Pedro Augusto Pinho*
Não há milagres nem mágicas, é com propósito nítido, consciente, com saber, dedicação, e com o tempo que se consegue mudar as situações indesejáveis. O mais recente exemplo desta alteração nos é fornecido pela República Popular da China (China).
Há um século, a China era verdadeira “casa da mãe joana”, só não mandavam lá os chineses; estava ocupada por europeus, por japoneses, estadunidenses, e ainda havia um clube que “proibia a entrada de cachorros e chineses”.
Branco Milanovic foi economista-chefe do Banco Mundial (World Bank), escreveu livros e artigos principalmente sobre as desigualdades. Em “A grande divergência”, publicado no Blog de Michael Roberts e transcrito no site da AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), Milanovic pergunta: “o capitalismo está conseguindo reduzir a desigualdade e agora há uma grande convergência?”. E ele mesmo responde: “Não, porque a queda é impulsionada pelo crescimento da renda de apenas um país: a China”.
Não nos motiva a defesa de uma ideologia, que é discutível, mas que os dirigentes chineses denominam “socialismo com características chinesas”. O que significa esta expressão? Que prevalece na aplicação de qualquer filosofia, de qualquer ideologia ou religião, a condição nacional, a ambiência física, geográfica, do território onde habita a população chinesa, e suas condições culturais, a formação histórica dos chineses. Em outras palavras, a questão nacional é a primeira e principal questão do País.
E desde sempre? Claro que não. Desde quando os chineses resolveram colocar a China, o Estado Nacional, a frente de qualquer opção, principalmente a de servir para exploração por outras nações, ideologias ou sistemas, ou, como ocorre atualmente em grande parte do mundo, na submissão ao sistema financeiro apátrida.
No aspecto do tempo, as finanças também construíram este seu poder atual ao longo do século XX, tendo sido derrotadas na I Grande Guerra, ou Guerra Colonial Europeia, e se valendo das tecnologias desenvolvidas a partir dos anos 1920 e, principalmente, após a II Grande Guerra.
Alguns conceitos e ações são fundamentais para entendimento do processo de conquista do poder das finanças e de seus aliados e quem são seus verdadeiros opositores.
AS ENERGIAS, AS FINANÇAS E AS ONGs
As finanças, como poder, se organizam na Inglaterra no século XVII. Elas surgem do poder obtido pela aristocracia fundiária, ainda no século XIII, que foi crescendo e se ampliando para a financeirização do poder com os empréstimos ao Rei e aos empreendedores comerciais. Isso não teve um sentido programático, nítido, como a libertação da China em 1949, mas foi sabendo ocupar os espaços perdidos pela realeza e os abertos pelo comércio internacional.
O fato é que a I Revolução Industrial encontra a Inglaterra dominada pelas finanças que a mantém submetida à aristocracia financeira. Isso se verifica facilmente pela ausência dos John D. Rockefeller, Henry C. Frick, Andrew W. Mellon, Andrew Carnegie, J. P. Morgan, Meyer Guggenheim, Cornelius Vanderbilt, na Grã-Bretanha.
Na Inglaterra além dos anônimos e multimilionários aristocratas, apenas se destacou a família do banqueiro Mayer Rothschild. Porém, nos Estados Unidos da América (EUA) se desenvolveu, para a II Revolução Industrial, outro tipo de governança e outra matriz energética.
O poluidor carvão mineral, sustentáculo da I Revolução Industrial, não provocou o surgimento de organizações para o combater em nome da preservação da espécie, do ar imaculado, como ocorre com o petróleo, na II Revolução Industrial.
Hoje, as ONGs ambientais ignoram as devastações provocadas nas florestas do Canadá, nos países nórdicos, a energia eólica da Bélgica, assassina de aves, os casos prejudiciais à natureza e à espécie humana na Holanda e no Reino Unido, para combaterem o desenvolvimento econômico e social da América Latina, da África e da Ásia, com o pretexto de manter a pureza do ar, eliminar o aquecimento global e salvar as baleias, menos vistas nas áreas equatoriais-tropicais do que nos árticos mares do norte.
Há o conluio ambientalismo-finanças-neoliberalismo que se formou contra o industrialismo-petróleo-capitalismo desde o fim da II Grande Guerra.
São diversas as diferenças entre estes dois sistemas de poder. Iniciemos pela questão da distribuição, que é a preocupação do Branco Milanovic, já referido.
No século XIX, da I Revolução Industrial conduzida pelas finanças inglesas, a curva da concentração de riqueza e renda é ascendente e íngreme, uma reta com ângulo em torno dos 45º/50º. Esta curva suaviza sua inclinação, tem ângulos mais agudos, no período posterior a 1900 e fica pouco ascendente, tendendo à linha reta, desde 1950 até o período 1980-1985, quando, novamente, se tem deflexão similar a do século XIX.
Nos anos 2000 se nota a presença da populosa China, reduzindo o crescimento da desigualdade.
O modelo financeiro é claramente concentrador de renda e riqueza, principalmente quando comparado com o industrial. Explica-se porque o dinheiro, ao gerar mais dinheiro, não precisa aumentar a quantidade de bens, basta transferir a riqueza de mãos. Quem mais perde com o poder financeiro são as classes intermediárias, quer de países quer internamente aos países, nas situações nacionais das classes. Os mais pobres também perdem, porém menos do que os médios (países e classes) porque estes têm mais a transferir, logo a perder.
A faixa que mais ganha é dos mais ricos, estes ganham dos menos ricos e das demais classes, porque sua riqueza é constituída exclusivamente de bens especuláveis, papéis e imóveis, que rendem sem adicionar produção, principalmente absorvendo as receitas públicas (impostos) por meio de papéis de dívidas (vejam-se as taxas de juros e os montantes da dívida pública).
Por isso que a curva, durante o governo das finanças, é íngreme, acentuadamente íngreme.
No caso do poder das indústrias, o consumo dos produtos, cuja quantidade irá produzir maior riqueza, precisa encontrar na outra ponta os consumidores. Então a distribuição de renda se faz necessária, mas não nas mesmas proporções. Aventaria a hipótese extrema de que esta renda, nas classes mais desfavorecidas, tende a ser a menor possível, apenas para produzir o enriquecimento necessário à manutenção deste próprio sistema.
Não sendo necessárias à produção, as energias também não precisam ser as mais eficazes, as de maior capacidade, as mais intensas. As finanças então se dão ao luxo de excluírem as mais potentes energias, como do petróleo e nuclear, porque prejudicará mais os países de média e baixa riqueza.
O consumo de energia, calculado para 2021, mostra que dos 35 países de maior consumo de energia per capita (superior a 22.370 kWh), 21 são europeus e os 14 restantes são os EUA, Japão, Israel, Cingapura, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Qatar, Canadá, Coreia do Sul, China, Chile, Austrália e Nova Zelândia. Dispensa comentário.
No entanto, as ONGs atuam no sentido de manter o controle das fontes de energia no sistema financeiro, como se verá a seguir.
As Organizações Não Governamentais (ONGs) são verdadeiro caso de polícia. Observem os prezados leitores. Elas fazem, na grande maioria, parcerias com os Estados Nacionais que irão combater. Já é criar a cascavel dentro de casa. Os impostos, que deveriam ser totalmente aplicados na promoção e na defesa dos habitantes do País, são deslocados para manter as ONGs. Então, sem passar pelo concurso público, sem qualquer avaliação da capacidade e adequação salarial, os empregados das ONGs se tornam funcionários públicos, sob o aspecto, no mínimo, da receita salarial. E a ONG, sem a rigidez das normas públicas, irá gastar o dinheiro dos impostos de acordo com seus interesses, que, na maioria das vezes, são convencer a população para que ela considere o Estado Nacional inadequado, incapaz de cumprir seu papel.
E os ataques das ONGs ao Estado, na atualidade, se concentram principalmente na questão da energia. Demonstremos e expliquemos.
Todos devem estar lembrados dos falsos pretextos que os EUA usaram para invadir o Iraque e destruir o Estado Nacional da Líbia, neste século XXI.
A guerra contra o Estado Nacional do Iraque e o povo iraquiano começa com a criação de um “terrorismo árabe”, com a mentira das armas de destruição de massa, em 2003, mas que, na verdade, era para se apossar do petróleo, ou seja, pela questão da energia. Observe esta notícia do “Oilprice.com”, traduzida e publicada pela AEPET, em 12/07/2023:
“O Iraque continua sendo a maior fronteira petrolífera relativamente subdesenvolvida do mundo. Oficialmente, de acordo com a EIA (U.S. Energy Information Administration), ele detém 145 bilhões de barris de reservas provadas de petróleo bruto estimadas de maneira muito conservadora (quase 18% do total do Oriente Médio e a quinta maior do planeta). Extraoficialmente, é extremamente provável que contenha muito mais petróleo do que isso. Em outubro de 2010, o Ministério do Petróleo do Iraque aumentou seu próprio valor para as reservas comprovadas do país para 143 bilhões de barris. No entanto, ao mesmo tempo em que produzia os números oficiais das reservas, o Ministério do Petróleo afirmou que os recursos não descobertos do Iraque totalizavam cerca de 215 bilhões de barris. Esse também foi o número a que se chegou em estudo detalhado de 1997 da respeitada empresa de petróleo e gás Petrolog. No geral, a AIE sublinhou que o nível de recursos recuperáveis em todo o Iraque (incluindo a região do Curdistão) é de cerca de 246 bilhões de barris (líquidos de gás natural e bruto)”.
Acresce ainda, a mesma fonte que “o custo médio de extração do petróleo no país é de US$ 1-2 por barril (o mais baixo do mundo, junto com o Irã e a Arábia Saudita)”.
“A questão neste momento é, com essas enormes reservas em vigor e planos específicos sobre como transformá-las em até 13 milhões de barris de petróleo por dia (bpd) nos arquivos do Ministério do Petróleo, por que o Iraque ainda não está produzindo muito mais petróleo? A razão é a contínua corrupção endêmica que está no coração da indústria de petróleo e gás do Iraque. Isso não apenas remove enormes quantias de dinheiro dos cofres do Iraque, que poderiam financiar os tão necessários investimentos em infraestrutura, mas impede que empresas ocidentais com a tecnologia necessária, conhecimento logístico e pessoal se envolvam demais no país. Embora as comissões sejam uma prática padrão no Oriente Médio – e, de fato, em muitos negócios ao redor do mundo – a prática tornou-se algo totalmente diferente no Iraque. Isso foi destacado repetidamente pelo “OilPrice.com” e independentemente por muitos anos pela Transparency International (TI) em várias de suas publicações ‘Índice de Percepção de Corrupção’, nas quais o Iraque normalmente aparece entre os 10 piores de 180 países por sua escala e escopo de corrupção. As somas de dinheiro que o Iraque perdeu poderiam ter financiado todos os grandes projetos necessários para aumentar a produção de petróleo até pelo menos 7 ou 8 milhões bpd, principalmente o crucial Projeto Comum de Abastecimento de Água do Mar (CSSP). Em termos básicos, a forma como se perdeu tão assombrosa quantia prende-se à forma como as remunerações brutas, o imposto sobre o rendimento e a quota-parte do Estado parceiro foram deduzidas e contabilizadas na compensação paga pela redução dos níveis de produção petrolífera”.
Não há santo no mundo dos negócios. Porém, quando as finanças assumem o poder, sem compromissos com custos e volumes de produção, a corrupção, em todos os aspectos e setores, aumenta extraordinariamente. No Brasil, sempre houve corrupção, quando ficava apenas na aristocracia do Império ou nos proprietários da República Velha, ela não era motivo de escândalo nas mídias. Também, por ser menor durante o período em que o Brasil buscou sua industrialização, foi somente motivo de luta política, como reconheceu publicamente o prócer udenista Afonso Arinos de Melo Franco ao se referir ao inexistente “mar de lama”, que Carlos Lacerda dizia correr “nos porões do Catete”.
