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quinta-feira, 17 outubro, 2024

Os novos ‘Trapalhões’: Cid, Jair, Torres e Arruda

O autor pede que os profissionais do humor e da alegria o desculpem pela ocasional alusão a seus programas e nomes adotados. Os artigos foram originalmente publicados pelo jornal MONITOR MERCANTIL, entre 30/01/2023 e 02/02/2023.

Pedro Augusto Pinho*

Existia no Brasil um partido republicano, e esse partido tornava-se cada dia mais numeroso, mais ruidoso, mais ansioso por dominar o país. Existia no Brasil um exército esquecido, mal organizado, mal instruído e mal pago: um exército onde havia um oficial para treze soldados; onde o número de oficiais e uma longa paz dificultavam as promoções; onde o pobre soldado vivia fora da vida do regimento, destacado em pequenas guarnições de 20, 10, 5 e até dois homens, pelas vilas do interior, situação dissolvente de toda disciplina e destruidora de todo o respeito”. Eduardo Prado, “Fastos da Ditadura Militar no Brasil”, 1890. 

1ª Parte: Da Colônia à República 

A história das Forças Armadas (FFAA) brasileiras não difere de outras pelo mundo. Há grandes líderes, que salvaram a nação e proporcionaram a grandeza do país, como o general Charles De Gaulle, ao lado de traidores que entregaram o país a seus inimigos, como o Marechal Henri Pétain. Na Alemanha, o estadista Otto von Bismarck, verdadeiro fundador do Império, ao lado de Hermann Göring e Joseph Goebbels, que o destruíram.  

No Brasil, as FFAA começam com a República, que a proclamaram. Antes não havia o estamento militar, não se constituía instituição que se municiava para enfrentar inimigos externos. No Império, as FFAA mais se caracterizaram por perseguir escravos e combater movimentos nativistas e republicanos. A Guerra que se travou contra o Paraguai foi antes a guerra por procuração do que a de defesa nacional. Mas serviu para que uns poucos militares brasileiros tomassem consciência da necessidade de se prepararem tecnicamente e se organizarem conforme as forças armadas de outros países. 

Considere-se a instituição a partir de 1889 e a primeira tentativa de formação profissional na ida à Alemanha de dúzia e meia de militares, aqui, pejorativamente, denominados “jovens turcos”. Porém deixaram várias sementes, que destacamos a revista “A Defesa Nacional”, fonte e incentivo para permanente estudo de questões militares. 

Porém as FFAA não podiam fugir dos conflitos e das diferenças que surgiam na evolução da sociedade brasileira que, mesmo não se levantando para instituir a República, a ela se associou. 

O mais profundo analista da sociedade brasileira é o mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997), autor dos monumentais volumes dos “Estudos de Antropologia da Civilização” e de “O povo brasileiro”, indispensáveis para compreender nossa sociedade.  

A partir da chegada dos europeus, já no período capitalista da história do ocidente (século XV em diante), travou-se o choque entre um comunismo primitivo dos índios, numa terra onde os meios de sobrevivência abundavam e eram facilmente obtidos, com os europeus, que vinham atrás dos recursos escassos no seu continente e que eram valorizados na sua cultura socioeconômica. 

Isso constituiu o formato de sociedade que Darcy Ribeiro dividiu em quatro grupos: as classes dominantes, patronato nacional e estamento gerencial, as classes intermediárias, dependentes e relativamente autônomas, as classes subalternas, urbanas e rurais, e as classes oprimidas. 

Enquanto colônia, as classes dominantes gerenciais, agindo em nome dos interesses estrangeiros, pouco precisaram negociar com o patronado nacional, mais voltadas para manutenção da lei e da ordem. 

Porém, com a independência, as classes dominantes passaram a ter que se valer de seus próprios recursos, dando maior relevo ao segmento dos funcionários, entre os quais os militares, que na colônia apenas distinguira o judiciário. 

No processo para independência, já se diferenciavam setores das classes dominantes e das intermediárias daqueles das classes subalternas e oprimidas, porém todos viam na soberania nacional a possibilidade de participação nos destinos do país e de melhorar suas condições de vida. 

O golpe de mestre das classes dominantes foi a associação com o poder monárquico, onde as classes dominantes regionais cederam parte do poder para garantir a unidade nacional e o esvaziamento e pacificação das classes intermediárias.  

Eventos como a Revolução Pernambucana de 1817, a Balaiada (Maranhão, 1831), a Sabinada (Bahia, 1831), a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835) e a Cabanagem (Amazonas, 1835), além de várias lutas contra escravos, produziram a unidade da classe dominante, senhorial e parasitária, permitindo a chegada de classe estrangeira assumindo a direção de vários setores econômicos e unidades políticas brasileiras. Exemplo notável desta situação nos é descrito por Luiz Roberto Pecoits Targa, em “Gaúchos e Paulistas na Construção do Brasil Moderno” (Estudos Rio-Grandenses, organização de Paulo Timm, Torres, 2020), do qual trataremos mais adiante. 

FFAA DIFERENCIADAS NA RAÍZ 

Ainda no período colonial, houve a transferência da capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (carta-régia de 27 de janeiro de 1763). Majoritariamente se atribui à descoberta de ouro em Minas Gerais, no entanto o pacto colonial trazia mais do que a economia de exportação. Havia, por exemplo, o “privilégio de estanco”, que dava a único comerciante o monopólio de negociação do produto, e este foi muito importante no estanco do sal, correndo todo litoral brasileiro.  

Outras medidas de caráter econômico elevavam o custo de vida e faziam ocorrer levantes no nordeste (Maneta, 1711; Terço Velho, 1728; Alfaiates, 1798), onde ocorria o principal domínio das classes dirigentes já nascidas no Brasil, que recomendavam afastamento da administração portuguesa. 

