21.5 C
Brasília
sábado, 20 abril, 2024

O OLIGOPÓLIO DOS INSTITUTOS DE PESQUISA, A MÍDIA E A DEMOCRACIA

Por Leonardo Magalhães Firmino/Le Monde Diplomatique

Os grandes meios de comunicação se tornaram parceiros dos institutos de pesquisa tradicionais em uma época na qual estudar o clima de opinião era altamente dispendioso e complexo

Quem trabalha com pesquisas de opinião hoje, tanto no Brasil como em outros países da América Latina, sabe que há um embargo midiático para a publicação de pesquisas de opinião, superado somente pelos institutos tradicionais de demoscopia de seus respectivos países. Nos grandes meios de comunicação tradicionais, somente um círculo pequeno de institutos têm as portas sempre abertas para a divulgação de pesquisas de intenção de voto em eleições, ao passo que empresas menores ou mais recentes no mercado, com frequência, não conseguem publicar seus dados para o grande público.

Esta exclusividade em termos de espaço midiático não se sustenta por critérios de qualidade ou capacidade preditiva, já que institutos menores vêm demonstrando melhor desempenho que os tradicionais nas últimas eleições. Se trata de uma tradição que remonta a uma época na qual existiam somente tais institutos, o que nos dias de hoje não faz mais sentido. Tal reserva de espaço na mídia dificulta um livre mercado no campo da opinião pública, desestimula o aumento da qualidade das pesquisas, além de impedir que o público tenha acesso a uma maior pluralidade de fontes confiáveis de informação.

Unsplash

Os institutos de pesquisa tradicionais na América Latina nasceram e se consolidaram no século XX, quando havia pouquíssimas instituições com a capacidade técnica e intelectual para o árduo trabalho de entender o clima social de inteiras populações.

O século XX foi marcado por uma aceleração sem precedentes do desenvolvimento tecnológico e intelectual. Com a rápida mudança social, a política também se transformou, em especial, graças à crescente centralidade que os estudos de opinião ganharam ao longo do tempo. De fato, a politóloga da Universidade de Harvard Pippa Norris, afirma que um dos traços característicos da evolução das campanhas eleitorais ao longo do século XX é identificável, entre outras coisas, pela centralidade das pesquisas de opinião na política. A autora afirma que nas campanhas pré-modernas, os candidatos a cargos eletivos se apresentavam com propostas próprias e buscavam o consenso do público sem o uso de pesquisas. Segundo Norris, com o advento das campanhas pós-modernas nas últimas décadas, os políticos passaram a usar as pesquisas para entender os eleitores e, com isso, construir uma grande variedade de discursos personalizados, que se adaptassem a cada segmento do eleitorado. Esta é a razão pela qual os institutos de pesquisa afirmaram a sua centralidade, tanto para a política quanto para a mídia, orientando os vários públicos sobre corridas eleitorais e outras temáticas.

Os grandes meios de comunicação se tornaram parceiros dos institutos de pesquisa tradicionais em uma época na qual estudar o clima de opinião era altamente dispendioso e complexo. Contudo, hoje há diversas empresas no setor que conseguem rivalizar com os grandes institutos tanto em capacidade operacional quando em qualidade do ponto de vista da previsão eleitoral.

Recentemente assistimos à ascensão de novas empresas de pesquisa que, embora radicadas localmente e ainda relativamente pouco conhecidas na região, puderam demonstrar uma maior capacidade em termos de previsão eleitoral que os institutos tradicionais em diversos países. Um exemplo emblemático é o da empresa brasileira Atlas Político/AtlasIntel, que realiza pesquisas via coleta web. A empresa obteve o melhor desempenho nas eleições municipais das principais capitais Brasileiras em 2020. O site O Antagonista cita, por exemplo, a comparação entre o Atlas e o IBOPE e DataFolha nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Não obstante, alguns jornais brasileiros se recusaram a divulgar suas pesquisas por compromisso de exclusividade com os grandes institutos tradicionais. No caso do Brasil sabe-se que a grande mídia privilegia a divulgação de pesquisas do IBOPE e DataFolha.

Segundo os dados do agregador de pesquisas FiveThirtyEight, as tradicionais empresas de pesquisa YouGov, Gallup, Pew Research e Ipsos falharam enormemente na eleição presidencial nos Estados Unidos em 2020. Neste contexto, o Atlas e outros institutos menores foram os mais precisos nas previsões, mas nos EUA também houve resistência a que a mídia divulgasse pesquisas que não fossem realizadas pelos seus institutos favoritos. Além disso, não obstante o Atlas seja uma empresa brasileira, não houve qualquer menção na mídia nacional ao seu trabalho durante a cobertura da eleição americana. O que de fato ocorreu foi que os jornalistas brasileiros reproduziram o parecer da grande mídia americana de que todo os institutos daquele país teriam errado na previsão eleitoral, sem se preocupar em checar quem teria acertado os resultados.

Apesar da demonstração evidente de competência, esta e outras empresas do setor ainda enfrentam um certo grau de bloqueio à hora de divulgar suas pesquisas em alguns meios de comunicação, e o problema não afeta somente a América Latina.

