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sexta-feira, 29 março, 2024

Operação Akuanduba: “lawfare” contra soberania nacional na Amazônia 

Por Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino

A Operação Akuanduba, desfechada pela Polícia Federal (PF), sob forte influência da embaixada dos EUA em Brasília, motivada por suspeitas de exportação ilegal de madeira, integra uma investida contra a política ambiental do Governo Bolsonaro, o primeiro desde a década de 1980 a se opor frontalmente ao aparato ambientalista-indigenista internacional. O objetivo é mantê-lo na defensiva e incapaz de formular ações propositivas para reverter o déficit de soberania nacional na região amazônica, em meio às crescentes pressões internacionais, especialmente dos EUA, para enquadrar o Brasil na agenda ambiental e climática do presidente Joe Biden.

Com ela, o que até agora vinha sendo executado por um exército de ONGs a serviço de uma agenda ditada e financiada por grupos oligárquicos internacionais e por governos das principais potências da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entra agora no campo da chamada “lawfare” (guerra jurídica), instrumentalização das leis estadunidenses como arma política contra alvos específicos da agenda hegemônica de Washington.

Assim, não admira que a operação tenha sido celebrada por ambientalistas como a ex-ministra Mariana Silva, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e o jornalista Fernando Gabeira, entre outros, que agora pedem à União Europeia intervenções semelhantes.

Os alvos escolhidos da operação de 19 de maio foram o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, altos funcionários do ministério e empresários do setor madeireiro amazônico, com ações de busca e apreensão e levantamentos de sigilos bancários e fiscais, inclusive de Salles, divulgadas com uma retumbante exposição midiática, padrão das operações da PF nos últimos anos. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a operação, foram afastados dez funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), inclusive o presidente do órgão, Eduardo Bim.

Independentemente dos desdobramentos do caso e sem fazer qualquer juízo de valor antecipado, o que está em jogo transcende o mero cumprimento de leis brasileiras e estadunidenses, com os indícios apontando para uma combinação da agenda hegemônica de Washington e interesses corporativos e políticos internos com motivações próprias.

Na investida, observa-se um padrão de ações já visto na Operação Lava-Jato, de contatos diretos entre funcionários estadunidenses e brasileiros à margem dos canais e protocolos diplomáticos, como no caso da interação entre a embaixada estadunidense e a PF, ressaltada, inclusive, na petição do ministro Alexandre de Moraes.

O imbróglio teve início em janeiro de 2020, com a apreensão pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA (FWS) de três contêineres de madeira brasileira no porto de Savannah, exportados pela empresa Tradelink Madeiras Ltda., sem o licenciamento de exportação específico do Ibama. A partir daí, o adido do FWS em Brasília, Bryan Landry, estabeleceu uma série de contatos com o Ibama e, posteriormente, a PF, afirmando ter “preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto (por) representantes da Tradelink e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica” (CNN Brasil, 19/05/2021).

O cerne da questão envolve o despacho 7036900/2020 do Ibama, emitido em fevereiro de 2020 e resultante de um pedido da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira no Pará (AIMEX) e da Associação Brasileira das Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), no sentido de reduzir a burocracia das exportações de madeira. Previsivelmente, o aparato “verde-indígena” se lançou de imediato contra a medida, com uma ação civil pública movida pelo Instituto Socioambiental (ISA) e o Greenpeace, juntamente com a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), com informações fornecidas pelo Observatório do Clima. A ação foi indeferida pelo juízo da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, mas o despacho foi revogado por Alexandre de Moraes, como parte da Petição 8.975, que autorizou a Operação Akauanduba.

Embora os detalhes da investigação não sejam conhecidos, em novembro de 2020, a Superintendência da PF no Amazonas, chefiada pelo delegado Alexandre Saraiva, lançou a chamada Operação Handroanthus, no Oeste do Pará, a qual resultou na apreensão de mais de 200 mil metros cúbicos de madeira avaliados em R$ 24 milhões, além de veículos e equipamentos. Amplamente trombeteada como “a maior apreensão de madeira da história do País”, a operação motivou uma intervenção de Salles, que viajou à região e afirmou ter documentação comprobatória da legalidade da madeira. Em 14 de abril, Saraiva enviou ao STF uma queixa-crime contra o ministro e o senador Telmário Mota (PROS-RR), acusando-os de organização criminosa, advocacia administrativa e obstrução de fiscalização. No dia seguinte, foi exonerado do cargo que ocupava há quatro anos.

Em uma entrevista à Jovem Pan News (30/04/2021), Salles vinculou Saraiva diretamente ao aparato “verde-indígena”: “Ele é muito ligado à ex-ministra Marina Silva e, muito mais que efetivamente um delegado, é um militante político dentro daquela operação.”

