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domingo, 8 junho, 2025

Panamá, situação social tensa e chegada de militares dos EUA

Cidade do Panamá (Prensa Latina) Após recentes protestos em massa contra uma regulamentação da Previdência Social, a chegada de militares dos EUA ao Panamá, supostamente para participar de um treinamento conjunto para defender a segurança do Canal, disparou o alarme.

Por Mario Hubert Garrido

Correspondente-chefe no Panamá

A chegada dos fuzileiros navais uniformizados, baseados em Camp Lejeune, na Carolina do Norte, ocorre em meio a uma greve por tempo indeterminado liderada por professores e trabalhadores da construção civil, bloqueios na província de Bocas del Toro e repressão policial à comunidade indígena de Arimae (Darién).

Em 6 de junho, os manifestantes também rejeitaram o memorando de entendimento assinado em 9 de abril na Cidade do Panamá, que permite que Washington use bases aéreas e navais panamenhas para “treinamento” por um período renovável de três anos.

A prisão em Bocas del Toro e a subsequente libertação de um turista americano preso em bloqueios de estrada na área de Alto del Guabo, em Bocas del Toro, aumentaram a temperatura da agitação.

O PANAMÁ AUTORIZA, MAS…

De acordo com um relatório da Embaixada dos Estados Unidos no Panamá, o Panamá deve aprovar a entrada de todos os militares americanos que entram no país de forma rotativa e não permanente.

No entanto, a nota diplomática especifica: “Por meio da expansão de nossa aliança de segurança, trabalharemos ainda mais estreitamente para combater o crime transnacional e o tráfico de drogas, garantindo ao mesmo tempo as operações ininterruptas do Canal”.

A presença militar dos EUA é uma questão delicada no Panamá, pois evoca a época em que os Estados Unidos tinham um enclave com bases militares antes de entregar o canal aos panamenhos no último dia de 1999.

O Panamá assinou o acordo de segurança sob pressão do presidente Donald Trump, que ameaça tomar o canal, argumentando que ele está sob influência chinesa e não descarta o uso da força.

A assinatura do chamado Memorando de Entendimento entre o Ministro da Segurança Frank Abrego e o Secretário da Defesa Pete Hegseth, na presença do Presidente José Raúl Mulino, gerou protestos.

Entre eles estão os sindicatos de trabalhadores da construção civil, os sindicatos de professores e os grupos indígenas, que consideram isso uma “violação da soberania nacional” e um retorno secreto de antigos enclaves militares.

O acordo, assinado sem ser revisado pela Assembleia Nacional (parlamento), indica os locais autorizados para a presença dos EUA, incluindo a Base Aérea Teniente Octavio Rodríguez, parte do Serviço Aeronaval Nacional, localizada no Panamá-Pacífico.

Inclui também a Estação Aérea Naval Almirante Cristóbal Colón, conhecida como Base Naval Sherman, e duas bases navais nesta capital: Vasco Núñez de Balboa e Capitán de Frigata Noel A. Rodríguez, antigo Rodman.

Além disso, estabelece que o pessoal e os contratados dos Estados Unidos podem usar instalações e áreas designadas para conduzir treinamentos, atividades humanitárias, exercícios, visitas, armazenar ou instalar propriedades dos EUA e quaisquer outras atividades acordadas mutuamente pelos participantes.

Para os grupos do movimento popular, desta vez é um caso de operações de contrainsurgência no país, contra um governo subserviente a Washington que traz criminosos para reprimir a insurreição em troca de migalhas das riquezas provenientes da pilhagem dos recursos naturais.

POR TRÁS DOS CONFLITOS

Para o analista Ricardo Herrera, em meio a uma crise social sem precedentes, o presidente Mulino optou por um caminho que busca não resolver, mas intensificar o conflito.

A assinatura de memorandos de entendimento com os Estados Unidos, que afetam diretamente a soberania panamenha e violam a neutralidade do Canal, não são incidentes isolados. Fazem parte de uma estratégia fria e calculada para proteger seu governo com apoio geopolítico externo diante da crescente ilegitimidade interna, indicou.

Em artigo publicado no El Periódico de Panamá, o estudioso afirma que o chefe de Estado do Istmo não governa em busca do bem comum, mas sim visando alianças com grupos e interesses geopolíticos que poderiam protegê-lo de uma potencial revolta social, devido ao descontentamento que ele mesmo alimentou.

Em vez de promover o diálogo, ele optou pela polarização, transformando o protesto social em uma falsa batalha entre o governo e o sindicato dos trabalhadores da construção civil ou entre o poder executivo e supostos agentes do Partido Comunista Chinês, explica.

Para o acadêmico, a ideia central é que, com esses memorandos, Mulino está negociando a segurança de seu próprio poder. Ele interpreta essas alianças como uma garantia para impor um governo que desrespeita direitos e garantias fundamentais, mas, em vez disso, ameaça, reprime e retorna à lógica do macartismo.

OUTRAS LACUNAS

A situação complexa se agrava com a deterioração do tecido institucional. Dias antes do início da segunda sessão da Assembleia Nacional (parlamento) e da eleição de sua diretoria em 1º de julho, quando Mulino deverá apresentar um relatório de prestação de contas ao país, vários deputados independentes estão divididos e conspiram para ascender ao topo da legislatura.

A coalizão Vamos, que gerou esperanças de renovação política na época das eleições gerais de 5 de maio de 2024, também se dividiu devido à aprovação ou revogação da Lei 462 sobre reformas no Fundo de Seguridade Social, o principal motivo dos protestos em massa.

Aqui, também se puseram em prática práticas clientelistas e oportunistas sob novos nomes e bandeiras, cujo início vários analistas associam ao almoço oferecido num restaurante de Penonomé (Coclé) em abril passado pelo chefe de Estado aos 48 deputados que apoiaram a lei com seus votos antes de sua aprovação.

A chamada reunião política provocou uma série de reações e questionamentos sobre as reuniões “secretas”, bem como tensões internas dentro de algumas facções.

Sobre essa reunião, a líder do Vamos, Janine Prado, afirmou que esse tipo de reunião “não condiz” com os valores do grupo. “Estamos sempre lá para conversar pelo bem do país, mas isso deve ser feito de forma transparente e aberta, para todo o partido”, disse ela.

Prado indicou estar ciente de que alguns membros de seu grupo político foram convidados para a reunião, mas não todos. “Segmentar os representantes com base no voto do Fundo de Seguridade Social pode levar a interpretações equivocadas, visto que não sabemos qual será a pauta da reunião”, enfatizou.

Nesse sentido, ele ressalta que se algum desses deputados do movimento independente estivesse presente na reunião e, de repente, aparecesse como candidato à presidência ou à mesa diretora da Assembleia Legislativa, e ainda tivesse os votos necessários como num passe de mágica, isso seria uma prova de que as velhas práticas de poder ainda estão vivas e atuantes.

Por outro lado, são frequentes as denúncias sobre a nomeação de Luis Gómez, advogado pessoal de Mulino, como Procurador-Geral da República, uma manobra calculada que atenta contra o Estado de Direito e ameaça a independência do sistema judicial.

Mulino instalou um agente político de confiança na estrutura que deveria investigar e monitorar os que estão no poder, e a decisão é vista como uma estratégia para capturar as instituições da justiça, corroer o devido processo legal e enfraquecer todas as formas de contrapeso democrático.

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