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quinta-feira, 19 junho, 2025

O que pretende Israel com o ataque ao Irã?

Foto: Getty Images/Anadolu Bahrami

Major-General Carlos Branco [*]

São várias as respostas possíveis a esta pergunta, umas enunciadas de modo claro, outras nem por isso. Israel identificou como objetivos do seu ataque a destruição do programa nuclear iraniano, provocar uma mudança de regime em Teerã e anular a capacidade balística iraniana. Não enunciados, estão a manutenção de Netanyahu no poder, a sabotagem das negociações de paz agendadas para 15 de junho, em Omã, dois dias depois de iniciarem os ataques, e criar condições para os EUA se envolverem diretamente em operações ofensivas contra Teerã, ao lado de Israel.

Até ao momento, Israel não atingiu nenhum dos objetivos que se tinha proposto atingir. Após a euforia inicial, o Irã recompôs-se e está a dar luta. Começa a ficar claro que, apesar da excelência israelita em inteligência, Telavive avaliou erradamente as capacidades balísticas iranianas. A retaliação iraniana foi mais poderosa do que o previsto e esperado.

Os objetivos explícitos

O argumento da iminente arma nuclear que o Irã está prestes a conseguir, para atacar preventivamente o Irã, repetido ad nauseam há quatro décadas, é aparentemente falso como foi o utilizado para atacar o Iraque, em 2003. A 25 de março de 2025, na apresentação da “2025 Annual Threat Assessment of the U.S. Intelligence Community”, os serviços secretos americanos consideraram “que o Irão não está a construir uma arma nuclear e que, desde 2003, o Líder Supremo Khamenei não autoriza o programa de armamento”, não tendo revogado a sua fatwa alegando motivos de natureza religiosa. Ao que se acrescenta, a parceria estratégica celebrada entre a Rússia e o Irão que considera como incontornável a escrupulosa obediência de Teerã aos termos do Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT).

O Irã tem sido o país mais escrutinado pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA), ao contrário de Israel que continua a não admitir oficialmente que possui armas nucleares, não cumprindo o disposto na Resolução do Conselho de Segurança da ONU (UNSCR 487/81), que “solicita a Israel a urgente colocação das suas instalações nucleares sob a salvaguarda da (IAEA)”, algo que nunca fez, impedindo a verificação do seu armamento nuclear, para além de nunca ter aderido ao Tratado de não-Proliferação de Armas Nucleares. Não deixa de ser insólito, um país que possui armas nucleares atacar um país que declara pretender desenvolver um programa nuclear para fins civis, sem apresentar provas do contrário.

O ataque seguiu-se a uma resolução votada pelo Conselho de Governadores da AIEA na véspera (12 de junho), aprovada por 19 votos a favor, 3 contra e 11 abstenções em que, no fundamental, os inspetores afirmavam não ter conseguido determinar se o programa nuclear do Irão era exclusivamente pacífico. Embora a maioria dos governadores tenha votado a aprovação dos votos, não se pode deixar de notar uma dispersão significativa da votação, o que não deixa de ser revelador das dúvidas existentes.

A isto acrescenta-se o fato de a Força Aérea israelita não dispor de meios para atingir as instalações nucleares subterrâneas do Irão. Pode afetá-las, mas não destruí-las. Não dispõe no seu arsenal das bombas de penetração necessárias para o fazer. Apenas os EUA as têm. Necessita para tal da ajuda norte-americana com as bombas que podem penetrar e atingir a profundidade requerida. Assim se compreende que Gila Gamliel, membro do Conselho de Ministros israelita tenha exigido “categoricamente que os Estados Unidos se juntassem à guerra contra o Irã”.

A insistência de Israel na questão nuclear assemelha-se em tudo ao pretexto da posse de armas de destruição em massa, por parte de Sadam Hussein, para justificar intervenção militar norte-americana e a mudança de regime pela força no Iraque.