Em 9 de novembro de 1807, saía o futuro rei D. João VI do rio Tejo, com esquadra de 15 navios, sob proteção inglesa. Tão logo aporta em Salvador assina, em 28 de janeiro de 1808, a abertura dos portos do Brasil e o livre intercâmbio comercial. E, ainda na Bahia, aprova a criação da que seria a Faculdade de Medicina, inicialmente Escola de Cirurgia. 

Mas esta presença modifica a situação brasileira. A mais relevante foi a transferência da Corte Colonial de Portugal para o Brasil, com a proteção da Inglaterra, a segunda foi a mudança do eixo da classe dirigente nacional do nordeste para o sudeste, e a terceira foi a onda revolucionária que, partindo do Porto (Portugal), corre o Brasil de Belém do Pará, passando por Pernambuco e pela Bahia, até chegar ao sul, na incorporação da Província Cisplatina (1816).  

“Soldados! A Bahia é nossa Pátria e nós não somos menos valentes que os Cabreiras e Sepúlvedas. Soldados! Nós somos os salvadores de nosso país; a demora é prejudicada, o despotismo e a traição do Rio de Janeiro maquinam contra nós, não devemos consentir que o Brasil fique nos ferros da escravidão” (Braz do Amaral, “História da Independência na Bahia”, Livraria Progresso Editora, Salvador, 1957, 2ª edição).  

Entre a chegada de D. João VI (22 de janeiro de 1808) e a Independência do Brasil (7 de setembro de 1822) transcorreram 14 anos. E, nesta primeira metade do século, houve não só a transferência geográfica do poder como a ruptura da sociedade tradicional da aristocracia fundiária para a urbana e comercial. 

Não havia Força Armada Brasileira, existiam milícias, mais ou menos organizadas, e o apoio estrangeiro. Esta situação foi sendo modificada durante o Império, mas, efetivamente, não houve interesse, principalmente pelo mais longo reinado (23/07/1840 – 15/11/1889) de Pedro II, em dotar o Brasil de efetiva autonomia. Mas se consolidaram patronatos, por quase todo País, que diferenciará a formação e atitudes das FFAA na República. 

No sul, os primeiros ocupantes, que Décio Freitas denomina “empresários-guerreiros” (“Farrapos: uma rebelião federalista”, in J.H. Dacanal, “A Revolução Farroupilha: história e interpretação”, PA, 1985), e as vilas guaranis desconheceram o Império Português, mesmo com os protestos espanhóis.  

Foram bandos armados e não o exército regular lusitano que deram forma ao sul do Brasil. José Honório Rodrigues (1913-1987), em sua obra de análise histórica brasileira, afirma que foram milícias que deram prova de eficiência militar e não as forças armadas regulares na colônia e no império. Ainda a formação do “patronato” sulista foi de imigrantes europeus, fugindo das guerras e das condições de vida difícil para a classe média menos favorecida, mas empreendedora. 

L.R. Targa, já referido, escreve: “As autoridades do Exército e a hierarquia administrativa do Imperador tornam-se cada vez mais isoladas dos grandes proprietários e dos grandes comerciantes “brasileiros”. Na verdade, as guerras que D. Pedro I fomentou no Rio da Prata e na Guiana foram consideradas como servindo aos interesses de Portugal em detrimento daqueles do Brasil”. 

Outra característica da formação rio-grandense que influenciará parcela significativa das FFAA é o positivismo. Três condições ideológicas extra militares terão importância, principalmente no Exército: a maçonaria, o espiritismo e o positivismo, este último, principalmente, entre gaúchos. 

Pela relevância e atualidade, transcrevemos, parcialmente, um “box” das observações que Targa coloca no livro citado. 

“Em ensaio sobre políticas institucionais, Jean-Louis Quermonne interessa-se especialmente pelas políticas institucionais constitutivas e, antes de tudo, pelas políticas constitucionais. Sua primeira observação é que as constituições podem tanto reproduzir e adaptar modelos constitucionais estrangeiros quanto construir um regime político inédito e, consequentemente, chegar à invenção de novo “tipo ideal” de constituição suscetível de ser exportada”. E acrescenta Targa, “a Constituição positivista sul-riograndense fundou nova ordem jurídica. Constituição inédita e original não estava baseada na dos Estados Unidos da América (EUA) como as demais constituições brasileiras”. 

Targa faz notar que na Primeira República eram os estados da Federação e neles as respectivas oligarquias quem conduziam a Nação, com poderes diretamente proporcionais à economia e à representação política.  

No primeiro grupo dos atores estavam São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No segundo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Os demais eram satélites, manipulados. Famílias de prestígio na colonização e no império cediam seu poder. 

Havia ainda duas instituições de importante peso político: a Presidência, incluindo o Congresso, o Poder Federal, e o Exército. 

O poder político de Minas Gerais se apresentava na Presidência ou na Vice-presidência da República, em razão das alianças eleitorais e na ocupação de pastas importantes: fazenda, justiça, transporte, agricultura, após 1930 também a da educação. Assim os mineiros estavam na direção dos órgãos públicos que podiam carrear obras públicas, além de empregos federais, para o controle eleitoral do patronato. Empresas e famílias constituíam bases eleitorais com setores intermediários partidários e seguidores, melhor se diriam, dependentes dos patronos. O clientelismo se manifestava na desproporção de serviços disponíveis em Minas Gerais e em outros estados brasileiros, como quilômetros de ferrovias, sistemas bancário, postal, telegráfico e empregos federais. 

Estudar a História do Brasil, sob qualquer aspecto, é estudar a escravidão. Ela não se resumiu aos 340 anos que medeiam a constituição do Estado Colonial à Lei Áurea. Ela prossegue sob as formas de contratos de serviços sem garantias, trabalhos por comida e outras formas ainda mais aviltantes de tratar o ser humano. 