O que está se produzindo neste contexto é uma enorme resistência por parte da mídia em entender que está ocorrendo uma renovação geracional no que se refere ao mercado das pesquisas de opinião. Dita resistência está reforçando o oligopólio da exposição midiática, no qual institutos de demonstrada capacidade preditiva não conseguem publicar suas pesquisas em certos meios por explícita decisão editorial em favor dos institutos tradicionais. Ao questionar alguns jornalistas sobre o assunto em diversos países da América Latina, eles alegam não poder divulgar dados de “outras” empresas de pesquisa por decisão editorial. Dita escolha, em alguns casos, está justificada por um acordo de exclusividade entre a mídia e o instituto e, em outros casos, por um sentimento de omertà, por temor a uma retaliação no acesso a futuros dados. Em outros casos, há uma clara e explícita orientação editorial em não divulgar pesquisas que possam “melindrar” alguma figura política ou partido específico. Há casos em que o meio afirmou temer retaliações de certos políticos no recorte de verbas publicitárias públicas caso os mesmos ganhassem a eleição.

Belén Amadeo e María Eugenia Tesio, da Universidade de Buenos Aires, realizaram um estudo sobre como a mídia Argentina lida com a publicação de pesquisas em 2015, citando as empresas como Poliarquía, Management & Fit e CEOP. O estudo revela que a mídia termina utilizando as pesquisas como ferramentas que reproduzem a postura editorial sobre certos candidatos, sem dar a devida profundidade técnica, que permita ao eleitor tomar decisões de maneira mais informada. Mais recentemente, segundo o jornal argentino El Claríno Atlas foi a única empresa a prever o resultado das primárias e da eleição presidencial argentina entre Maurício Macri e Alberto Fernández dentro da margem de erro no ano de 2019. Mas as suas pesquisas se tornaram conhecidas somente após a eleição ter acabado.

Segundo a cientista política equatoriano-brasileira María Villarreal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no caso do Equador segue-se uma linha mais voltada ao apoio ou oposição a certas forças políticas na escolha dos institutos a serem publicados, entre os quais destacam Cedatos, CELAG, Opecuador, Informe Confidencial y Market. A pesquisadora afirma ainda que, com o aproximar-se da eleição presidencial em fevereiro de 2021, já circulam na mídia pesquisas completamente contraditórias entre si sobre a intenção de voto do eleitor equatoriano.

No Paraguai, há o caso emblemático da empresa First Análisis y Estudios, tido como o instituto tradicional da grande mídia, que em 2018 publicou três estudos que foram considerados os mais confiáveis, mas que falharam com um erro de cerca 20% do resultado da eleição presidencial. O caso foi tratado pela jornalista Ana Rivas no capítulo intitulado “Paraguay 2018: turbulencia política, descrédito de encuestas y obsoleto mecanismo de elección”, no livro editado em 2018 pela fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, “Nuevas campañas electorales en América Latina.

O cientista político Alejandro Moreno do Instituto Tecnológico Autónomo de México, afirma que no seu país, as margens de erro foram gradualmente aumentando nas últimas duas décadas e que “caería bien un reemplazo generacional de encuestadores públicos”. O que o colega mexicano descreve é uma tendência em toda a região, onde o atual oligopólio de institutos de pesquisa dificulta os avanços profissionais necessários no campo da opinião pública.

Este panorama é nefasto para o desenvolvimento econômico, pois limita a liberdade de mercado, favorecendo a concentração e enfraquecendo a profissionalização. Além disso, o fato que a mídia continue preferindo os mesmos institutos que sempre erram em suas previsões, termina por minar a credibilidade de um inteiro campo profissional, alimentando fantasiosas teorias da conspiração. Do pondo de vista midiático, em tempos de pós-verdade, reproduzir dados que erram suas previsões não faz que incrementar a desconfiança nas instituições, em especial na própria mídia.

Além disso, alguns órgãos de mídia se demonstram pouco dispostos a realizar um debate aberto sobre a qualidade das pesquisas de opinião veiculadas por eles, comparando o desempenho de cada instituto com o fim de fomentar um incremento da qualidade do trabalho realizado pela transparência. Quem melhor do que o jornalismo para realizar um debate público sobre o desempenho comparado de cada instituto? A exposição pública de erros e acertos fomenta, pela competição no livre mercado, o aprimoramento da qualidade das pesquisas, além de informar o público sobre o assunto com a complexidade que o tema requer.

De modo geral, a qualidade da comunicação pública afeta diretamente a qualidade da própria democracia, como afirma em seus trabalhos acadêmicos a Prof.ª Maria Helena Weber, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A comunicação pública é a melhor fonte de informação disponível para que o público se oriente e tome decisões de natureza política. De fato, já foi demonstrado empiricamente por diversos estudos pelo mundo que as pesquisas de opinião têm a capacidade de influenciar o voto. Se pesquisas afetam o voto, é um dever da mídia, como guardiã da democracia, orientar o público sobre o desempenho dos institutos durante as eleições, publicando mais pesquisas desde diferentes fontes, para que o eleitor forme a sua própria opinião tendo à disposição toda a informação realmente disponível. Por último, em especial pelos tempos de “terraplanismo ideológico” que vivemos, é importante instaurar um debate sobre como trabalham os institutos e por que os resultados das pesquisas variam tanto entre eles.

*Leonardo Magalhães é pesquisador em comunicação política pela PUC-Rio, especialista em opinião pública e coordenador de projetos para a América Latina e Caribe no Atlas Político.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS