Com Temer no poder, governo, Congresso, PMDB, integrantes do Judiciário, grupos anti-PT e donos da mídia se movem em direção que indica tentativa de “delimitar” a operação
por Redação — Carta Capital
Graças à maior especialização dos investigadores e à criação de estruturas para as apurações, e também a uma intensa pressão da opinião pública, e publicada, a Lava Jato avançou. Com suas mega operações e também inúmeros vazamentos, além de ilegalidades como a divulgação dos áudios entre Lula e Dilma Rousseff, teve papel decisivo na derrubada do governo petista.
Na gênese da ação para remover Dilma estava também uma estratégia para acabar com a operação. Isso ficou claro no diálogo vazado e publicado em maio pela Folha de S.Paulo entre Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras), e o atual líder do governo Michel Temer no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Jucá – Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. […] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. . Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
Machado – É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
Jucá – Com o Supremo, com tudo.
Machado – Com tudo, aí parava tudo.
Jucá – É. Delimitava onde está, pronto.
A existência dessa estratégia foi confirmada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na denúncia em que pediu a abertura de um inquérito criminal contra o ex-presidente José Sarney (PMDB), os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL) e Sérgio Machado, Janot afirmou que a formação do governo Temer visava proteger a organização criminosa investigada na Lava Jato. Segundo o PGR, as nomeações de Jucá, Sarney Filho e Fabiano Silveira para o ministério de Temer tinham o objetivo de criar “ampla base de apoio” para conter a Lava Jato.
Neste contexto, as duas primeiras semanas de fevereiro concentraram 14 atos que revelam uma movimentação para “estancar a sangria” provocada pelas investigações.
Confira a lista:
Eunício na presidênciado Senado – 1º de fevereiro
A base aliada do governo Temer se juntou para colocar no comando do Senado um alvo da Lava Jato, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Apelidado de “Índio” por um delator da Odebrecht, Eunício foi apontado como integrante do “núcleo dominante” do PMDB no Senado. Ainda segundo o delator, Eunício teria atuado em favor da Odebrecht no Senado em emendas benéficas à empresa. No cargo, Eunício terá papel determinante na análise de legislações que podem tolher as investigações, como a lei de abuso de autoridade ou a anistia ao caixa 2.
Maia na presidência da Câmara – 2 de fevereiro
Um dia depois de Eunício Oliveira ser eleito no Senado, a Câmara também confirmou sua intenção de ser comandada por um alvo da Lava Jato. “Botafogo” na delação da Odebrecht, Maia foi acusado de ter recebido dinheiro para defender os interesses da construtora, assim como de favorecer a OAS, outra empreiteira. Da mesma forma como Eunício, Maia tem peso relevante no futuro de projetos que podem afetar a Lava Jato. No ano passado, por exemplo, ele foi apontado como um dos articuladores do “golpe da madrugada”, um acordão em favor da anistia ao caixa 2.
Moreira Franco no ministério – 2 de fevereiro
No início de fevereiro, o então secretário-executivo do Programa de Parcerias em Investimentos (PPI) do governo foi promovido a ministro da Secretaria Geral da Presidência, ministério recriado por Temer para abrigar Moreira Franco. A nomeação, que se deu três dias depois de o STF homologar as delações da Obebrecht, foi vista como uma forma de proteger Moreira do juízo de Sergio Moro, responsável por julgar a Lava Jato em primeira instância. Ao contrário do que ocorreu quando Lula estava na mesma situação, o STF autorizou a nomeação de Moreira.
Temer indica Moraes ao STF – 6 de fevereiro
No início do mês, Temer decidiu indicar seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para o Supremo Tribunal Federal. A nomeação chamou atenção porque Moraes, homem de confiança de Temer, pode vir a ser responsável por julgá-lo caso o atual ocupante do Planalto seja denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Apenas em uma delação da Odebrecht no âmbito da Lava Jato, Temer foi citado 43 vezes.
Gilmar Mendes critica Moro – 7 de fevereiro
Crítico conhecido de Sergio Moro, o ministro do STF Gilmar Mendes pouco falou sobre as decisões do magistrado enquanto a Lava Jato tinha o PT e o governo Dilma Rousseff na mira. No retorno do recesso de 2017, o amigo de Temer voltou à carga e passou a criticar as prisões decretadas por Moro, vistas pelos defensores da operação como importantes para o avanço das investigações.
“Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre este tema que conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo desses anos”, disse Mendes. Em despacho publicado três dias depois, Moro afirmou, sem citar Gilmar, que não vai ceder “à pressão política”.
Articulação pró-Cunha – 8 de fevereiro
Potencial delator, o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB) está preso desde outubro, por uma decisão de Sergio Moro que foi referenda pelo antigo relator da Lava Jato no STF, Teori Zavascki. Um recurso da defesa de Cunha está no STF, mas foi retirado da Segunda Turma, responsável pela Lava Jato, por Teori, que temia uma articulação pró-Cunha.
