Angela Merkel antes era criticada por não se empenhar suficientemente pela Europa
Alemanha assume a presidência rotativa europeia em meio à maior crise da história do bloco. A chanceler federal parece ter aceitado a missão de não permitir que o projeto comunitário desmorone.
“Não é exagero dizer que estamos diante do maior desafio econômico da história da União Europeia.” A chanceler federal Angela Merkel, repetidamente, vem destacando o momento problemático do bloco europeu. Entre pandemia, turbulência econômica e o cansaço da Europa, a situação é dramática. E a chefe de governo alemã enfrenta esse desafio como uma missão.
Mas a relação entre Merkel e Europa não foi sempre fácil. Para o último chanceler de seu partido antes dela, Helmut Kohl (1982-1998), a UE era questão de coração devido a seu próprio sofrimento durante a Segunda Guerra Mundial: guerra e perda, o início da cooperação europeia, a conversão de inimigos em amigos – até sua amizade com o presidente francês François Mitterrand, e, sobretudo, até a introdução do euro.
Esse era o tema da vida política de Kohl. Mesmo que muitos correligionários tenham se distanciado dele após o choque com a ala conservadora do partido e sua saída do palco político, ele continuou sendo, para eles, um grande europeu, assim como havia sido Konrad Adenauer.
E Merkel? Dentro do partido conservador ela era frequentemente acusada de tratar o tema da Europa de uma maneira sóbria demais. No primeiro semestre de 2007, ela, apenas um ano e meio como chanceler federal, já havia liderado a presidência do Conselho da União Europeia. O posto é exercido rotativamente pelos países do bloco por períodos de seis meses, e a Alemanha volta a assumi-lo nesta quarta-feira (01/07).
Em 17 de janeiro de 2007, em seu primeiro discurso como presidente do Conselho da UE perante o Parlamento Europeu, ela falou de sua própria história: “Passei toda minha vida na Europa. Mas na União Europeia eu ainda sou uma pessoa jovem. Eu cresci na antiga RDA. […] Até os 35 anos de idade, eu só conhecia a UE por fora, e desde 1990 eu a conheço por dentro.”
Algumas semanas depois, na celebração dos 50 anos dos Tratados de Roma, que são algo como o documento fundador da Europa moderna, a então política de 52 anos disse uma frase que desde então tem sido uma das declarações centrais de sua chancelaria: “Nós, cidadãos da União Europeia, estamos unidos para nossa felicidade.”
Desde então, esta formulação bastante ambígua tem aparecido de tempos em tempos nos discursos principais de Merkel sobre a política europeia.
Independentemente de Jacques Chirac (até 2007), François Sarkozy (2007-2012) ou François Hollande (2012-2017) estarem sentados no Palácio do Eliseu, em Paris, Merkel sempre ousou dar um passo em direção a um novo despertar europeu – contra o desânimo, contra os populistas.
Rachaduras na casa europeia
Mesmo quando Emmanuel Macron se tornou presidente francês, há três anos, muitos esperavam por um grande projeto europeu conjunto da UE franco-alemã. Durante sua campanha eleitoral, o francês esteve várias vezes em Berlim como um farol de esperança em tempos de euroceticismo.
Ele falou em salas universitárias lotadas, onde destacados social-democratas estavam ouvindo, mas quase nenhum representante da CDU de Merkel. Macron apresentava visões para o futuro da Europa, irradiava otimismo. Mas depois da eleição? Nada aconteceu.
Mas agora, na crise de 2020, Merkel parece enérgica e determinada. Como se tivesse sido chacoalhada pelos fortes tremores na casa comum europeia que se seguiram ao isolamento dos Estados-membros e à renacionalização no auge da pandemia. Pessoas próximas relatam que, para Merkel, agora com 65 anos, o tema da Europa tornou-se uma questão de coração – como foi com Kohl.
Ela desistiu, pelo menos em parte, dos anos de resistência à comunitarização das dívidas e, em meados de maio, juntamente com Macron, criou algo como um espírito de otimismo na UE ao anunciar um pacote financeiro que, no passado, seria inimaginável. Esse pacote de resgate, que beneficia principalmente países como Itália e Espanha, será financiado por dívidas conjuntas.
“Tal crise também requer respostas adequadas”, disse ela em uma coletiva de imprensa conjunta com o presidente francês, em meados de maio. Ela estava de pé na Chancelaria de Berlim; Macron, no distante Palácio do Eliseu – e mesmo assim eles pareciam próximos um do outro.
O fim de uma inimizade
A aparição conjunta pretendia sublinhar que o “motor franco-alemão” estava religado. Merkel e Macron lembraram, juntamente, os princípios fundadores da UE.
Quem se desloca entre a sede do partido de Merkel, a Chancelaria e o Bundestag em Berlim vai procurar em vão um monumento à UE para comemorar o milagre da unificação europeia. Mas no caminho da sede do partido até a Fundação Konrad Adenauer, que fica perto da CDU, há pelo menos um monumento à reconciliação franco-alemã. Um lembrete da reconciliação entre os antigos inimigos de duas guerras mundiais.
Os retratos em relevo de Charles de Gaulle (1890-1970) e Konrad Adenauer (1876-1967) estão à beira do parque Tiergarten. O presidente francês (1958-1969) e o chanceler federal alemão (1949-1963) dão as mãos um ao outro. O monumento comemora o tratado de amizade franco-alemão de 1963.
A inauguração do monumento em 2003 contou com a presença de celebridades políticas: o chanceler Gerhard Schröder (1998-2005), seu antecessor Helmut Kohl (1983-1998), Angela Merkel, então líder da CDU e líder da bancada conservadora no Bundestag, além do então presidente alemão Roman Herzog e do ministro do Exterior francês Dominique de Villepin. Nas ruínas da Europa devastada pela guerra depois de 1945, ambos os países se tornaram o motor da unificação europeia.
Os atores dos primeiros despertares europeus foram franceses, alemães e italianos. Mas depois de Helmut Kohl e François Mitterrand, dois políticos muito diferentes que haviam estendido as mãos sobre os túmulos dos soldados alemães em Verdun em 1984, abriu-se um vácuo político europeu.
A aparição conjunta tardia de Merkel e Macron é agora para unir novamente os membros da UE e, acima de tudo, para fortalecê-los economicamente. “É de se esperar que França e Alemanha voltem a ser o motor da unificação europeia”, diz o filósofo ítalo-alemão Vittorio Hösle, à DW.
Helmut Kohl dizia que pouco foi feito para aprofundar o processo de unificação europeia. Agora Merkel, que se entregou à tarefa em seu provável último mandato, e Macron querem recuperar a força econômica da Europa. É o atual, mas não é de forma alguma o único canteiro de obras da UE.
O filósofo Hösle, que uma vez aconselhou o governo alemão nos anos 90, espera que a UE não seja apenas um episódio, mas que se torne uma época. Que haverá uma unificação europeia mais forte também na direção de um Estado federal. Caso contrário, prevê, o bloco pode entrar em colapso como um castelo de cartas. Algo bem diferente do que espera Merkel.
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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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