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quinta-feira, 28 março, 2024

O novo velho continente e suas contradições: A Rússia volta ao palco e quer protagonismo

Créditos da foto: (Reprodução/bit.ly/3boZGa6)

Os países que orbitaram em torno da antiga União Soviética continuaram de certa forma sob influência russa depois do colapso do regime. A crise com a Ucrânia motivada pela ocupação da Crimeia teve como principal causa o que o nacionalismo russo encarou como uma provocação: a adesão da Ucrânia ao tratado da OTAN, o que significou a colocação dos mísseis americanos às portas de Moscou


Desde os anos da Guerra Fria que o russos aparecem como os vilões preferenciais dos “thrillers” de Hollywood com temas de espionagem ou algum tipo de conflito internacional. Misteriosos, violentos e traiçoeiros, os perfis russos traçados nos roteiros da indústria do cinema cumprem o tradicional papel de eleger um inimigo comum para unir uma nação em torno do seu governo e dos interesses das classes que a dominam. Nos estúdios cinematográficos americanos produz-se uma eficiente propaganda que dá cobertura a grandes movimentos geopolíticos ou mercadológicos. Primeiro é necessário conquistar corações e mentes, como diz o conhecido enunciado estratégico do império do Norte.

A Rússia continua como a grande e misteriosa desconhecida perante a classe média estadunidense, aquela que votou e deu suporte a Donald Trump. A opinião pública que aplaude os movimentos militares em defesa das corporações e no ataque aos países detentores de fontes de energia a ser capturadas. Principalmente o petróleo, que ainda permanecerá por muito tempo como o mais importante combustível a mover o mundo.

São também muito sensíveis as relações da Rússia com a União Europeia. Os países do velho mundo refletem as posições e objetivos americanos nos quais continua em relevo a OTAN, o acordo de ataque e defesa herdado da Guerra Fria e que o governo russo considera uma ameaça armada da geopolítica do Ocidente.


(Natalia Kolesnikova/AFP)
Eurásia

Ocupando uma grande parte do continente fictício que foi denominado Eurásia, o que lhe garante localização privilegiada para exercer sua influência tanto na Ásia quanto na Europa, a Rússia marcou presença definitiva na história do Século 20. Foi palco de uma revolução social que influenciou a política de quase todos os países do mundo. A falência do seu regime, quase ao fim do século passado, significou outro marco histórico a provocar novo arranjo do tabuleiro geopolítico, o surgimento de novos países e, principalmente, o fortalecimento do império americano, que saiu vencedor do grande embate do século. Sem a competição e o desafio de um adversário, os EUA passaram a comandar o espectro de interesses que move o mundo e subordina as independências.

Metade das populações da Europa não considera a Rússia um país europeu, segundo uma pesquisa realizada pela empresa IFOP na França, Alemanha, Reino Unido e Polônia. Apenas na Polônia, a maior parte da população (77%) afirma que a Rússia pode ser considerada parte da Europa.

Os países que orbitaram em torno da antiga União Soviética continuaram de certa forma sob influência russa depois do colapso do regime. A crise com a Ucrânia motivada pela ocupação da Crimeia teve como principal causa o que o nacionalismo russo encarou como uma provocação: a adesão da Ucrânia ao tratado da OTAN, o que significou a colocação dos mísseis americanos às portas de Moscou.

(Reprodução/Wikipedia)

Desentendimentos

A Federação Russa e a União Europeia cultivaram relações cordiais até 2014 e desenvolveram juntas mútuos interesses comerciais, pesquisa científica e até a resolução de conflitos no Oriente Médio. A entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio contou com o apoio da Europa mas os desentendimentos começaram com a crise da Crimeia e o imediato alinhamento da União Europeia com a estratégia da OTAN e, em consequência, dos Estados Unidos. As relações vieram a piorar também com a vitoriosa intervenção russa na guerra da Síria em apoio a Bashar al-Assad, alvo de uma complicada guerra híbrida que envolveu praticamente todo o Oriente Médio.

As sanções europeias contra a Rússia incluíram medidas diplomáticas como a retirada do apoio a sua admissão na OCDE-Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Foi proibida também a entrada de alguns dos seus cidadãos na União Europeia e decretadas restrições gerais ao comércio. Mas a UE depende da energia fornecida pela Rússia, que por sua vez está fortemente ligada ao mercado europeu. A chanceler alemã Angela Merkel apoiou as sanções mas de forma a não comprometer o gasoduto Nord Stream 2 que vai duplicar o fornecimento de gás russo à Alemanha.

Um relatório do Serviço Europeu de Ação Externa acusou o Kremlin de ser responsável por uma campanha de fake news para gerar pânico e desinformação na Europa quanto à pandemia de Covid-19. A Rússia desafiou a Europa a apresentar provas dessa afirmação.

Na semana passada o ministro do Exterior russo Serguei Lavrov disse que seu país está disposto a romper relações com a União Europeia se novas sanções forem adotadas. A declaração foi feita depois de uma desastrada reunião de Lavrov com Josep Borrel, alto representante da Comissão Europeia. E diante das tensões pela prisão em Moscou de Alexei Navalny, um blogueiro e militante youtuber de 44 anos apresentado como líder da oposição e definido como um populista de direita. Três diplomatas europeus, representantes da Alemanha, Suécia e Polônia foram expulsos da Russia depois de terem participado de manifestações de protesto contra a prisão de Navalny. Em represália, cada um daqueles países expulsou um diplomata russo. Onze mil pessoas teriam sido também presas na repressão às manifestações de rua ocorridas em Moscou e outras cidades do país. O governo russo disse que essas manifestações foram articuladas de fora por interesses estrangeiros. Pela experiência que temos no Brasil, não é difícil acreditar nisso.

(Ramil Sitdikov/Reuters)

Alexei Navalny foi preso quando da sua chegada depois de cinco meses hospitalizado na Alemanha recuperando-se de um atentado por envenenamento e por ele atribuído ao Kremlin.

Putin

Em seguida aos governos erráticos de Boris Yeltsin, sustentados pelos novos magnatas enriquecidos no caos que se seguiu ao fim do regime comunista, a política russa passou a ser dominada por Vladimir Putin. Trata-se de um tenente-coronel que fez carreira na KGB, o serviço secreto da antiga União Soviética. No poder há 21 anos, exerce atualmente um terceiro mandato, a que somam-se mais quatro anos exercidos como primeiro-ministro durante a presidência de Dmitri Medvedev. A Putin é atribuída a volta à estabilidade política, o fim da crise dos anos 1990, o crescimento do PIB, o aumento geral dos salários e a queda nos níveis do desemprego e da pobreza. Seu partido Rússia Unida, por ele mesmo fundado, tem maioria absoluta na Duma, o parlamento, e lidera vários governos regionais.

O segundo maior partido do país, o PCFD-Partido Comunista da Federação Russa, tem acusado o governo de fraude nas eleições.

O governo de Putin goza de grande popularidade e aprovação. Tem estado no meio de episódios polêmicos, como o assassínio não esclarecido de alguns dos seus opositores. E também pela maneira inflexível com que tem tratado a oposição da Chechênia e a forma com que anexou a Crimeia à Federação Russa para “corrigir os erros da história”. Na contramão dos dogmas privatistas do Ocidente, tem fortalecido o papel do Estado na economia e não esconde o objetivo de resgatar a presença da Rússia como superpotência num cenário internacional hoje dominado pela China e Estados Unidos.

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