E neste aspecto o Rio Grande do Sul constituiu sociedade diferenciada. A criação de pequenas propriedades, criando classe média rural, a vinda de imigrantes, a inserção dos índios guaranis na sociedade, e o que Luiz Roberto Targa denomina binômio “guerras fronteiriças – diversificação social” está na base da originalidade rio-grandense, que culmina na Constituição de 1891, a Constituição Castilhista. Ainda que possamos expressar que o Castilhismo era o Positivismo com Características Gaúchas, a questão da formação pessoal permanece como se constata nestes parágrafos do artigo 71, do Título IV – Garantias Gerais de Ordem e Progresso no Estado: 

“§ 10 – Será leigo, livre e gratuito o ensino primário ministrado nos estabelecimentos do Estado. 

§ 19 – Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos, civis, ou militares, quaisquer que sejam as suas opiniões, sem outra distinção que não a dos serviços que haja prestado ou possa prestar, a das virtudes e a da aptidão”. 

O Estado de São Paulo persistiu com o modelo escravista, sendo os escravos das regiões que empobreciam no leste e nordeste vendidos para as plantations paulistas. Com a mão de obra escrava ou precariamente remunerada, a plantação de café, principal commodity no início do século XX, deu condição para São Paulo se modernizar e importar inclusive a cultura europeia para seus salões e teatros e professores estrangeiros. 

Mas, diferentemente do Rio Grande do Sul, estas condições ficavam restritas à classe dominante, o patronato paulista. 

Estas diferenças de percepção da sociedade irão formar os exércitos que se constituíram a partir da Missão Francesa (1919-1939) e os contatos com os militares estadunidenses na II Grande Guerra. 

OS NOVOS “TRAPALHÕES”: CID, JAIR, TORRES E ARRUDA – 2.   

A Frente de Novembro foi um movimento político extrapartidário, organizado a pretexto de comemorar o aniversário da destituição do Presidente Carlos Luz. Ela obedeceu, na realidade, ao propósito de rearticular as forças populistas, dispersas com o desaparecimento do Presidente Vargas, em torno de um programa de caráter nacional, de sentido evidentemente esquerdista, para a luta contra o sistema democrático vigente, que era atacado e combatido como se representasse o predomínio de correntes reacionárias, opostas aos interesses do povo brasileiro”. General Aurélio de Lyra Tavares, “O Brasil de Minha Geração”, 2º volume, 1977. 

2ª Parte: A Revolução de 1930  

A Revolução desencadeada no Rio Grande do Sul, unindo civis e militares, em 1930, representou verdadeiro ponto de transformação política, social e econômica no Brasil. Não houve imposição ideológica, mas a construção, por diversas vertentes inconformadas com nosso atraso civilizacional, de novo Brasil. Basta recordar que, pela primeira vez na história pátria, a educação, a saúde e o trabalho mereceram, de modo orgânico, a atenção do Estado Nacional. 

Recordando a classificação de Darcy Ribeiro (Estudos de Antropologia da Civilização, Os Brasileiros, I Teoria do Brasil), o Patronato Oligárquico, senhorial e parasitário, foi modificado, reformado, pela assunção das forças modernas, empreendedoras e abrangentes, inclusivas de todas as classes sociais. E a menos de meio século da formal libertação dos escravos. 

Como é óbvio, ao tempo que foi acolhido pela maioria absoluta da população, também deu início à construção de movimentos representativos das elites despojadas do poder. O mundo conhecera, em 1917, a mais profunda transformação do Estado Nacional desde o fim da Idade Média. Efetivamente, estava sendo construído o Estado sonhado pela Revolução Francesa e, de certo modo, pelo iluminismo. Mas as elites dirigentes não podiam aceitar esta transformação. O comunismo passou a significar tirania e opressão em todas as mídias, nos demais partidos políticos, nas religiões, e todas doutrinações ideológicas diversas do comunismo. 

Logo pareceu natural, aos opositores da democracia ampla e inclusiva do “varguismo”, a acusação de esquerdismo ou comunismo, aquele acolhimento de todos cidadãos pelo Estado Nacional Brasileiro. 

Lembremos que as forças armadas, no Império, pouco foram modificadas pelo advento da República. A Missão Francesa ainda estava fazendo o seu trabalho de profissionalização dos militares brasileiros. E os títulos de nobreza brasileiros acompanhavam os comandantes militares até meados do século XX. 

Porém havia um grupo de militares, mais interessados no desenvolvimento do Brasil do que em ideologias importadas; quer por questão de prioridade, quer porque reconheciam que as ideologias importadas não encontravam eco no povo brasileiro. 

Esta monocórdia acusação de comunismo, mesmo com o fim da União das Repúblicas Soviéticas (URSS), com o socialismo com características chinesas, mostrando que não é pensamento de exportação mas arraigado no modo de vida de grupo populacional, demonstra a falta de análise e a superficialidade publicitária dos militares, principalmente nesta era neoliberal. 

No amplo estudo que Edmundo Campos Coelho faz do “exército e a política na sociedade brasileira”, encontramos a seguinte análise: 

“Faltava aos militares qualquer concepção clara, seja do regime que haveria de substituir a Monarquia, seja do papel do Exército na sociedade pós-monárquica. Observando que na Constituinte o grupo mais ativo era o dos positivistas, ao qual aderiram em massa os oficiais “científicos”, observou Medeiros de Albuquerque que “a ignorância de quase todos sobre questões políticas mais elementares chegava a limites estupendos (…) o que eles sabiam (do regime presidencial) é que estava em antagonismo com o Regime Parlamentar detestado por Augusto Comte e que se aproximava mais do sistema ditatorial”. Quanto ao papel do Exército na sociedade, a mentalidade militar não superava os limites de vagas referências a uma missão regeneradora da sociedade civil” (Edmundo Campos Coelho, “Em Busca de Identidade”, Record, RJ, 1975). 

O General Alfredo Souto Malan (“A Missão Militar Francesa de Instrução junto ao Exército Brasileiro”, Biblioteca do Exército Editora, RJ, 1988) reflete que “somente o alto comando e alguns oficiais dos grandes estados maiores tem a verdadeira ocasião de praticar a arte da guerra e, mesmo assim, não há possibilidade de fazê-lo todos os dias”. E, na mesma publicação, “a sorte comum (…) até coronel, inclusive, resume-se no comando, isto é, no conhecimento do homem, na autoridade que se impõe, na ascendência necessária sobre a coletividade, sem o que não há disciplina, nem vitória”. 

Embora muito grave, a questão da formação acadêmica e da prática militar não esgotam os problemas das Forças Armadas, que devem possuir equipamentos e materiais bélicos, tecnologia para os desenvolver, e adestramento para os utilizar com perfeição. E tudo isso requer recursos que um País de tradição e índole pacífica, com imensos desníveis de renda e bens, só pode ver como inúteis e jamais como prioritários no Orçamento Público.  

DO ESTADO NOVO À INVASÃO NEOLIBERAL 

O Estado Novo permitiu a aceleração das transformações sociais no Brasil, mas deixou algumas mazelas que impediram a consolidação e até impulsionaram retrocessos. 

“A Constituição do Estado Novo, autoritária em suas disposições políticas, era nacionalista na ordem econômica que definia. A Revolução de 30 fora democrática no plano político e nacionalista no plano econômico” (José Augusto Ribeiro, “A Era Vargas”, Casa Jorge Editorial, RJ, 2001, volume 1). Porém, como assinala José Augusto Ribeiro, o nacionalismo já existia desde o Governo Provisório, quando Vargas decreta o Código de Minas (1934). 

Parte importante do êxito da Revolução de 1930 se deve ao então Tenente-Coronel, o alagoano Pedro Aurélio de Góis Monteiro, de quem se dizia a “boutade”: “já era general desde tenente”. Edmundo Campos Coelho assim descreve a personalidade de Góis Monteiro (obra citada): “dotado de grande percepção, insinuante e de fina inteligência, sabe apanhar a ocasião pelos cabelos, mascarar friamente seus verdadeiros intuitos com engenhosas abstrações, satisfazendo, as mais das vezes, exclusivamente, sua natureza de exibicionismo político. Não teme preconceito; lança mão, firme e cautelosamente, de todos recursos disponíveis. Une inimigos para que se engulam. Alia-se a um inimigo para a derrota de outro”. Embora sem comprovação, há evidências que Góis Monteiro só aderiu à Revolução de 1930 quando já iam adiantadas as articulações. 

Foi no entanto o homem forte do Movimento e a “doutrina e política militar” da época deve muito a ele. 

Cabem algumas palavras sobre a qualificação militar. Na obra coletiva, “Exército Brasileiro Perspectivas Interdisciplinares”, organizada por Fernando da Silva Rodrigues e Tássio Franchi (Mauad X, FAPERJ, RJ, 2022) se constata que nem os cursos no exterior nem a presença de missão estrangeira, nem a exposição a cenário de guerra, sob comando estadunidense, haviam sido assimilados pelos militares. Ficaram apenas preconceitos ideológicos, muitos oriundos da classe social, e a guerra fria interminável. 

Um marco na formação do Exército foi a criação da Real Academia Militar, ainda sob domínio português, em 1810. Após a Guerra contra o Paraguai, travou-se a disputa sobre o que deveria ser ensinado na formação militar. Leonardo Trevisan (“Obsessões patrióticas: origens e projetos de duas escolas de pensamento político do Exército Brasileiro”, Biblioteca do Exército, RJ, 2011) aponta o “cientificismo”, baseado no positivismo, e o “anticientificismo”, com foco na preparação para guerra. Esta discussão prosseguiu até 1889, com a República. Aqueles que centravam o ensino nas “coisas da guerra”, consideravam importante o preparo para lutas em locais e com equipamentos não conhecidos, o que levou à importação, em 1872, de fuzis e canhões fabricados na Alemanha. 

Criada em 1855, a Escola da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, deveria ensinar a ser soldado, manejar armas, marchar, acampar e lutar corpo a corpo. 

Com o tempo, houve distinção entre os militares que estudavam nas escolas militares dos oficiais que apenas recebiam adestramento, ascendendo pelo tempo na carreira militar. Os formados sabiam ler manuais em francês, dispensando a tradução nos cursos de formação. João Batista Magalhães, em “A Evolução Militar no Brasil” (Biblioteca do Exército, RJ, 1998) escreve: 

“entre os primeiros, orgulhosos de sua superioridade cultural, poucos eram os que não relegavam para o segundo plano os estudos de caráter tipicamente profissional e muitos os que prezavam mais as comissões estranhas ao profissionalismo que as militares, e os seus títulos científicos que os da carreira”. Os formados na rotina, por seu turno, tinham desprezo pelos que não consideravam “bons soldados”. 

Em 2019, de acordo com Regiane Aparecida Pontes Botelho Nogueira e Patrick Danza Greco (“A Profissionalização do Exército na Primeira República: A Construção do Ensino Secundário Militar (1849-1911)”, in Exército Brasileiro Perspectivas Interdisciplinares, citado), havia catorze “colégios militares”, espalhados pelo Brasil, de Manaus a Santa Maria (RS). 

Na década de 1970 ocorre a invasão da ideologia neoliberal, começando inteligentemente, numa profissão que coloca a hierarquia como valor absoluto, nas Escolas de Comando e Estado Maior (ECEM) das três forças. A partir de então, esta ideologia vai se entranhando por gravidade nos cursos militares, apagando o nacionalismo dos formandos até a primeira metade do século XX.  

“Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer”, inscrição no alto do pavilhão do refeitório da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). 

