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Pedro Augusto Pinho*
“Ah! Eu vejo agora a figura solene da Pátria, que assoma ante a mente respeitosa. Traz lágrimas nas faces e luto dentro da alma.” (José de Alencar, Cartas de Erasmo, janeiro de 1866, “Ficção Completa e Outros Escritos”, Companhia Aguilar Editora, RJ, 1965, três volumes).
Donald Trump nos faz lembrar o grande comediante da televisão brasileira Abelardo Barbosa, o Chacrinha. É dele a expressão: “eu vim para confundir, não para explicar”. Cai como uma luva nas palavras e ações do recém-eleito presidente estadunidense.
Por todo século XX, as finanças lutaram para assumir o poder conquistado pela industrialização em meados do século XIX. Porém seria esta apenas uma disputa inglória dentro do mundo capitalista?
Passada a ameaça nazifascista alemã, as finanças se concentraram no combate ao comunismo. Este o mote prolongou-se desde 1917 até 1991. Quando ocorreu “o fim da história”, em face do domínio capitalista financeiro. No entanto, de tal modo obteve êxito o anticomunismo que ainda hoje, em pleno século XXI, há quem considere tratar-se do maior problema brasileiro, como o senador general Hamilton Mourão (1953).
Porém este triunfo financeiro não resolvia os graves problemas humanitários: a pobreza, a exclusão, a falta de todo tipo de assistência que grassa pela quase totalidade dos habitantes da Terra. Ao contrário, aguçava as diferenças e segregava ainda mais um núcleo cada vez menor dos que eram denominados anteriormente milionários, logo depois ainda mais restritos dos bilionários e hoje trilionários, mostrando claramente o objetivo concentrador de riquezas e de ganhos das finanças apátridas.
A concentração de renda, por outro lado, torna difícil entender a pluralidade da pobreza dos lados humildes, que se estendem muito além das variações econômicas, invadindo questões sociais, culturais, civilizacionais…
O Brasil de 1980 não era apenas mais rico do que o Brasil de 2025, tinha maior perspectiva como nação soberana, a população tinha mais diversidade para escolha de empregos, a vida maior segurança e o conhecimento abria portas para aumentar as análises da própria vida humana e do planeta.
É óbvio que um regime militar autoritário, com elementos de extrema direita no poder, também permitia a existência do mais indesculpável ato de qualquer governo, a tortura, e de assassinatos com desaparecimento dos cadáveres. Mas não é correto simplificar estes governos nacionalistas e desenvolvimentistas pelas torturas e mortes ocorridas no seu tempo. Acaso as de hoje, que persistem, pois os elementos de extrema direita continuam fazendo parte do poder, caracterizam os governantes de 1985 a 2025?
O mundo deste século XXI é múltiplo. O próprio mundo neoliberal esta se decompondo, não guarda homogeneidade pelas próprias características de abundâncias e carências dele decorrentes.
Observe-se a União Europeia (UE) e a moeda “euro”, que eram sinônimos de um continente unido em torno dos mesmos valores e propósitos. Hoje em desagregação, o euro, que nem entrou no Reino Unido, em breve deixará de ser a moeda nacional de muitos países europeus. A Alemanha sofrendo insuficiência de energia para acompanhar a UE, certamente levará seu povo a optar prioritariamente pelo suprimento de energia do que uma união que agora o prejudica.
Cada vez mais as características geológicas, geográficas, culturais levarão à fragmentação mais do que à junção de povos e países.
E a ignorância, que sempre foi mantida como projeto de poder das minorias, passa a criar o fabulário, a mentira que se transforma em verdade doutrinadora.
Veja-se a “questão climática” que está associada ao controle das fontes primárias de energia.
Estas fontes primárias de energia são: as águas fluviais, a biomassa, e os elementos fósseis: carvão mineral e petróleo (óleo e gás natural). Primitivamente, o homem sem capacidade de produzir energia destas fontes, usava as fontes intermitentes do Sol e dos ventos. Mas não tinha como desenvolver uma sociedade com energias não armazenáveis e de produção fora do controle humano.
As águas fluviais foram a primeira energia que o homem controlou para desenvolver seu sistema produtivo. As fósseis, conhecidas a partir de meados do século XVIII, provocaram uma revolução na sociedade, denominada Revolução Industrial. Temos, por conseguinte, 275 anos aproximadamente da Era Industrial, com o carvão mineral e o petróleo.
Examinemos outra questão que está muito relacionada à energia: as eras glaciais e interglaciais no planeta Terra.
Nosso planeta já teve pelo menos cinco grandes eras glaciais. A mais antiga ocorreu há mais de dois bilhões de anos e a mais recente há cerca de três milhões de anos. Entre estas eras glaciais temos as interglaciais; fases do intervalo geológico caracterizado por temperaturas médias mais quentes que separam os períodos glaciares.