Com o intuito de provocar uma revolta interna que levasse a uma mudança de regime, logo nas primeiras horas do ataque foram assassinadas as chefias militares de topo e outras entidades importantes, nomeadamente cientistas ligados ao programa nuclear, bem como executados ataques ao aparelho económico e industrial iraniano, para o que contou com a ajuda de uma rede de infiltrados construída ao longo dos anos. Uma parte significativa dos ataques israelitas foi realizada com a ajuda de agentes internos, sabotadores e agentes do Mossad no Irão.

Para dificultar a atuação desses grupos, nomeadamente o guiamento de drones, Teerão cancelou o funcionamento da internet, mas Elon Musk ativou o StarLink sobre o Irã, exatamente no dia 13 de junho, quando começou o ataque israelita, de modo a permitir a atuação destes grupos. A isto, juntam-se as ameaças de morte a Khamenei proferidas reiteradamente por Netanyahu.

O plano consistia em atacar a capital iraniana e encorajar os habitantes a abandoná-la, com o objetivo de pressionar o Governo. As Forças de Defesa de Israel (FDI) emitiram declarações afirmando que “Teerã será tratado como Beirute”. Para levar o plano para a frente, Hossein Yazdanpanah, líder do Partido da Liberdade Curda no Iraque, a partir da cidade iraquiana de Erbil, declarou a sua disponibilidade para participar num ataque à República Islâmica.

Por outro lado, Reza Pahlavi, o filho do monarca deposto em 1979, veio apelar à revolta popular: “a República Islâmica acabou e está a cair, a entrar em colapso. O que começou é irreversível. O futuro é radioso e juntos navegaremos por esta reviravolta na história. Agora é a altura de nos erguermos; a hora de reconquistar o Irã. Que eu possa estar convosco em breve,” colocando-se na linha da frente para assumir o controlo do futuro regime. Dificilmente, o regresso ao regime da monarquia Pahlavi seria bem recebido e galvanizador de uma revolta popular, por ser percebido como um peão de Israel.

São várias as vozes em Telavive que subscrevem o que referi sobre os recursos limitados do país para concretizar as ambições megalómanas a que se propôs. Por exemplo, o Conselheiro Nacional de Segurança de Israel, Tzachi Hanegbi, alertou para o fato do Irã ainda possuir “milhares de mísseis balísticos”, um número muito superior aos 1.500 a 2.000 anteriormente estimados pelos analistas militares. Segundo ele, “esta não é uma batalha que, a longo prazo, será capaz de pôr fim à ameaça iraniana”. Numa entrevista ao Canal 12 de Israel, Hanegbi admitiu que os ataques israelitas por si só não conseguem eliminar o programa nuclear iraniano. Em vez disso, dever-se-ia pressionar militarmente o Irã para o desmantelar voluntariamente. Quando questionado sobre se Israel pretende destruir o programa nuclear iraniano, Hanegbi respondeu dizendo “Isso não é possível. Não pode ser feito por meios cinéticos”.

O fato de Israel saber que não tinha meios suficentes para tal leva-nos a crer que o objetivo principal da operação israelita é a mudança de regime no Irã, algo profundamente desejado pelo lobby neocon/liberal norte-americano e dos seus aliados europeus, a cavalo do pretexto das armas nucleares, tal e qual como no Iraque em 2003. Por isso, a lista de alvos incluía instalações ligadas ao tecido econômico, centrais energéticas, mídia, etc. fazendo parte de uma operação de mudança de regime e não de “desarmamento”. Em documentos políticos americanos é admitido que o objetivo foi sempre a mudança de regime e que o programa iraniano, mesmo que produzisse armas nucleares, não era uma ameaça real. É sempre conveniente relembrar a entrevista do general Wesley Clark sobre o plano de norte-americano de atacar sete países em cinco anos (Iraque, Síria, Líbia, Somália, Líbano, Irã e Sudão).