Fábio Facchinetti Freire e Andrea Carvalho de Castro Albuquerque (“Entre a Reprodução e a Autonomia: As Tensões na Implantação do Ensino por Competências”, in Exército Brasileiro Perspectivas Interdisciplinares, citado) tratando dos debates que desaguaram na Constituição de 1988, entendem que havia a perspectiva do acesso universal ao ensino médio e, pela via privada, a “explosão ao ensino superior”. Também resumem, a partir de documentos do Estado-Maior do Exército, a política educacional, formadora da: 

“- crença e compromisso com os valores centrais da instituição; 

– atitudes que denotem criatividade, iniciativa, decisão, adaptabilidade, cooperação, arrojo, flexibilidade e liderança; 

– habilidades interpessoais que facilitem sua interação com indivíduos e grupos; 

– senso de responsabilidade pelo autoaperfeiçoamento; 

– habilidades cognitivas, nos níveis de compreensão, reflexão crítica e aplicação de ideias criativas; 

– domínio de idiomas estrangeiros; 

– habilidades para fazer uso dos recursos de informática”.  

Todos estes tópicos são encontrados em cursos de formação de gerência empresarial, nos diversos níveis, em treinamento para profissionais que tratem com públicos, até em seminários religiosos. É a forma de abrigar a ideologia neoliberal como um pensamento moderno, democrático e de valorização da pessoa individual, não do homem coletivo, membro da sociedade. Também cursos de controle de qualidade e de organização de instituições, no avanço da ideia da globalização, importante segmento da ideologia neoliberal, abrigam mesmo perfil. 

A situação atual nas FFAA é consequência direta deste modelo doutrinário e da pouca profundidade do anterior ensino militar. 

OS NOVOS “TRAPALHÕES”: CID, JAIR, TORRES E ARRUDA – 3.   

Dentro do tumulto e, mesmo, das possíveis contradições, que caracterizavam o ambiente de apreensões e incertezas, imediatamente anterior ao 29 de outubro de 1945 – o historiador que houver de fixar, no futuro, esse episódio de nossa vida política e militar, deverá considerar os três seguintes fatos, predominantes no seu processo acidentado: 1) a vontade determinada, de elementos das Forças Armadas Nacionais, de resgatar sua responsabilidade, comprometida, por ação ou omissão, no golpe de estado de 10 de novembro de 1937 – garantindo, depois da guerra, à nação, uma oportunidade de reexaminar e escolher, livremente, os seus rumos políticos e eleger, sem constrangimentos, em pleito limpo, os seus mandatários. 2) a espontânea deliberação tomada pelos chefes militares de assumirem, honradamente, naquelas difíceis circunstâncias, as responsabilidades de comando, que lhes cabiam, evitando uma subversão hierárquica, de consequências imprevisíveis. 3) O consenso, quase unânime, desses chefes militares, de manterem alheadas as Forças Armadas, como classe, das competições eleitorais, em foco, entregando o poder a magistrados, a fim de melhor poder harmonizá-las, em seu conjunto, e dentro de cada um dos seus ramos integrantes – Exército, Marinha e Aeronáutica”. Marechal Juarez Távora, “Uma vida e muitas lutas”, 1974. 

3ª Parte: Domínio estadunidense nas FFAA 

Todo esforço empreendido pelo Exército e pelos governos, desde a Proclamação da República até o golpe de 1945, para dotar o Brasil de Forças Armadas institucionalmente constituídas, com objetivos nacionais, colaboradoras no desenvolvimento e preparadas para defesa nacional, foi desmoronado pelo projeto de poder dos Estados Unidos da América (EUA). 

Após a II Grande Guerra, os EUA impôs sua hegemonia ao mundo ocidental e oriental, com Tratados de Assistência Recíproca e políticas econômicas que significaram a intromissão na autonomia de todos países signatários. Onde surgiam manifestações antagônicas, os órgãos de espionagem e de assistência a golpes de estado (CIA e NSA, além de Secretarias de Estado) atuavam para destituir os governantes e até as formas de governo. 

A história dos EUA já é fabular, divulgada por “Hollywood” e romancistas ao invés de pesquisas históricas. Começa pelos “pilgrims fathers” (pais peregrinos), que teriam sido os ingleses protestantes a emigrarem para a América do Norte e lá fundarem as primeiras colônias, dando origem aos EUA. Na realidade, o território hoje ocupado pelos EUA foi invadido ou doado a europeus de diversas nacionalidades: irlandeses, suecos, holandeses, franceses, escoceses, espanhóis, além dos ingleses e de africanos, estes trazidos para serem escravos, como em todas as Américas. E, também em comum com a ocorrência no Continente, as populações originárias foram objeto do maior genocídio da história do mundo. 

Herbert Aptheker (“Uma nova história dos Estados Unidos: a Era Colonial”, original de 1959, traduzido por Maurício Pedreira para Civilização Brasileira, RJ, 1967) afirma que “a fundação das colônias que vieram a constituir os Estados Unidos foi uma consequência do aparecimento do capitalismo na Europa”. E acrescenta que “as características principais de seu desenvolvimento foram a ação de cercar terras, que resultou, entre outros fatores, na dispersão de dezenas de milhares de camponeses, na pilhagem da África, na escravização dos habitantes originais (das Américas e África) e na colonização do hemisfério ocidental para a exploração sistemática e continuada”. 

Nos países onde o feudalismo demorou a ser substituído pelo capitalismo, como Portugal e Espanha, a função “colonizadora” coube ao Estado, porém, onde o capitalismo mais avançara, como Inglaterra e Holanda, além do Estado, as iniciativas particulares também participaram das invasões, umas por concessões do Estado (as fracassadas Capitanias Hereditárias no Brasil), outras por aventura ou procura de vida melhor. 

Aptheker também aponta que “o processo pelo qual o feudalismo foi destruído resultou no afastamento da terra de milhares de servos e arrendatários. Esse desarraigamento criou a pobreza cruel, o desemprego generalizado e a vadiagem maciça”. Os ricos e os proprietários, em geral, favoreceram o transplante desta população para o Mundo Novo, com duplo objetivo de segurança na Europa e de obtenção de ganhos com os produtos importados. 

As colônias estadunidenses foram sendo formadas por nacionais de diversos países e em diferentes anos. A primeira foi Virgínia (1624), com ingleses, escoceses e irlandeses, depois vieram New Hampshire (1629), com ingleses e alemães, Maryland (1623), com ingleses, escoceses e irlandeses, Connecticut (1662), com holandeses e ingleses, Rhode Island (1663), com ingleses, holandeses e alemães, Nova Iorque (1664), com ingleses e holandeses, Nova Jersei (1664), com ingleses e alemães, Pensilvânia (1681), com ingleses, alemães, escoceses e irlandeses, Delaware (1682), com ingleses, e Massachusetts (1691), com ingleses e holandeses. As três restantes foram constituídas no século XVIII. Deve ser notado que já na Virgínia e Maryland, e principalmente nas três últimas, a mão de obra escrava africana constituía parcela significativa da população. 

Conquistada a Independência (04/07/1776), após luta com a participação das 13 colônias, tratou-se de elaborar a Constituição que garantisse a autonomia de cada colônia, tendo em vista a diversidade das populações, e interesses distintos, de grupos e até pessoais. A Constituição, como descreve Charles L. Mee, Jr (“A História da Constituição Americana”, original de 1987, traduzido por Octávio A. Velho para Expressão e Cultura, RJ, 1993), foi concluída em 17 de setembro de 1787, Com exceção de Rhode Island, que só aceitou firmá-la em 1790, os delegados estavam assim distribuídos: Carolina do Norte, cinco; Carolina do Sul, quatro; Connecticut, três; Delaware, cinco; Geórgia, quatro; Maryland, cinco; Massachusetts, quatro; Nova Hampshire, dois; Nova Iorque, três; Nova Jersei, cinco; Pensilvânia, oito; e Virgínia, sete.  

Como escreve Charles Lee: “em maio de 1787, algumas dezenas de delegados, todos homens, todos brancos, todos membros de boa reputação na política estadunidense, todos homens de posse – donos de escravos e de plantações, fazendeiros, negociantes, advogados, banqueiros e armadores de navios – reuniram-se para redigir a Constituição”. “Ao término da Convenção, nenhum dos delegados, nem um sequer, estava inteiramente satisfeito com o que haviam elaborado”. Porém, ao longo de 235 anos, apenas 27 emendas foram incorporadas ao texto constitucional. 

Promulgou-se uma constituição, acima de tudo, plutocrata, ainda que aberta a representações diversas, preservada a liberdade de religião e de imprensa, e de todos que pudessem pagar pelas suas manifestações. A maior garantia estava na disposição dos bens, os homens que a redigiram não estavam dispostos a conceder vantagens e direitos a quem não os podia pagar. E os privilegiados representantes deram a esta condição o nome democracia. 

As tradições nacionais estadunidenses surgiram no século XIX, após a Guerra da Civil, a Guerra da Secessão, entre 12 de abril de 1861 e 9 de abril de 1865. “A metamorfose dos EUA num período pouco maior do que um século, de 1865 aos nossos dias”, escreve Pierre Melandri (“Histoire des États-Unis depuis 1865” Nathan, Paris, 1984), “é um fenômeno impressionante. Pequena república, ainda povoada, no fim da guerra civil, por maioria de camponeses, a nação estadunidense surge hoje como a mais avançada das pós-industriais. Terra do individualismo, representam o máximo da concentração econômica e financeira, onde dois terços dos ativos industriais pertencem a duzentas empresas, a maioria controlada por bancos” (tradução livre). 

Em 1965, o senador democrata pelo Estado do Tennessee, Estes Kefauver, publicou o livro “Em poucas mãos O poder do monopólio na América do Norte” (tradução de Roberto Pontual para Civilização Brasileira, RJ, 1967), onde se lê: “a problemática da política pública no domínio do monopólio privado é realmente aguda. Um número crescente de importantes indústrias em nossa economia adquiriu e continua adquirindo imunidade, junto às forças do mercado”.  

Kefauver, que presidiu de 1957 a 1963 a subcomissão do Senado estadunidense Contra o Truste e o Monopólio, acumulou documentos, alguns altamente secretos, que o levou a temer pela democracia, onde o poder econômico se concentrava em cada vez menor quantidade de mãos. No citado livro, ele transcreve observação do professor J. Kottke no Senado dos EUA: “nas últimas décadas, emergiu um novo problema: consequências semelhantes às do monopólio (algumas vezes piores) surgem mercados supridos por poucas firmas. Os preços são fixados em níveis elevados e assim mantidos mesmo em recessões. E tribunais e Comissão Federal tem demonstrado pouca rapidez no discernimento dessas ações”. 

Obviamente antes da década de 1990, seria difícil acusar diretamente de suborno, chantagem e corrupção, típicas atitudes neoliberais, quando esta ideologia ainda não se fazia conhecer, senão na capa de liberdade, democracia e razões dos mercados. 

E O COMUNISMO? 

Quem não pensa como nós, não professa a mesma religião, é herege. E a estes heréticos, a fogueira. O Brasil sofreu a intempestiva ação da minoria comunista em 1935. Outra minoria, a integralista, seguidora do fascismo italiano, também não teve sucesso, mas a opinião pública se concentrou nos comunistas, e este evento inteiramente despropositado, demonstrando que os militares comunistas também eram tão despreparados quanto os demais, foram abundantemente atacado e sempre lembrados por toda história. 

O que ocorria era o poder, que há três anos tentara reverter as conquistas da Revolução de 1930, com financiamento inglês e apoio latifundiário paulista, viu, na “ameaça comunista”, o modo de fustigar o governo, que respondeu com a Constituição de 1937 e o Estado Novo. 

É significativo o preâmbulo da Constituição de 1937. 

“Atendendo às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação (descomedimento), de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; 

Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; 

Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo”. 

Porém os comunistas, com partido colocado na ilegalidade, com seus membros ou simpatizantes perseguidos, especialmente no período de 1964 a 1985, dos governos militares, tornaram-se cada vez mais irrelevantes na política brasileira. Na Constituinte de 1988, apenas um era declarado comunista, e de partido dissidente, o PC do B. Este parlamentar, posteriormente, apoiou as medidas neoliberais dos governos eleitos com base na Constituição. 

