20.5 C
Brasília
sábado, 21 dezembro, 2024

Pacote do Veneno é retrocesso em legislação já permissiva para agrotóxicos, diz relator da ONU

Para deputados da oposição, Projeto de Lei libera agrotóxicos de forma indiscriminada – Antonio Cruz/Agência Brasil
Relator Marcos Orellana falou, em entrevista ao Brasil de Fato, dos riscos de uma eventual aprovação da proposta
Glauco Faria
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Em documento emitido na última quarta-feira (22), especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) pediram ao Senado brasileiro que rejeite o chamado “Pacote do Veneno“, aprovado pela Câmara dos Deputados como Projeto de Lei 6299/2002, em fevereiro. Entre outros pontos, o texto aponta que a nova legislação sobre agrotóxicos, se for aprovada, vai expor agricultores, trabalhadores, indígenas, comunidades camponesas e a população em geral a substâncias perigosas, com consequências potencialmente devastadoras para sua saúde e bem-estar.

Também nesta semana, a proposta, que agora tramita no Senado como PL 1.459/2022, foi tema de discussão em duas audiências realizadas na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Parlamentares contrários ao projeto destacaram que ele enfraquece os órgãos de controle, abrindo ainda a possibilidade da aprovação para uso de produtos nocivos.

“É o ‘projeto do veneno’, não tem como não dizer. Não sou contra o agronegócio, mas ele resolveu agora atacar literalmente a segurança alimentar, os direitos humanos e o meio ambiente “, disse a senadora Zenaide Maia (Pros-RN). “Vai aumentar o risco de aparecimento de doenças nas populações expostas, principalmente os agricultores, suas famílias e as pessoas no entorno”, apontou a pesquisadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Karen Friedrich.

Ao final da segunda audiência, o presidente da CRA, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), anunciou que faria uma “reanálise” de seu parecer ao Projeto de Lei, segundo ele, em função dos debates realizados na comissão.

Em entrevista concedida por e-mail ao Brasil de Fato, o relator especial sobre substâncias tóxicas e direitos humanos da ONU, Marcos Orellana, falou sobre os riscos de uma eventual aprovação da proposta.

Que tipo de riscos à saúde as mudanças propostas pelo projeto de lei podem trazer para a população?

Sabe-se que a exposição a pesticidas perigosos aumenta a mortalidade infantil e causa uma ampla gama de distúrbios de saúde, como câncer, diabetes, Parkinson, Alzheimer, infertilidade e abortos. A exposição também pode causar danos ao feto no útero da mãe, incluindo malformações físicas e deficiências de desenvolvimento neurológico.

Existe um nível seguro de uso de pesticidas?

Geralmente, não há uso seguro para o tipo de pesticida altamente perigoso que o projeto de lei permitiria, enquanto existem substitutos que não são perigosos.

Parte do agronegócio brasileiro afirma que os agrotóxicos são necessários para aumentar a produtividade. Esse argumento é válido, em sua análise?

Os agrotóxicos não aumentam a produtividade, pois as pragas se adaptam aos agrotóxicos e os venenos passam a não ser mais eficazes. O que está evidente é que os agrotóxicos afetam negativamente a vida e a saúde dos trabalhadores, agricultores e comunidades expostas aos venenos. Além disso, o debate sobre produtividade precisa ser visto no contexto da poluição do planeta e do impacto nas futuras gerações de uma terra envenenada.

Caso o Pacote do Veneno seja aprovado, é possível considerar que a legislação brasileira sobre agrotóxicos pode se tornar uma das mais permissivas do mundo?

Em comparação com os países da OCDE, o Pacote do Veneno significaria um retrocesso ainda maior em uma legislação que já permite o uso de pesticidas perigosos que foram proibidos em outros países. Não há dúvida de que o Pacote do Veneno foi feito sob medida para os interesses de um poderoso lobby agroindustrial, em detrimento dos direitos básicos de todos à saúde, à integridade física e ao meio ambiente saudável.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS