Em meio à enxurrada de depoimentos divulgados por Edson Fachin convém prestar atenção aos 32 minutos gravados por Emílio Odebrecht, manda chuva do grupo nos últimos 30 anos, voz influente nas nomeações dos principais dirigentes, interlocutor de presidentes e personagens decisivos da política brasileira nas últimas décadas.
O governador, senador e ministro Antonio Carlos Magalhães, homem forte dos anos finais da ditadura e do governo José Sarney, era o contato de Emílio Odebrecht com a chamada Nova República. Mais tarde, tinha conversas frequentes com Fernando Henrique Cardoso, numa relação que merece várias referências elogiosas nas memórias de FHC. Também foi o interlocutor de Lula, com quem dialogava antes, durante e depois de seus dois mandatos no Planalto.
Com a autoridade de quem partilhou conversas variadas e assumiu funções políticas de alta relevância para os destinos do país, no depoimento Emílio Odebrecht fez questão de ir mais fundo, encarando um ponto central da crise que o país enfrenta – o papel da mídia.
O empresário lembra que a população brasileira está sendo apresentada a fatos sabidos “há 30 anos”. Diz que os acertos entre autoridades e grandes empreiteiras não só eram um “negócio institucionalizado”, mas vistos como “uma coisa normal” e afirma: “o que me entristece é que a imprensa toda sabia. “
E pergunta: “por que agora estão fazendo isso? Por que não fizeram isso há dez, quinze, trinta anos?” Sem empregar a palavra “hipocrisia”, Emílio Odebrecht bate duro: “a imprensa sabia disso e agora fica com essa demagogia”.
As relações entre a mídia e o sistema chamado no Ministério Público como “capitalismo de compadrio” estão na essência da ofensiva jurídica-política que colocou o país numa crise histórica, a partir de uma “investigação necessária que se transformou numa operação contra a democracia,” conforme sustento no livro A Outra História da Lava Jato. A naturalização de práticas hoje condenadas seria impensável sem o silêncio amistoso de jornais e revistas. O ambiente de intolerância e ruptura institucional, consumado num golpe sem crime de responsabilidade configurado, também seria impossível sem apoio direto dos mesmos jornais e revistas.
Em 2014, a operação ainda estava no início mas foi usada para criar um clima agressivo na reta final da campanha que inflou artificialmente os votos de Aécio Neves nos últimos dias.
No mesmo período, Sérgio Moro foi Homem do Ano pela Isto é, um dos 100 mais influentes da Época, A Personalidade do Ano para O Globo.
Estamos falando de uma situação que ajuda a explicar o silêncio “de 30 anos” de que fala Emílio Odebrecht, quebrado pela primeira vez em 2005, na AP 470, quando Lula e o Partido dos Trabalhadores se tornaram alvos prioritários de uma caçada que se prolonga até hoje.
Como nós sabemos, a matéria prima das denúncias do chamado mensalão, encontrava-se nas agências de publicidade comandadas por Marcos Valério, colocadas no centro das suspeitas em torno de distribuição de recursos clandestinos. Capazes de assegurar um tratamento heroico a Joaquim Barbosa, no mesmo período os grandes meios de comunicação seguiam recebendo a publicidade oficial como sempre, disputando anúncios e campanhas e os marotos “informes publicitários,” pagando os célebres “bonus de volume” aos executivos que distribuíam recursos. Jamais foram levados a explicar um ponto fundamental na mecânica da acusação: se a publicidade que vinha das agências do esquema era suspeita, se os gastos de receitas eram forjados para desviar dinheiro, qual o papel do cliente que publicava tudo isso?
Nada. Será mesmo?
Como disse Emílio Odebrecht, estávamos falando de “um negócio institucionalizado”, visto como uma “coisa normal.”
Tão “normal” como os favores que Antonio Carlos Magalhães gabava-se de prestado a Roberto Marinho, o patrono e fundador do império Globo, a começar pela sabotagem ao esforço de uma bancada de parlamentares progressistas que tentaram democratizar os meios de comunicação na Constituinte.
Ou a atuação de Geraldo Brindeiro, o Procurado Geral da República. Aplicado engavetador de denúncias contra o governo FHC durante oito anos, na reta final da campanha de 2002 Brindeiro levou ao Supremo uma denúncia midiática sobre o caso Celso Daniel, que poderia atingir a campanha de Lula no coração, mas acabou rejeitada por Nelson Jobim como puro “denuncismo.”
Em 2014, primeiro ano da Lava Jato, Sérgio Moro foi agraciado com o troféu Homem do Ano pela Istoé, Um dos 100 mais influentes da Época, Personalidade do Ano pelo Globo.
No texto Operação Mani Pulitti, escrito em 2004, e que pode ser lido como uma espécie de roteiro de trabalho da Lava Jato, Moro faz referência a vários autores acadêmicos que se referem ao conceito de “deslegitimação” dos políticos profissionais, como condição para o sucesso de uma operação contra personalidades que são respeitadas pela população. É aí que se refere ao trabalho de jornais e jornalistas.
Moro admite que a punição de determinados agentes públicos é sempre difícil “pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal.” Neste contexto, chega a atribuir a mídia uma função punitiva que deveria ser monopólio da Justiça. Escreve que a postura aliada de jornais e revistas podem servir como um “salutar substitutivo” a punição judicial, pois têm “condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes corruptos, condenando-os ao ostracismo.”
Num comentário em que sublinha a importância de se manter boa relações com a mídia, Moro se refere ao papel que os jornalistas podem assumir como instrumento de pressão contra cidadãos mantidos sob o regime de prisão preventiva, que cumpre um papel essencial nas investigações. Fala da importância da “disseminação de informações sobre uma corrente de confissões ocorrendo atrás das portas fechadas dos gabinetes de magistrados.”
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