Porém, com o domínio das finanças, após 1990, a corrupção passa a fazer parte do poder, se infiltra por toda sociedade ora na forma de suborno, ora nas especulações financeiras, ora em chantagens e moeda de troca política não somente no executivo mas em todo poder do Estado, especialmente nas relações empresariais, público privadas.
ONGs E IDEOLOGIA NEOLIBERAL NO BRASIL E NO MUNDO
Já nos referimos à atuação das ONGs ambientais em diversos países. Todos, rigorosamente, todos os países no mundo atual, terceira década do século XXI, têm no petróleo, na forma líquida (óleo) e/ou de gás natural, a maior fonte primária de energia, em muitos casos representando quase a totalidade do suprimento de energia nacional.
Mas se o país está no Atlântico Norte, na Europa Ocidental ou na América do Norte, excluindo o México, dificilmente a WWF, a Greenpeace e congêneres farão pressão antidesenvolvimentista ao governo.
As florestas canadenses têm incêndios mais devastadores, mais amplos e intensos do que as florestas brasileiras. No entanto, as ONGs não estão nas portas dos governantes canadenses e do Reino Unido na defesa dessas florestas. Estão na pressão, até internamente, ao governo brasileiro. E observe-se que, antes de se transferir para Amsterdã, nos Países Baixos, a Greenpeace foi fundada no Canadá, em 1971, na cidade de Vancouver.
As finanças apátridas também insistem na falácia da competitividade de setores econômicos naturalmente oligopolistas. Vejamos o caso do fornecimento de energia elétrica. Em que país, em que cidade, as residências, as lojas, as fábricas têm dois, três ou mais relógios de aferição do consumo de energia? Em nenhuma. Este serviço tem caráter monopolista.
Se é monopólio, então o será público ou privado, mas não haverá em qualquer caso a “competição”. Porém se for o monopólio privado, o preço da eletricidade será o maior possível, aquele máximo que o cliente ainda poderá pagar. É da própria essência do negócio privado. Se, no entanto, for monopólio público a referência do preço será o custo.
Neste artigo vimos o custo da produção do petróleo bruto no Iraque. Justifica o preço de US$ 70, o barril?
Examine-se a Petrobrás. Enquanto ele deteve o monopólio do petróleo no Brasil, o preço dos derivados era o custo de produção mais a margem de lucro para que ela continuasse investindo na procura de petróleo e nas tecnologias associadas a este produto e derivados. Agora, sem monopólio da Petrobrás, o mercado fixa o mais alto preço para os derivados, ou seja, o que pagam as nações mais ricas do mundo, acrescidos do ônus de internar no Brasil e transportá-lo até uma refinaria. Verdadeiro absurdo que ainda é a referência para o consumidor final brasileiro.
Adolfo Sachsida, ex-ministro de Minas e Energia do governo Bolsonaro, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, afirmou que estava estudando a maneira de privatizar todo setor petroleiro, para gerar competição e melhorar a vida dos brasileiros.
Ou este senhor é um cínico que se diverte com a ignorância que é comum quando se trata de petróleo, não apenas no Brasil mas em todo mundo, ou é absolutamente desinformado e não deveria ocupar aquela função pública.
A privatização parcial do petróleo levou aos mais altos preços de toda sua história, após 1954, do Brasil. O mesmo que ocorreu com os custos da energia elétrica, e que ocorreria com a entrega de correspondências, e todos os setores onde o Estado monopolista foi substituído pelas empresas privadas, quase sempre estrangeiras, monopolistas. Adicionando ainda a evasão de divisas, a transferência de ganhos nacionais para ganhos de outros países ou acionistas, pois muitas dessas empresas têm sede em paraísos fiscais.
É urgente que o Brasil se livre das finanças apátridas e seus representantes no Brasil, da ideologia neoliberal, e possa voltar a ter indústrias nacionais, públicas e privadas, de acordo com as características dos setores, sem a influência estrangeira, principalmente das ONGs ambientais.
*Pedro Augusto Pinho, octogenário administrador, trabalhou no Brasil, em empresas privadas, estatais e como funcionário público, e, no exterior, como consultor independente, técnico de empresa brasileira e consultor de organismo internacional.