O período holocênico, que vivemos atualmente, é considerado um período interglacial (pós-glaciar), que persiste desde há cerca de 11.400 anos. Há 120 mil anos atrás, tivemos o último período interglacial mais conhecido e mencionado na literatura, onde a temperatura estava um pouco abaixo da temperatura atual.
Estes períodos glaciais e interglaciais foram responsáveis pelas condições climáticas que resultaram na formação do homem (homo sapiens), no leste da África, na ocupação humana por todo globo terrestre, na formação dos rios, onde surgiram as primeiras aglomerações que se constituíram cidades, como Lagasch, Ur, Irish, e nas terras férteis para sustentar a população etc.
A última glaciação, Würn, alongou-se, conforme dados geológicos, por 150.000 anos, foi a de menor duração e ocorreu cerca de um milhão de anos antes do surgimento de Lucy, australopiteca encontrado na Depressão de Afar, na Etiópia, denominada “mãe da humanidade”.
Vivemos o intervalo interglacial, com degelos polares, temperaturas elevadas e diversas outras manifestações trazidas pela órbita solar e pelas consequências nas movimentações das placas tectônicas e no magma terrestre.
Atribuir a variação climática, vivida em partes da Terra, ao fenômeno socioeconômico de menos de 300 anos é verdadeiro deboche de quem veio “para confundir”.
Mas é o mesmo fabulário que narra a construção dos Estados Unidos da América (EUA), a democracia do neoliberalismo, e outros engodos que ajudam à exploração do homem pela nova escravidão dos ubers, dos microempresários individuais (MEIs) e dos relacionamentos trabalhistas ao arrepio das legislações.
ENTENDER A MULTIPOLARIDADE
Marco Antonio Rubio (Miami, 1971) é cubano-estadunidense, membro do Partido Republicano, pelo qual atua como político, designado por Donald Trump para Secretário de Estado dos EUA.
Instigar a rivalidade dos EUA com a República Popular da China (China) parece ser seu principal trabalho.
Em 7 de fevereiro de 2025, sexta-feira, o Ministério das Relações Exteriores chinês (MRE chinês), conforme divulgado pela rede do Sputnik, afirmou que Marco Rubio buscava semear, com “observações falsas” a “discórdia entre a China e os países latino-americanos” no que constituía uma “interferência nos negócios internos da China” violando os direitos e os interesses chineses.
O MRE chinês apontou que a “cooperação nos negócios entre Pequim e a América Latina não impõe condições, não é direcionada contra outros países e é vantajosa para ambas as partes”.
A ação do secretário estadunidense e a resposta da diplomacia chinesa sintetizam as diferentes perspectivas dos EUA e da China quanto às relações com demais países.
Os EUA convicto da unipolaridade imperial, no direito, sabe-se lá como obtido, dos EUA imporem sua vontade pelo mundo, como se demonstrou recentemente (fevereiro de 2025) em relação ao Panamá, obrigando aquele país centro-americano de sair da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês).
Especificamente para América Latina e o Caribe, o BRI oferece condições vantajosas para: investimentos em infraestrutura, indústria e serviços, salto econômico baseado na sustentabilidade ambiental e criar um futuro próspero, compartilhado entre a China e a América Latina.
Nas relações multipolares, como dos países participantes do BRI, não existem imposições de qualquer natureza, nem de abraçar definições políticas comuns, como se vê nas diversidades entre Áustria, Burundi, Costa Rica, El Salvador, Gana, Honduras, Irã, Kuwait, Luxemburgo, Marrocos, Nova Zelândia, Portugal, Rússia, Sudão, Tailândia e Venezuela, nem comungar das mesmas profissões de fé religiosas (islâmicos, católicos, protestantes, ateus), opções econômicas ou qualquer outro tipo de identidade. O que prevalece é a soberania dos estados que se respeitam mutuamente e buscam melhorias para as partes.
Tanto é assim que não existem assembleias ou comitês dirigentes. A quase totalidade das relações entre os membros do BRI são bilaterais.
Enquanto na unipolaridade que já foi da religião católica, do Império Britânico, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e neste último século estadunidense, há sempre a imposição de um Estado sobre os demais. No caso religioso, tem-se o exemplo do Estado que era o da residência do Papa e perdurou toda Idade Média ocidental.
Atualmente 149 países pertencem à Iniciativa do Cinturão e Rota: África – 53; América Latina e Caribe – 21; Ásia Central – 6; Europa – 29; Leste Asiático – 3; Oriente Médio – 9; Pacífico – 12; Sudeste Asiático – 10 e Sul da Ásia – 6 países.
A Rota da Seda, melhor se diria, as rotas da seda antecederam o cristianismo e interligaram o extremo oriente à Europa. Constituíam-se de uma série de rotas através da Ásia meridional e central, usadas no comércio da seda e outras mercadorias entre o Oriente, a Europa e o Oriente Médio.