Sintomaticamente, a ex-ministra escreveu em sua conta no Twitter (07/04/2021): “Minha solidariedade e reconhecimento ao importante trabalho que o Delegado da Polícia Federal no Amazonas, Dr. Alexandre Saraiva, vem desenvolvendo no combate aos crimes ambientais.”

Em 15 de abril, a AIMEX publicou um manifesto no jornal O Liberal de Belém (PA), acusando a PF-AM de cometer abusos e desrespeitos à lei:

“(…) Os recordes que a operação conseguiu colecionar, até agora, foram de arbitrariedades, abuso de autoridade e descumprimento do devido processo legal, pois, sob o manto da boa causa de proteção ao meio ambiente, instalou-se uma perseguição ilegal por parte das autoridades policiais, criminalizando empresas que atuam na região de forma legal e sustentável. Apenas com base em meras suspeitas, a PF-AM praticou e vem sistematicamente praticando todo tipo de ato de apreensão de bens e produtos florestais sem qualquer tipo de amparo judicial, o que inverte toda a ordem do processo penal.

“Somente até o início de abril, já haviam sido descumpridos, pela PF, pelo menos três liminares expedidas por juízes do estado do Pará, representando uma grave afronta ao regime democrático e ao Estado de Direito. Com isso, gerou-se um clima de total insegurança jurídica e instabilidade nas relações sociais, uma vez que o cidadão se vê desamparado da proteção constitucional do acesso à Justiça para coibir os atos abusivos ou ilegais das autoridades.

“Ora, se não respeitam um juiz, a quem respeitarão? A inobservância e desrespeito às instituições foram além da ignorância das liminares, mas estiverem presentes desde o início, quando as toras de madeira, balsas e até equipamentos pesados foram apreendidos sem flagrante ou uma ordem judicial sequer. Admitir que a polícia possa fazer isso unilateralmente, longe dos olhos da Justiça, é abrir espaço para todo tipo de abuso e arbitrariedade nos atos policiais.”

Em 4 de maio, a juíza Mara Elisa Andrade, da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Justiça Federal do Amazonas, determinou que a PF-AM devolvesse aos donos uma parte da madeira e do maquinário apreendidos, alegando a fragilidade dos indícios de ilegalidade apresentados pelo órgão policial (O Globo, 05/05/2021).

A deflagração da Operação Akanduaba, duas semanas depois, sugere que a decisão judicial foi apenas um revés momentâneo para os planejadores da investida contra Salles, apontado como participante de um “grave esquema criminoso de caráter transnacional”.

Da mesma forma, o episódio tem sido pautado por recorrentes desrespeitos ao devido processo legal, como ressaltado nas irregularidades da Operação Handroanthus, destacadas pela juíza Mara Elisa Andrade. O mesmo ocorreu com a Akanduaba, da qual a Procuradoria Geral da República foi excluída, o que não poderia ocorrer no caso da investigação de um ministro de Estado. E o advogado de Salles, Fernando Augusto Fernandes, não teve acesso imediato aos autos do processo contra seu cliente, apesar de tê-lo pedido no próprio dia 19 (Conjur, 25/05/2021). Não obstante, a PF se apressou em vazar para a mídia informações sobre movimentações financeiras “estranhas” do escritório de advocacia de Salles (G1, 19/05/2021 e O Globo, 25/05/2021).

Uma análise dos aspectos jurídicos da operação, feita pelo procurador de Belo Horizonte Fernando Couto Garcia e publicada no sítio Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/2021-mai-25/garcia-operacao-akuanduba-lindb-codigo-florestal), reforça as suspeitas de que há algo mais no ar além dos aviões de carreira.

Em essência, o jogo está ficando mais pesado e a política de “apaziguamento” praticada até agora se mostra totalmente inadequada. O Brasil terá que estabelecer uma ofensiva diplomática com vistas a entendimentos com países às voltas com problemas semelhantes, para o estabelecimento de uma frente compartilhada contra os ataques da “Máfia Verde”. Agenda que poderia chamar-se “Bandung 2.0”, em referência à importante conferência de 1955 que resultou na criação de uma frente contra o colonialismo e, mais tarde, o Movimento dos Não-Alinhados, tão relevante nos tempos turbulentos da Guerra Fria. E não se deve esquecer de que o Brasil é membro do grupo BRICS, cujos sócios Rússia, China e Índia têm defendido de forma exitosa as suas soberanias frente às investidas da “Máfia Verde” e de outras redes de ONGs internacionais controladas pelos mesmos círculos hegemônicos.

Transcrito do SOLIDARIEDADE IBERO-AMERICANA, nº 12 (maio/2021).

 

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