Por Marcio Pochmann, na Rede Brasil Atual:
A elite governante no Brasil constrói o roteiro de um desastre nacional que se torna referência internacional, acentuando ainda mais a trajetória do subdesenvolvimento perseguido. O manual do que não se deve fazer em situações traumáticas como a de saúde pública, sobretudo advinda de uma pandemia viral, segue sendo escrito com afinco desde o início de 2020. Afinal, como teria dito Tom Jobim no passado, “esse país não é para principiantes”. Não se conseguiria tanta ousadia destrutiva com mera elite formada apenas por amadores.
A começar pela inércia dos governantes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) que em toda a federação (prefeitos, governadores e presidente) aguardaram chegar do exterior os primeiros infectados de covid-19 para, depois de três semanas, estabelecerem as primeiras medidas, em geral, equivocadas. Sem planejamento e coordenação, as possíveis ações antecipatórias que poderiam ser implementadas nem foram executadas.
Autoridades competentes poderiam ter acompanhado o desenrolar da pandemia inicialmente em outros países para adotarem, na sequência, um plano à altura de um país de dimensão continental, com mais de 210 milhões de habitantes e situado entre as dez economias mais importantes do mundo. Poderiam também ter convocado, por exemplo, o setor produtivo nacional para, na “situação de guerra”, preparar e disponibilizar internamente o conjunto de insumos necessários ao atendimento de saúde pública (de máscaras a respiradores mecânicos).
Difícil acreditar que o país classificado entre os principais produtores e exportadores de etanol do mundo tenha imposto aos seus habitantes o vexame da escassez de álcool em gel em pleno mês de março. Depois, quando voltou, o álcool em gel apareceu com sobrepreço, previsível quando oportunistas se dispõe a lucrar com a desgraça da população, especialmente os mais pobres.
Economia exposta
Se não fosse possível produzir internamente os produtos necessários ao combate da pandemia abrir-se-ia a importação com antecedência. Assim, como ao se saber que a covid-19 não era nativa, que somente infectaria brasileiros provenientes do exterior, o controle deveria ter sido implantado desde fevereiro nas cidades de fronteira e as detentoras de portos e aeroportos com acesso internacional.
O fechamento temporário do espaço aéreo e o confinamento imediato somente nas localidades mais sensíveis ao contato com o exterior teria sido a melhor solução. Ademais da difusão em massa dos testes para o monitoramento dos infectados, bem com a existência paralelamente das medidas que garantissem renda aos trabalhadores e às condições de operacionalidade dos negócios, sobretudo aos micro e pequenos, para que, assim, a quarentena pudesse ser efetiva a todos.
Se acompanhados simultaneamente, os fluxos internos de deslocamentos terrestre, fluvial e aéreo permitiriam, possivelmente, que o vírus ficasse contido em poucas localidades do país. Assim, não haveria a necessidade de governadores e prefeitos imporem o isolamento social de forma generalizada, sendo cumprido apenas parcialmente.
Ademais, a pandemia de covid-19 teria percorrido, talvez, não mais de três meses, com forte atenção de parte das autoridades governamentais para evitar muito mais infectados e mortos. A economia exposta à parada de menor tempo e intensidade, sofreria recessão temporária, possibilitando que o segundo semestre de 2020 fosse acompanhado por recuperação e com o PIB anual crescendo levemente positivo.
Efeito sanfona
Com menos empregos destruídos, quase sem o fechamento de empresas, e parte das cidades operando normalmente sem terem sido expostas ao isolamento social inadequado, o Brasil não estaria atualmente cumprido o roteiro do desastre nacional conduzido pela elite governante.
Além do efeito sanfona do abrir e fechar negócios pelo qual o protocolo governamental tem sido executado, empurrando a economia da recessão prolongada à depressão sem paralelo histórico, a contaminação segue solta, com mortos estabilizados no “pico”. Para piorar, a decisão elitista dos governantes de manter as eleições municipais e o fundo orçamentário eleitoral neste ano, o que revela a ausência de prioridade para a problemática da saúde pública e do sofrimento humano com o avanço da doença, mortes, desemprego e empobrecimento geral da economia nacional.
Pelos próximos quatro meses, as atenções de parlamentares, do presidente, governadores e prefeitos, bem como de candidatos a prefeitos e vereadores, estarão desviadas para os cargos políticos e as ocupações e remunerações a espera de “rachadinhas”. Mais tempo, portanto, para que o roteiro do desastre nacional possa ser ainda mais sofisticado pela elite governante.