O dólar como arma de dominação.
Juan Torres López [*]
No final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham metade do PIB mundial, nove vezes o do Reino Unido, que era o segundo maior, e 80% do ouro mundial. Nestas condições, e quando os outros países ocidentais estavam praticamente destruídos e sem liquidez, não foi difícil para os Estados Unidos impor o dólar como moeda de reserva internacional na Conferência de Bretton Woods em 1944.
Os Estados Unidos dispunham de ouro suficiente para lastrear a sua moeda e podiam comprometer-se a convertê-la automaticamente em ouro, a pedido. Esta situação, aliás, não colocava qualquer dificuldade aos Estados Unidos, uma vez que os outros países estavam constantemente a contrair empréstimos em dólares para se reconstruírem, o que aumentava constantemente o valor do dólar nos mercados.
Mas, com o passar do tempo, as restantes economias começaram a arrancar e a exportar os seus bens e serviços. Naturalmente, exigiam ser pagas na sua própria moeda, pelo que a procura do dólar começou a diminuir.
Ao mesmo tempo, as grandes multinacionais com atividade internacional inundaram os mercados cambiais americanos. Para piorar a situação, o aumento do preço do petróleo e de outras matérias-primas multiplicou a oferta de dólares dos países produtores. Finalmente, para além de tudo isto, a economia americana começava a enfraquecer devido aos seus problemas internos, à crescente concorrência internacional e às despesas associadas às guerras na Coreia e no Vietname.
O dólar estava a desvalorizar-se e o Presidente Nixon não teve outra alternativa senão oficializar esta perda de valor, primeiro desvalorizando a sua moeda e, pouco depois, em agosto de 1971, suspendendo a sua convertibilidade em ouro.
Uma fonte ilimitada de crédito à custa dos outros
A partir do momento em que o dólar deixou de ser lastreado em ouro, passou a ser apenas um papel-moeda utilizado no comércio, devido à confiança que se podia depositar no seu emissor, a Reserva Federal dos Estados Unidos, para fazer bom uso dele. Inicialmente, está confiança poderia justificar-se na medida em que, mesmo quando a não convertibilidade foi declarada, a economia americana continuava a ser a mais forte e poderosa do mundo.
No entanto, as coisas estavam a mudar.
Ter uma moeda própria em que os outros confiavam era como ter uma fonte inesgotável de crédito. O país comum tinha de controlar a quantidade de moeda que emitia. Se aumentassem a quantidade de moeda em circulação sem uma procura interna suficiente, os seus preços disparariam; e se não tivessem procura externa, o valor da sua moeda cairia a pique.
Os Estados Unidos não tinham de se preocupar com isso. Enquanto os outros países utilizassem os seus dólares, poderiam emiti-los sem limites e, assim, contrair empréstimos sem qualquer problema e comprar ou investir com eles o que quisessem e onde quisessem. Tudo o que tinha de fazer, por qualquer meio, era mantê-los a usar a sua moeda.
Isto permitiu que a sua dívida pública passasse de 34,5% do PIB no início de 1971 para 121,6% no final de 2023. E a sua dívida externa cresceu ainda mais dramaticamente, tendo quadruplicado só desde 2004.
Como disse o General de Gaulle na altura, o que foi concedido aos Estados Unidos foi um “privilégio exorbitante”.
Durante alguns anos, como já disse, esse privilégio pode ter sido justificado pelo seu poder económico, mas nem isso foi suficiente.
O dólar exige o domínio imperialista e o militarismo crescente
A utilização do dólar tem estado certamente a diminuir. Passou de 70% do total das reservas de divisas há 20 anos para 58% atualmente, segundo o Fundo Monetário Internacional.
No entanto, a sua utilização corresponde cada vez menos ao peso efetivo que a economia americana tem no comércio internacional: é utilizado para liquidar 40% das transações comerciais internacionais, quando os Estados Unidos representam apenas 10% do total das transações.
Atualmente, o dólar é uma moeda que é utilizada sem qualquer correspondência com a força da economia que o emite. Tanto mais que outras economias até recentemente emergentes se afirmaram como verdadeiros bastiões tecnológicos, industriais e comerciais, como a China.
Em 1970, o PIB dos EUA era cerca de onze vezes superior ao da China, ao passo que atualmente é apenas 1,5 vezes. E é sabido que a China está mesmo à frente dos Estados Unidos num certo número de indicadores e de registos que revelam um progresso económico extraordinário.
A questão que se coloca é, pois, bastante elementar: como é que os Estados Unidos conseguem manter a sua moeda tão amplamente utilizada e quais são as consequências disso?
A resposta é simples.
Conseguem-no sobretudo através do controlo antidemocrático das organizações económicas internacionais e dos centros de decisão mundiais, para a partir daí imporem políticas que garantam a subjugação e a assunção do dólar como meio de pagamento e reserva internacional. Os países que se desviam deste “consenso” pagam caro por isso, como é sabido. Quando este controlo não é suficiente, os Estados Unidos recorrem a ameaças e mesmo a agressões militares ou a sanções de todo o tipo, mesmo que sejam contrárias não só ao direito internacional, mas também ao seu próprio direito interno.
Tentar organizar todas as economias em função dos interesses de uma potência imperial como os Estados Unidos só pode conduzir, como mostra a experiência, ao desequilíbrio e à desordem.
Os factos são claros. O período de domínio do dólar como moeda de eleição corresponde ao período de pior desempenho das economias ocidentais. As economias cresceram menos, a especulação generalizou-se, a dívida multiplicou-se exageradamente, a corrupção, a criminalidade financeira e a desigualdade aumentaram, a globalização multiplicou a insegurança, tudo isto conduziu a alterações climáticas que ameaçam a humanidade… e registou-se o maior número de crises da história. De acordo com um estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional, entre 1970 e 2017 registaram-se 461 crises (151 bancárias, 236 cambiais e 74 de dívida soberana).
Conta-se que o então secretário do Tesouro dos EUA, John Connally, disse aos ministros das Finanças dos outros países ocidentais com quem estava a negociar em 1971: “O dólar é a nossa moeda, mas o problema é vosso”.
Foram precisos mais de cinquenta anos para se perceber quanta verdade havia nessa afirmação e os danos globais causados pelo imperialismo monetário do dólar, e para se pôr em marcha provectos de criação de moedas de reserva muito mais seguras e favoráveis ao bem-estar e ao equilíbrio globais, descentralizadas, efetivamente apoiadas e orientadas para a promoção de um desenvolvimento abrangente, multilateral e governado em conjunto das economias e dos povos.
24/Setembro/2024
[*] Professor da Faculdades de Ciências Económicas da Universidade de Sevilha.
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