Os objetivos não explícitos

O momento do ataque entronca-se com dois acontecimentos relevantes:   o dia em que o Knesset iria votar a demissão do governo, colocando Netanyahu numa situação política extremamente difícil; e ter ocorrido 48 horas antes de mais uma ronda negocial entre iranianos e norte-americanos, a realizar em Omã.

O ataque no dia 13 de junho inviabilizou a votação no Knesset permitindo a Netanyahu manter-se no poder. Já no que respeita à sabotagem das negociações, a trama é mais complexa. Os norte-americanos sabiam do ataque israelita e não fizeram nada para o impedir, pois interessava a ambas as partes. Netanyahu via assim legitimada a sua continuidade no poder, Trump esperava tornar o ataque israelita num exercício de “diplomacia coerciva”. Após o ataque israelita, Teerã ficaria “amaciado” e pronto para aceitar o que os EUA lhe pusessem em cima da mesa. Mas não foi isso que aconteceu.

Entretanto, a pressão sobre Teerã continuou. Como disse um dirigente iraniano, vamos agora ter de combater contra uma coligação. Os aviões de reabastecimento aéreo norte-americanos deslocam-se para o Oriente Médio, os bombardeiros estratégicos estacionaram em Diego Garcia e dois porta-aviões dirigem-se para a região. Trump confia que não tendo o ataque israelita dobrado Teerã serão agora as suas poderosas armas a fazê-lo. Os bombardeiros estacionados em Diego Garcia estão preparados para lançarem a famigerada GBU-43/B MOAB (mãe de todas as bombas) para resolver de uma vez para sempre o irritante nuclear iraniano.

Mas não é isto que Netanyahu, alinhado com os neocon americanos, pretende. O fim do programa nuclear iraniano sabe-lhes a pouco. O que eles querem mesmo é uma mudança de regime e Trump não é o seu homem. Os falcões de guerra estão a dar tudo por tudo para quebrar com a oposição de Trump a guerras desnecessárias sem fim e abandonar a abordagem mais transacional, “America First”, na sua política externa.

O poder que aquele grupo detém esteve patente quando conseguiu excluir a Diretora Nacional de intelligence Tulsi Gabbard da reunião do Conselho Nacional de Segurança, onde se iria discutir o ataque norte-americano ao Irão. Ficaria assim mais fácil encurralar Trump, cujo pensamento não passa por uma política externa de mudança de regime. Ele sabe que uma intervenção militar norte-americana não só vai hostilizar os países muçulmanos da região e comprometer o seu plano de paz para o Oriente Médio, como também saberá que os conflitos Irã/Israel e Ucrânia/Rússia podem dividir a direita e o movimento MAGA, sabotar a sua presidência e ter repercussões na sua agenda de política interna, objetivo abraçado por determinados segmentos do establishment político norte-americano.

Entretanto, a AIEA não condenou o bombardeamento israelita às instalações nucleares iranianas, e as entidades europeias apoiaram a ação de Israel, fazendo hipocritamente tábua rasa do Direito Internacional. Afinal, para Bruxelas, a ação “preventiva” israelita justifica-se plenamente (Israel tem o direito a defender-se), enquanto a ação preemptiva russa no Donbass é completamente inaceitável. Entretanto, o presidente do Conselho Europeu António Costa dá camisolas do Ronaldo a Donald Trump.

Cartoon, autor desconhecido

Está ainda por perceber com detalhe qual será a reação da China e da Rússia, para além da condenação da ação israelita. A China estará a apoiar Teerã com equipamento militar, enquanto a Rússia veio lembrar que considera o Irã debaixo do seu chapéu nuclear. Depois da capacidade única de sobrevivência revelada pelo regime iraniano, interrogamo-nos sobre o que haverá de novo nesta aventura em que Israel se meteu que possa reverter a anti fragilidade do regime iraniano.

19/Junho/2025

[*] Major-General.

O original encontra-se em Diário de Notícias e em estatuadesal.com/2025/06/19/o-que-pretende-israel-com-o-ataque-ao-irao/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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