O exame do caso pelo STF estava pautado para 8 de fevereiro, data mantida por Edson Fachin, o novo relator da Lava Jato. Fachin chegou a dizer que o caso seria examinado pelo plenário naquela data, mas a sessão foi encerrada sem que o tema fosse discutido.
Edison Lobão na CCJ – 9 de fevereiro
Como a maior bancada do Senado, o PMDB tinha o direito de indicar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o mais importante e estratégico colegiado da Casa. O nome escolhido pelo partido foi o de Edison Lobão (MA), objeto de dois inquéritos e duas investigações da Lava Jato. A escolha de um alvo dos procuradores para atuar na linha de frente do Senado foi entendida como uma tentativa de dar proeminência a ele para enfrentar a Lava Jato.
Investigados na CCJ – 9 de fevereiro
Assim como a presença de Lobão na presidência da CCJ, as nomeações dos senadores para compor o colegiado provocaram questões sobre a motivação das indicações. Dez integrantes da comissão são alvo da Lava Jato e poderão votar a indicação de Alexandre de Moraes para o STF.
“Estadão” contra Dallagnol – 9 de fevereiro
Os editoriais do jornal O Estado de S.Paulo mostram que os donos do veículos são atualmente os mais alinhados à administração de Michel Temer. Na mesma semana, a publicação fez dois artigos atacando o procurador do MPF Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Nos textos, o jornal acusou Dallagnol de defender um “direito autoritário, próprio das tiranias” e a “relativização do direito de defesa”, preocupações que não manifestava quando Dilma estava no poder.
Como se sabe, a imprensa teve um papel relevante para galvanizar o discurso anticorrupção contra Dilma e o recuo nessa posição poderia ajudar Temer, assim como prejudicar a Lava Jato, que deposita muitas esperanças na opinião pública.
CCJ contra Janot – 10 de fevereiro
Duas das tarefas da CCJ do Senado são sabatinar e aprovar, ou não, a indicação do Palácio do Planalto para a Procuradoria-Geral da República. Reconduzido ao cargo por Dilma em 2015, contra a pressão do PMDB, Rodrigo Janot está em seu segundo mandato, que acaba em setembro.
Ele poderia ser reconduzido por Temer, se este assim desejasse, mas deve enfrentar restrições na CCJ, onde estão muitos alvos da Lava Jato. Segundo publicou a Coluna do Estadão, “partidos atingidos pela Lava Jato” já iniciaram as tratativas para bloquear um eventual terceiro mandato de Janot ou a escolha de alguém próximo a ele.
Lobão defende anistia e critica delações – 11 de fevereiro
Em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, Edison Lobão criticou a Operação Lava Jato. Para o presidente da CCJ do Senado, a anistia ao caixa 2, vista como golpe de morte na Lava Jato, é constitucional, e pediu mudanças na legislação que trata das delações premiadas, defendendo que só sejam admitidas se o delator estiver solto. Para Lobão, a Lava Jato “virou um inquérito universal” que pode levar o Brasil à “tirania”.
Leandro Daiello fora da Polícia Federal? – 12 de fevereiro
Leandro Daiello é o diretor da Polícia Federal desde 2011, quando foi nomeado por José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça de Dilma Rousseff. Há muito tempo no cargo, colecionou desafetos na PF, em especial entre os delegados. Na sexta-feira 10, uma assembleia da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) aprovou o envio de um carta a Temer pedindo a cabeça de Daiello. Em 12 de fevereiro, a carta foi enviada.
A ADPF alega que Daiello estaria prejudicando as investigações da Lava Jato, ao promover mudança na força-tarefa da operação, mas os integrantes da PF que atuam na força-tarefa rechaçam essa impressão e atribuem a Daiello apoio fundamental na continuidade das investigações. Temer vai nomear um novo ministro da Justiça para o lugar de Daiello e a pressão da ADPF pode ser alavanca para retirar do cargo o diretor da PF.
O silêncio das ruas – 13 de fevereiro
Na segunda-feira 13, vários dos movimentos que foram às ruas contra o PT anunciaram um novo protesto para 26 de março. A divergência de pauta entre eles na nova convocação evidencia, entretanto, que a única motivação em comum desses grupos eram o antipetismo. O Vem Pra Rua tem feito postagens nas redes sociais contra a nomeação de Moreira Franco, mas o Movimento Brasil Livre (MBL), que é aliado do governo Temer, vai para as ruas defendendo as reformas trabalhista e previdenciária , as duas principais pautas legislativas do Planalto.
Temer protege os investigados do governo – 13 de fevereiro
Na segunda-feira 13, Temer fez um pronunciamento cujo objetivo declarado era prometer que não iria interferir na Lava Jato. Como argumento para tanto, disse que ministros denunciados seriam afastados provisoriamente e ministros tornados réus seriam demitidos. Na prática, Temer deu um salvo-conduto para que os ministros citados em delações premiadas continuem trabalhando, em uma tentativa de blindar seu governo contra os vazamentos das investigações.