Os carregamentos eram transportados por caravanas e embarcações oceânicas que ligavam comercialmente o Extremo Oriente e a Europa. Esses percursos foram estabelecidos a partir da Ásia e foram fundamentais para as trocas entre os continentes até a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Sua influência expandiu-se até à Coreia e ao Japão. Formou a maior rede comercial da Antiguidade e da Idade Média.
Foi na perspectiva do desenvolvimento recíproco pelo comércio, que o Presidente Xi Jin Ping, na sua primeira eleição para esta função, propôs, em 2013, uma “Nova Rota da Seda”, a “Iniciativa do Cinturão e Rota” (BRI).
BRI e outras iniciativas como os BRICS têm sido os esteios de um novo mundo, o mundo multipolar, respeitando as individualidades e as opções de governança e culturais que cada país livremente escolhe. Além deste aspecto civilizatório, a multipolaridade respeita as condições naturais, a geografia física formadora da nação. Não impõe nem veta suprimentos energéticos por força do controle das energias primárias.
Enquanto a unipolaridade procura destruir os Estados Nacionais sob o domínio neoliberal das finanças e o inexistente “mercado”, livre e democrático (sic), a multipolaridade os fortalece como legítimo representante do País.
Embora os EUA se apresentem como criadores, formadores e condutores da unipolaridade, eles apenas são uma plutocracia executora dos interesses financeiros apátridas.
Há todo um sistema trabalhando pela unipolaridade, enquanto a multipolaridade, apesar do nobre objetivo do desenvolvimento da sociedade mundial, não articula ações conjuntas. É a coerência dos respeitos às opções individuais. Já a unipolaridade, malgrado o discurso pela democracia e liberdade, é efetivamente um sistema opressor como se denunciará a seguir.
GUERRA COMO PODER
Assinantes da Biblioteca do Exército receberam com estranheza os três últimos volumes de 2024 tratando, sob diversas vertentes, da privatização das Forças Armadas. Parece incongruente, senão agressivo, considerando que grande parcela dos assinantes são militares.
Ana Livia Esteves, em artigo publicado no Telegram (7/2/2025), com título “Guerra às drogas de Trump aumenta chance de ação militar na América Latina” esclarece ser um projeto da empresa privada para ações militares “Blackwater”. Esta empresa tem suas façanhas relatadas em “O Mercenário Moderno”, de Sean McFate, com subtítulo “Exércitos Privados e o Que Eles Significam para a Ordem Mundial”, distribuído pela Biblioteca do Exército em 2024.
É muita coincidência até para quem escreve carta ao Papai Noel e acredita que o coelhinho da Páscoa bota ovo de chocolate.
Ousamos afirmar que desde a vitória parcial das finanças, com as desregulações financeiras dos anos 1980, com a divulgação e imposição da nova Bíblia neoliberal do “Consenso de Washington” (1989) e com a intensa corrupção que levou ao fim a URSS, em 1991, tem-se organizado como apenas se conhecia em ficção – “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, ícones das distopías – o sistema plutocrático mundial para eliminar, pelas pestes (covid), pela fome (República Centro-Africana, Chade e República Democrática do Congo) e pelas guerras, grandes parcelas da população mundial.
O genocídio que o governo de Israel provoca no Oriente Médio, sobretudo de palestinos, tem apoio estadunidense e dos plutocratas europeus.
Do artigo de Ana Livia Esteves, já referido: “Fundador da empresa militar privada Blackwater quer carta branca para atuar contra cartéis na América Latina. Apesar da retórica antidrogas, PCC e Comando Vermelho podem estar fora do radar de Washington, acreditam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, engrossam o coro em favor de maior intervenção na América Latina para conter a ação de grupos narcotraficantes. O senador trumpista Mike Lee propôs o uso de cartas de corso para que empresas privadas norte-americanas se engajem no combate ao narcotráfico em busca de lucro fiduciário”. Morte e lucro!
A multipolaridade é a resposta que o mundo pode dar a este assassinato promovido pelos trilionários de moedas virtuais e de títulos sem lastro.
Estas ideias que a nós, população que vive do trabalho, espera a proteção do Estado para saúde e segurança, que entende ser a instrução o modo de melhorar a vida de cada geração, nem pode imaginar quão distante está no tempo e dos propósitos as ideias dos plutocratas.
Apenas concluindo com um exemplo, trata-se do parisiense Raymond Roussel. Sua família dominava os transportes franceses e era fabulosamente rica. Ele passou a vida no ócio, apenas interessado num reconhecimento de talento musical e literário que não possuía e que o levou à depressão e suicídio, após uma vida solitária, aos 56 anos.
O Brasil não pode titubear, seu destino é ser a nação da qual se orgulhem os seus nacionais, aqueles que nela vivem em condições verdadeiramente humanas, tendo instrução, trabalho, saúde, diversão e segurança para si e seus descendentes.
Não hesite Presidente, peça desculpas aos venezuelanos e diga não à unipolaridade financeira.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.