Comunistas, com ação política no Brasil, não conseguem estar minimamente representados nas assembleias e câmaras. É a bruxa malfada ou o fantasma que assombra as crianças, tal sua mínima capacidade de obter vitórias pelas vias legais ou por quaisquer outras. 

Mas é um mote, deixado pelos anos de domínio dos Estados Unidos da América na formação dos soldados, oficiais e todos membros das FFAA. 

Porém ter esta crítica obrigaria os militares a justificar ações, o que eles não conseguem, e perder o apoio do patronato. 

CID, JAIR, TORRES E ARRUDA; OS NOVOS “TRAPALHÕES” – 4.   

O homem, como produto da natureza, não existe: é a educação que o forma. Ele só pode subsistir adaptado ao meio; mas a importante adaptação refere-se ao meio moral-social, adaptação que resulta exclusivamente da educação. É a educação que socializa o homem. E ela se torna, cada vez mais, uma função da vida social. Referimo-nos, explicitamente, à sociedade-nação, representada no Estado como fórmula ativa dos direitos da coletividade. Então impõe-se a conclusão: educar não é somente o dever correlato do direito que tem a criança a ser levada à plena condição de homem; mas o interesse social-nacional de melhorarem-se as unidades, a fim de elevar-se o nível da nação” Manoel Bomfim, “O Brasil Nação Realidade da Soberania Brasileira”, 1931. 

4ª Parte: Retornar às aulas para entender o Brasil 

À influência alienígena dos estadunidenses passamos a receber, a partir da década de 1970, a desinformação neoliberal. De colônia dos Estados Unidos da América (EUA) passamos a colônia do indeterminado sistema financeiro apátrida, autodenominado global. 

Vê-se entrar nas Escolas Militares, do preparo para o comando às instruções básicas profissionais, personalidades, glorificadas pelas mídias como pensadores, intelectuais, brasileiros e estrangeiros, imaculados homens e mulheres, apenas por serem apóstolos do Consenso de Washington. 

E quem não professasse imediatamente o credo não era capaz de realizar coisa alguma, transformava-se em pária, que, como escravos nos primeiros quatro séculos de existência de Nação, poderiam, simplesmente, desaparecer, sem que isso causasse o menor constrangimento, a mais ingênua questão sobre seus destinos. 

No período da influência estadunidense, os militares brasileiros recebiam, em português, a “Military Review”, que trazia no subtítulo “Publicação Profissional do Exército dos EUA”. 

Tomada ao acaso, entre diversos exemplares da “Military Review” (nº 5, volume XLVII, maio de 1967), o artigo “Ensino nas Academias”, assinado por Richard de Neufville, Oficial da Reserva do Exército dos EUA, professor no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), encontra-se: “O que podem e devem as academias fazer para permanecerem entre as melhores escolas nacionais? Este problema é particularmente urgente devido às revolucionárias modificações nas disciplinas científicas; o desenvolvimento da análise de sistemas, com as suas inúmeras implicações, e a rápida obsolescência do preparo técnico em todas espécies. As academias militares são indubitavelmente sui generis, devido a sua missão especial”. 

Nestas três frases estão sendo passadas a diferenciação dos militares da população do País, a excelência do ensino militar estadunidense e sua constante atualização, que o Brasil não poderia dispensar. 

Ilustra a matéria a foto de um militar operando computador com a legenda que desde 1950 assim se preparavam em West Point. No Brasil, na década seguinte, os computadores, de segunda geração, a válvulas, eram tão poucos que se relacionavam um a um, na coluna “Processamento de Dados”, do jornal carioca “Correio da Manhã”, única na América do Sul sobre informática. 

A ideologia neoliberal entrou nas FFAA, como nas mídias e nas mentes brasileiras, como resposta ao comunismo. A guerra fria dividia o mundo em dois blocos e não aceitava qualquer Terceira Via, como se viu nas consequências da Conferência de Bandung (Indonésia, abril de 1955). 

O neoliberalismo se apresentava como democrático, de possibilidades para todos que se dispusessem a “empreender”, e aceitassem as condições competitivas do mercado. Um conjunto de falácias que não admitia contestação, embora a realidade, mostrada até no Senado dos EUA, fosse muito diferente. 

O século XIX foi dominado pelas finanças inglesas, superadas pela industrialização dos EUA, que, após a Guerra da Secessão, foi formando conglomerados industriais e, após as duas Grandes Guerras do século XX, ganhou o poder, dentro e fora do País. Mas a concentração é um fenômeno do capitalismo que acumula poderes técnicos, econômicos e políticos. Vejam-se os “Konzerns” germânicos, os “Zaïbatsus” nipônicos, e os trustes, cartéis, oligopólios e monopólios por todo mundo. 

Dados de 1974 apontam que a indústria química estava concentrada em dez empresas; seis empresas estadunidenses e uma anglo-holandesa representavam quase todo petróleo comercializado no planeta, o mesmo nível concentração era encontrado na indústria automobilística, siderúrgica e de extração mineral. 

Ao fim desta segunda década do século XXI, com trinta anos de domínio financeiro, são os gestores de ativos que comandam toda economia mundial. Os cinco maiores gestores de ativos ou de fundos no mundo (BlackRock, Vanguard, Fidelity, State Street, Morgan Stanley) concentram mais de US$ 30 trilhões, superior à soma do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA com o da República Popular da China (RPCh).  

Com a epidemia do covid-19, fabricado em laboratório, arma de guerra das finanças neoliberais, fizemos o levantamento dos principais acionistas das cinco maiores empresas farmacêuticas atuais. São: 

1 – Johnson & Johnson: Vanguard, State Street, BlackRock, Geode e Northern Trust; 

2 – Pfizer: Frank A. D’amelio, John Young e Mikael Dilsen, Vanguard, BlackRock e State Street; 

3 – Roche: Fidelity, Yorkville, R.E. Dickinson, Sierra Capital e BCI (Banco Comercial de Investimentos) Asset Management; 

4 – AbbVie: Vanguard, BlackRock, State Street, Capital R&M e JP Morgan e 

5 – Novartis: Dodge & Cox, Prime Capital, Loomis, Saylis & Co., Fisher, Franklin Mutual. 

