surgimento de prática de corrupção relacionada com o comércio exterior: contrabando de todo tipo”, sustenta Nickson, complementando que Stroessner tolerava essas práticas, o que era denominado como “o preço da paz”, um mecanismo de controle para obter lealdade ao regime por parte de funcionários públicos e das elites civis e militares; ao permitir-lhes aumentar seus baixos salários, por meio de rendimentos ilegais, sem afetar o pressuposto estatal.

“O crescimento das empresas públicas durante os últimos anos do período de Stroessner esteve acompanhado de altos níveis de corrupção”, afirma Nickson, autor do livro “A Guerra Fria e o Paraguai”. “As atividades relacionadas com o comércio de contrabando, originalmente concentradas em bebidas alcoólicas, cigarro e bens eletrônicos, diversificaram-se nos anos 1990, para incluir veículos roubados, armamentos, bem como tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. A participação ativa de funcionários públicos foi crucial para o funcionamento de todas essas atividades ilícitas”.

Nesse sentido, no fim da década de 1990, o setor público se caracterizava por um nível extremamente alto de corrupção institucionalizada, e, em 2003, o Paraguai ocupava o lugar 129 entre 133 países, no índice de Percepção da Corrupção.

Ações simultâneas

Para o analista político e catedrático Benjamín Fernández Bogado, “a corrupção pública, em conjunto com um setor privado voraz, colocou a perder um par de gerações no país. E isto vai desde obras públicas, contratadas pelo Estado, até a contratação de serviços, num valor superior a US$ 6 bilhões por ano”.

“Criou-se uma cleptocracia, que atrasou o país em termos de educação, saúde e desenvolvimento social”, disse Fernández Bogado às Notícias Aliadas. “Criou uma classe parasitária, que modelou uma forma de êxito, que se propagou como valor entre muitos paraguaios, tornando o Estado uma instituição débil e funcional à corrupção”.

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Protestos contra a corrupção institucionalizada no Paraguai.

“O país recebeu, nos últimos 50 anos, dinheiro para realizar todo a rede de esgoto do país, pelo valor de três operações e, hoje, somente temos uma cobertura de 10%, desenvolvimento viário pobre, escolas em mau estado e uma classe empresarial acostumada a licitações e contratos com o Estado”, acrescentou.

Em relação às implicações dos atos de corrupção para o aumento da pobreza, Fernández Bogado sustenta que “o país poderia ter um Estado mais eficaz, para reduzir as consequências da corrupção, mas, como sua principal preocupação não é servir ao povo e, sim, servir-se do modelo, tudo acabou prejudicando a sociedade, em seu conjunto”.

Em relação às propostas de como enfrentar a corrupção e conseguir resultados sustentáveis, Fernández Bogado recomenda criar um Estado de direito que funcione.

“Devem ocorrer várias ações ao mesmo tempo. Severas punições aos corruptos, que dissuadem a cometerem fatos desse tipo, uma sociedade mais bem educada, que tenha consciência de que a corrupção mata e empobrece; e, finalmente, um novo modelo econômico, que dê ênfase à concorrência mais aberta e transparente. Temos uma nova lei desde o ano de 2015, a 5.282, de acesso à informação pública e transparência do Estado que, estou certo, será um mecanismo favorável para todos”, indica. “No Paraguai, um crime cometido tem apenas 5% de possibilidades de ser processado e 1% de ser condenado. A economia do crime paga muito bem, em um país que tem mais de 70.000 ordens de prisão não cumpridas”.

Por último, considera que “um Poder Judiciário independente, higienizado e crível é um passo necessário para a luta contra a corrupção”.

Ética pelos sonhos

2015 se viu convulsionado por massivas manifestações, principalmente estudantis. Um dos acontecimentos que detonou os protestos foi o desfalque do Fundo Nacional de Investimento Público e Desenvolvimento (Fonacide), que é utilizado pelos municípios para financiarem infraestruturas educativas. Suspeita-se que esses recursos são desviados para contas particulares e desviados durantes as construções, utilizando-se, em muitos casos, materiais de má qualidade, que provocaram o desmoronamento de várias salas de aula recém-construídas, pondo em perigo o bem-estar da comunidade educativa. Como foi o caso do desabamento, em 30 de setembro [de 2015], de uma sala de aula, em uma escola pública da cidade de Lambaré, distrito próximo à capital, Assunção, enquanto ocorria a aula, ferindo o professor e seus alunos.

As autoridades da Universidade Nacional de Assunção (UMA), a mais antiga do país, estão sendo investigadas por nepotismo, infração administrativa e desvio de fundos, entre outros delitos, a partir das denúncias dos estudantes. Em setembro, a Promotoria iniciou um processo contra mais de 50 pessoas, incluindo o reitor Froilán Peralta, a quem, após permanecer dois meses na prisão de Tacumbú, a máxima instituição penitenciária do país, deram-lhe uma medida substitutiva à prisão, com um milionário caução como finança. Além do reitor, neste caso, está envolvida a maioria das faculdades e suas filiais, assim como o Hospital das Clínicas, dependente da Faculdade de Medicina.

O Tribunal Superior da Justiça Eleitoral (TSJE) também está implicado nas acusações de corrupção, com os chamados ”planilleros”, como são conhecidas as pessoas contratadas em uma instituição pública e que recolhem seus salários, mas não frequentam os locais de trabalho, devido à boa relação com altos funcionários ou dirigentes políticos em cargos de poder, que atribuem benefícios discriminatórios e arbitrários na função pública, em troca de apoio eleitoral.

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Reitor da Universidade Nacional de Assunção chegou a ser preso por desvio de dinheiro.

Como um aviso, María Elena Wapenka, ministra do TSJE, assinalou que os escândalos de corrupção na Justiça Eleitoral são parte de uma estrutura de administrações anteriores, que datam de aproximadamente 20 anos.

Outro caso dos mais chamativos é protagonizado pelo próprio reitor de Transparência, a Controladoria Geral da República (CGR). Em maio, a imprensa revelou que Liz Paola Duarte Meza, secretária privada do controlador Óscar Rubén Velázquez Gadea, recebia milionárias remunerações, inclusive, maiores que as de um ministro, por supostamente trabalhar mais de 24 horas por dia. Durante agosto e setembro, o caso – que também envolvia diretores e funcionários da instituição e contava com o silêncio cúmplice da subcontroladora Nancy Torreblanca – dominou as manchetes dos principais jornais do país, o qual desembocou na renúncia do controlador, ante sua iminente destituição do cargo.

Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a Polícia e as Forças Armadas e os governos locais tampouco não são alheios à corrupção. São generalizados os delitos, como peculato, regalias, nepotismo e concessões fraudadas com o setor privado, vinculado ao poder político.

A respeito, o filósofo e pesquisador da Universidade Nacional de Assunção José Manuel Silvero reafirma que a ética e a política são aspectos fundamentais para a vida democrática. “Se elas relaxam por ação da corrupção, simplesmente, se desvirtuam no sentido pleno. E a corrupção tem essa qualidade, desvirtuar processos, conceitos e fundamentos. No âmbito privado, a corrupção tem a mesma virulência e nocividade. Embora, sejam duas esferas distintas, o público e o privado, o dano é igualmente terrível, A corrupção mina a confiança”, aponta Silvero às Notícias Aliadas.

Por último, ele considera que “a pobreza, a desigualdade e a iniquidade são filhas mimadas da corrupção”. “Os efeitos da corrupção atentam contra o presente e o futuro”, conclui.

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Organização Não Governamental sem fins lucrativos que produz e difunde informação e análises sobre a realidade latino-americana e caribenha com enfoque de direitos

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