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segunda-feira, 3 novembro, 2025

Ocultando o genocídio: um plano dos Estados Unidos para romper o isolamento de Israel.

Fonte da imagem:Reuters

Heba Ayyad*

Ocultando o genocídio: um plano dos Estados Unidos para romper o isolamento de Israel

Em entrevista concedida à Axios último dia 4 de outubro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que um dos principais objetivos de seu plano para Gaza era restaurar a posição internacional de Israel. Trump declarou:

“Netaniahu foi longe demais e Israel perdeu muito apoio internacional. Agora vou recuperar tudo isso.”

Claramente, Trump pretendia que o seu chamado plano de paz virasse a página dos crimes de Israel — e da cumplicidade dos Estados Unidos nesses crimes —, inaugurando uma nova era de normalização com a ocupação, particularmente na Cisjordânia, ao mesmo tempo em que reabilitaria diplomaticamente Israel e expandiria os Acordos de Abraão.

No entanto, mesmo antes de a Corte Internacional de Justiça condenar a política de fome de Israel, pessoas ao redor do mundo já estavam se mobilizando, instando seus governos a não permitir que Israel saísse impune.

Pode-se questionar por que Trump está tentando resgatar Israel do atoleiro em que se encontra. Por que os Estados Unidos estão se apressando para salvar Israel de uma situação da qual ele não consegue escapar? A razão é simples: os Estados Unidos são cúmplices do crime.

Segundo o direito internacional, qualquer pessoa que auxilie um criminoso de guerra na execução de seus crimes torna-se automaticamente cúmplice. O Artigo 3º da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio estabelece que:

Será punido qualquer pessoa que cometer os seguintes atos:

  1. a) Genocídio;

  2. b) Conspiração para cometer genocídio;

  3. c) Incitação direta e pública ao genocídio;

  4. d) Tentativa de cometer genocídio;

  5. e) Participação em genocídio.

Os Estados Unidos cometeram genocídio ao fornecer a Israel armas, dinheiro, munição, informações de inteligência, equipamentos de escuta, sistemas de defesa aérea, munições inteligentes, diversas bombas avançadas e armamentos antibunker.

Devemos também lembrar da farsa do porto flutuante, que foi utilizada para aprisionar palestinos e resultou em um massacre que ceifou a vida de mais de 300 mártires. Além de tudo isso, os Estados Unidos forneceram a Israel mais de US$ 27 bilhões em ajuda financeira.

Na arena diplomática, os Estados Unidos utilizaram seu poder de veto seis vezes para proteger Israel da responsabilização, concedendo-lhe tempo e liberdade para continuar seus massacres até alcançar seus objetivos de guerra declarados.

Nem o presidente Biden nem o presidente Trump tentaram se desvincular de seu papel como parceiros nessa guerra. Biden participou de reuniões do conselho de guerra como se fosse um oficial do Estado-Maior israelense, liberando depósitos de armas e munições para permitir o envio de todos os tipos de armamentos de morte e destruição.

Trump foi além: autorizou a entrega de projéteis pesados de 900 kg a Israel, depois que Biden havia bloqueado sua transferência para as forças armadas israelenses. Além disso, em seu discurso no Knesset, em 13 de outubro, vangloriou-se dos tipos de armas letais que os Estados Unidos haviam fornecido a Israel e da eficácia com que foram utilizadas.

Assim, os Estados Unidos são cúmplices do crime, e tornou-se de seu interesse criar caos, ruído, poeira e confusão, para que as questões centrais se percam em meio à desordem. O plano de paz de vinte pontos de Trump não ofereceu aos palestinos nada além de uma trégua aos massacres — massacres que, no entanto, continuam sem cessar.

O exemplo mais flagrante é o massacre ocorrido na terça-feira, que ceifou a vida de 106 palestinos, incluindo 46 crianças e 20 mulheres. Os assassinatos não cessaram sequer por um único dia. Na Cisjordânia, a guerra prossegue de forma implacável, envolvendo o exército, as forças de segurança e os colonos.

A ajuda humanitária, que o plano estipulava que deveria retornar ao nível anterior ao cessar-fogo — de 600 caminhões por dia —, não atingiu esse número sequer uma vez. A terceira condição, referente à abertura de todas as passagens, também não foi cumprida. A maioria delas permanece fechada, especialmente a passagem de Rafah, onde centenas de toneladas de alimentos, suprimentos médicos e equipamentos necessários para a remoção dos escombros continuam se acumulando.

Israel ainda ocupa 53% da Faixa de Gaza e segue cometendo assassinatos diariamente. Recuou na libertação de um grande número de prisioneiros palestinos, tanto em termos numéricos quanto em relação a cargos de liderança, como o de Marwan Barghouti.

Contudo, o mundo, sob a liderança de Trump, não discutiu as violações cometidas por Israel, mas sim o que chamou de “violações do Hamas e das facções palestinas”, acusando-as de não entregarem todos os corpos em 72 horas — uma exigência que todos sabem ser impossível de cumprir, dada a destruição generalizada na Faixa de Gaza e os inúmeros prédios demolidos que podem conter restos mortais de soldados, cuja remoção exige maquinário pesado para escavar e vasculhar o subsolo.

Em 20 de outubro, Francesca Albanese, Relatora Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967, divulgou um novo relatório intitulado “Genocídio em Gaza: Um Crime em Massa”.

O documento afirma:

“O genocídio em curso em Gaza é um crime em massa, facilitado pela cumplicidade de terceiros Estados influentes que permitiram a Israel cometer violações sistemáticas e prolongadas do direito internacional. O apoio direto a essas atrocidades, sustentado por narrativas coloniais que desumanizam os palestinos, foi possibilitado por meio da assistência material, proteção diplomática e, em alguns casos, participação ativa de terceiros Estados. Isso expôs um abismo sem precedentes entre os povos e seus governos, traindo a confiança sobre a qual se fundamentam a paz e a segurança globais. O mundo agora se encontra à beira do colapso do Estado de Direito internacional e da perda da esperança de renovação. A renovação só é possível mediante o enfrentamento da cumplicidade, o cumprimento das responsabilidades e a busca pela justiça.”

O relatório também destaca que 90% dos carregamentos de armas, munições e equipamentos militares destinados a Israel têm origem em apenas dois países: os Estados Unidos e a Alemanha.

Não há dúvida de que o direito internacional é claro quanto à participação dos Estados Unidos em uma guerra de extermínio. A melhor defesa é um bom ataque — e, assim, Trump, que afirma ter impedido oito guerras, apresentou um plano vago, segundo o qual 53% da Faixa de Gaza permaneceriam sob controle israelense, sem impor a Israel qualquer obrigação em relação aos direitos do povo palestino, especialmente no que se refere à liberdade, à independência, ao estabelecimento de um Estado soberano e ao retorno dos refugiados às suas casas de origem.

Mais de 400 diplomatas e ex-altos funcionários assinaram uma declaração pedindo à União Europeia que tome medidas decisivas “contra os elementos corruptos e extremistas” que ameaçam “o estabelecimento de um futuro Estado palestino”, observando que o plano de Trump aborda esse objetivo apenas de forma vaga.

Juristas internacionais aconselharam os líderes da União Europeia a garantir que sua política esteja em conformidade com a decisão da Corte Internacional de Justiça de 2024, que considera a ocupação israelense ilegal e determina que ela deve ser encerrada o mais rapidamente possível.

Resta saber se essas forças crescentes — oficiais e populares — obrigarão a entidade sionista a recuar, moderar o discurso, aceitar o status quo e, finalmente, pôr fim ao seu abominável regime de apartheid o quanto antes.

*Heba Ayyad

Jornalista internacional

Escritora Palestina Brasileira

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