O novo AI-5, muito mais demolidor que o de 1968, pretende destruir partidos, lideranças, movimentos sociais, a Petrobrás, e entregar o pré-sal.
Beto Almeida
Há quase 4 décadas, o Brasil era golpeado pelo Ato Institucional número 5, uma medida de força imposta pela ditadura cívico-militar instalada em 1964, com o apoio ostensivo dos EUA. Tratou-se de nova fase daquele golpe, ampliando a repressão indiscriminada, fechando o Congresso Nacional, controlando os sindicatos, impondo censura.
Hoje, sem que haja num ato formal de um novo AI-5, estamos diante de uma sucessão de fatos e ações do governo Temer que indicam uma tendência de controle dos movimentos sociais, dos partidos políticos, do Congresso Nacional, do Judiciário e dos meios de comunicação por um núcleo de poder invisível. Mas, essa estratégia de controle e silêncio das vozes discordantes não está sendo operada por uma Junta Militar, não tem o mesmo formato, mas revela-se uma modalidade mais sofisticada de amordaçamento da sociedade. E pior, os objetivos são muito mais amplos e mais devastadores do que aqueles expostos no AI-5 de dezembro de 1968.
Naquele ano de 68 que ainda não terminou, os opositores do regime passaram a ser perseguidos e caçados furiosamente, a tortura e as execuções, justificadas sob qualquer pretexto, dizimaram várias organizações de esquerda, desarticularam o Movimento Estudantil e aprofundaram o controle ao movimento sindical. No campo, líderes sindicais continuaram a ser cassados e assassinados impunemente. Até mesmo integrantes da ala progressista da Igreja Católica, que havia apoiado o golpe de 64, – como atesta depoimento do Cardeal Dom Evaristo Arns em documentário da TV Senado – conheceram as prisões, a tortura e a morte, como padres que assessoravam Dom Helder Câmara. Intelectuais e artistas foram censurados, presos ou exilados. Havia medo, delatores estavam infiltrados nos movimentos de esquerda, nas universidades, nos sindicatos. Em casos dramáticos, alguns exilados que voltaram clandestinamente ao país foram delatados por agentes como Cabo Anselmo, que estava em Cuba, e conduzidos ao alcance fatal de seus carrascos.
O novo AI-5 não é um único ato formal; É um conjunto de ações, que tendem a se estruturarem, e que, de modo sofisticado, tendem a produzir, gradativamente, uma escalada de controle de atividades importantes para a democracia, por mais formal e limitada que seja a democracia num país de capitalismo dependente. E, este controle, tem se revelado crescentemente mais sofisticado e mais eficiente. Para comprovar, basta verificar que uma presidente legitimamente eleita, sem qualquer comprovação das acusações que lhe foram feitas. Para este golpe de estado, ficou comprovado o controle sobre parcela determinante do Judiciário, especialmente sobre o STF; sobre o Parlamento, que agachou-se indecentemente ante uma fraude; do Ministério Público e da Polícia Federal, ambos atuando como agentes políticos em sintonia com a derrubada do governo eleito e, por fim, uma estridente manipulação midiática das empresas concessionárias dos serviços de comunicação de massa, que violentam a Constituição ao trabalharem para anular um dos pilares do Estado de Direito, o voto popular!
Muito mais devastador que o AI-5
Certa feita, Fidel Castro analisou as ditaduras brasileira e argentina, diferenciando-as. Para ele, enquanto a ditadura Argentina era oligárquica e desindustrializante, a ditadura no Brasil tinha uma característica estatizante. Essa ponderação de Fidel contribui para compreender o caráter ainda mais perversos dos planos que estão sendo aplicados pelo governo Temer, mais desastroso, em sentido histórico, que as medidas contidas naquele AI-5.
Com todo seu conteúdo criminoso, ditatorial, reacionário, o AI-5 não inaugurava, em 1968, uma política com tendência de volta à República Velha. Ao contrário, excluindo o fim da estabilidade empregatícia, em linhas gerais, o regime cívico-militar iniciado em 64 não operou pela demolição da CLT ou da Previdência Social, muito menos das empresas estatais, como a Petrobrás. Ao contrário, esta, mesmo sob uma orientação autoritária, foi fortalecida, teve ampliadas as suas operações, interna e externamente, tendo contribuído decididamente para a descoberta de petróleo no Iraque. Fatos como este explicam o porquê de vários conflitos dos governos militares com os EUA. Além disso, novas empresas estatais foram criadas durante do regime militar, numa linha diversa das políticas implantadas pelos governos FHC e, agora de Michel Temer. O primeiro declarou abertamente pretender “Destruir a Era Vargas”. Já Temer, está indo ainda mais longe, quer um retrocesso efetivo à República Velha, destruindo por inteiro o que foi construído pela Era Vargas, expandido pelos governos JK e Jango, e, de forma contraditória pela própria ditadura.
Deve-se mencionar que nem mesmo o governo Sarney teria privatizado aquela base instalada a partir da Revolução de 30. Ao contrário, Sarney colocou em seu Ministério varguistas como Celso Furtado, Renato Archer, tendo criado o Ministério da Reforma Agrária, e criado o Mercosul. Lula e Dilma alavancaram de forma decidida instrumentos criados na Era Vargas, como a Petrobrás e o BNDES, e, contrariando as próprias críticas petistas de antes à CLT, a expandiram, bem como à Previdência e ao SUS, por meios de muitas políticas sociais, entre elas o Mais Médicos.
Temer : a nova cara da República Velha
Michel Temer tem a cara da República Velha. Ele personifica a Contra-Revolução de 1932, chamada , indevidamente de Constitucionalista, mas, na verdade, uma iniciativa da oligarquia, patrocinada pelo império, para sabotar no nascedouro a Revolução de 1930. A proposta de reforma da previdência, por exemplo, é um retrocesso desastroso, abrindo caminho para a privatização de uma instituição previdenciária fundada na Era Vargas e expandida por JK e Jango. O AI-5 agora é invisível, opera de forma dissimulada, mas de modo eficaz. Lança-se um mantra, “Previdência é Deficitária”, e por meio de um dilúvio de falsas informações, impede-se o conhecimento da realidade objetiva do sistema previdenciário, que é superavitário. Avalanche de desinformações é a nova forma da censura.
Já se delineia, no núcleo mais maligno do governo Temer, uma reforma trabalhista que tem por objetivo esquartejar a CLT, o que o regime militar não colocou em pauta. A prevalência do negociado sobre o legislado, é um golpe mortal aos trabalhadores, ao próprio Parlamento, que renunciará a uma de suas funções, conduzindo o país uma precarização haitiana.
Fora isto, o mais grave deste novo AI-5 chamado Michel Temer, muito mais demolidor que aquele de 1968, é que pretende também destruir partidos, destruir lideranças como Lula, movimentos sociais, destruir a Petrobrás, já entregou o petróleo pré-sal, os gasodutos e vai cometendo o crime da demolição da engenharia nacional, assessorando o objetivo imperial de paralisar produtivamente o Brasil, o que já foi desgraçadamente alcançado, em boa medida, pela Operação Lava Jato, que representa a faceta mais determinante do golpe, em sua conexão internacional.
É bem verdade que naquele Ai-5 de 1968 o regime militar passava a nova escala de repressão, mas, ao mesmo tempo, ampliava a expansão de iniciativas nacionalistas, com o despontar de setores representados pelos generais Albuquerque Lima e Andrada Serpa (definição de nova fronteira marítima, resultado já das informações sobre a existência de um riqueza petroleira submarina descomunal). Agora, com o novo AI-5 Temer, a Petrobrás está sendo demolida e privatizada, o Almirante Othon, detentor de informações estratégicas sobre nova tecnologia nuclear, encontra-se preso, e resistindo a ameaças, bem como encontram-se presos vários dos empresários que operaram, em aliança com governos liderados pelo PT, inúmeras obras indispensáveis a autonomia e a soberania do Brasil. O regime militar não chegara a tanto….
União cívico-militar
Tal situação convoca a uma rediscussão de muitas avaliações feitas por alas da esquerda sobre a Era Vargas, tomando como exemplo a revisão já feita por Lula a respeito do gaúcho que nos legou a CLT, a Previdência, a Petrobrás, o BNDES. Ou, como disse recentemente Marco Aurélio Garcia, no Encontro Nacional Muda PT, o partido deve tomar plena consciência de que é também um partido nacionalista, que deve se sentir responsável por preservar conquistas que tiveram origem no período nacional-desenvolvimentista, o que implica a necessidade uma política mais adequada para estruturar uma aliança cívico-militar com capacidade de resistir e derrotar os autores do Novo e Demolidor AI-5, monitorados por círculos imperiais estrangeiros.
Beto Almeida, jornalista
Créditos da foto: Beto Barata/PR
Fonte: Carta Maior