Ainda há dúvida quem detém o poder, especialmente no mundo unipolar do ocidente? Por que então militares declaram ter medo do perigo comunista? 

Porque hoje, o comunismo é o gaulês dos romanos, o herege medieval para igreja católica, o judeu ou cigano na Alemanha Nazista, o pobre, preto e desvalido no Brasil de sempre; nenhuma ameaça, mas tremendo desconforto aos que usufruem de condições privilegiadas. Delenda esse! 

OS DESAFIOS NO SÉCULO XXI 

Em novembro de 1972, “A Nova Revista dos Dois Mundos”, publicada na França, editou um número sobre a América Latina (Regards sur L’Amérique Latine) no qual colaborou, na qualidade de Embaixador do Brasil na França, o general Aurélio de Lyra Tavares, com artigo de título “A Integração Nacional”. Nele encontramos o seguinte parágrafo: “A grande e contínua transformação do novo Brasil é um fenômeno que se desenvolve desde que, em 1964, a nação conseguiu sair do caos tomando consciência de seus graves problemas, sendo o mais urgente o da terrível inflação monetária” (tradução livre).  

Vejamos a história. Em 1972, governava o Brasil o general Emílio Médici. Foi período de grande crescimento econômico (Milagre Brasileiro) e iniciativas na área social, que destacamos o PRORURAL e o INCRA, e as empresas EMBRAPA, INFRAERO, TELEBRAS, EMBRAER, ITAIPU BINACIONAL, DATAPREV, além de programas de desenvolvimento regional. Na área educacional, criou o MOBRAL, o Projeto Rondon e a inclusão nos currículos escolares das disciplinas Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política. 

Por que o general e embaixador Lyra Tavares, após dar destaque ao combate à inflação, como se obras como Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, expansão do mar territorial a 200 milhas não representassem encargos financeiros ao Brasil, passa a discorrer sobre literatura, música, pintura, arquitetura? Nenhuma palavra sobre a criação de empresas e instituições que dariam suporte ao desenvolvimento nacional? 

E por que Médici e Geisel são principalmente referidos pelas indesculpáveis torturas praticadas em quarteis e delegacias, com morte de presos, sem culpa formada em juízo? 

Vê-se a confusão que um militar graduado tem na cabeça. E por que? 

Houve e continua existindo na formação dos militares brasileiros, muita ideologia estrangeira e pouco conhecimento do Brasil. Quando no Império, colônia inglesa, aceitávamos acriticamente o que vinha da Europa, após o interregno nacionalista dos governos Varga, voltamos a ter doutrinação alienígena, desta vez anticomunista e pró-estadunidense. Agora, desde a divulgação do decálogo Consenso de Washington, alienando tudo que for nacional para capitais apátridas, como se uma entidade que tem dono, sempre teve, como já vimos, que é o mercado, agisse com mágicas. 

Tomemos mais um caso real. A refinaria, símbolo da capacitação da Petrobrás, primeira a ser construída, foi a RLAM – Refinaria Landulfo Alves Mataripe, homenageando o Senador baiano. Foi vendida para fundo de investimento dos Emirados Árabes Unidos (Abu Dhabi), Mubadala Capital, por US$ 1,8 bilhões, valor já corrigido. 

No formato das refinarias, projetado pela Petrobrás, para otimizar os custos de distribuição e transporte, cada uma atendia determinada região do Brasil. Como eram, todas elas, órgãos operacionais do Departamento Industrial da Petrobrás, nunca houve razão para serem alienadas, cada uma detinha um monopólio regional de fornecimento de derivados. Eventuais paradas para manutenção ou quaisquer problemas nos processamentos, o Departamento determinava transferências e medidas adequadas. Jamais houve falta. 

Mas a atual Refinaria de Mataripe, recebeu um monopólio sem precisar se responsabilizar pelo atendimento aos consumidores. Resultado, os nordestinos, especialmente os baianos, pagam os mais caros derivados do Brasil e as embarcações que atendiam o comércio nas ilhas e localidades da Baia de Todos os Santos, estão paralisadas porque a Mubadala, otimizando seus ganhos, deixou de produzir bunker, combustível para atender as embarcações, aumentando a produção de diesel, gasolina e gás, produtos mais caros. 

Mas as FFAA não se pronunciaram, os seguidores dos mais de quatro mil militares, que ocuparam cargos civis no governo Bolsonaro, não pensaram como ficará o Brasil com as Mubadalas no comando da produção nacional de derivados do petróleo. Mas a família (que família, a neopentecostal?) está livre do perigo comunista (sic). 

Mas estariam os brasileiros livres dos neoliberais que estão destruindo a Nação? 

Torna-se imperativo colocar os militares de todas as patentes em sala de aula. Primeiro, como já propunha o presidente Médici, para estudar profundamente o Brasil. Entender o que se passou e porque ocorreu cada fato de nossa história. Que forças o impulsionaram, quem foi o beneficiado e o prejudicado, mas sem questões ideológicas ou partidárias. Eram brasileiros ou estrangeiros? Pessoas físicas ou jurídicas? 

Depois de conhecer muito bem o Brasil, estudar a Teoria do Poder. Quem está efetivamente mandando? Quem fazia o embaixador e general Lyra Tavares se expor com artigos como aquele em “La Nouvelle Revue des Deux Mondes”? 

E tendo sido aprovado em conhecimentos do Brasil e na Teoria do Poder, dedicar-se ao estudo: de tema muito importante para um oficial de Estado Maior, a geopolítica, e das tecnologias da informação, aeroespaciais, das energias para colaborar no desenvolvimento soberano, efetivamente autônomo, do Brasil. 

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pertenceu ao Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), é atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.  

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