Alguns aspectos de um problema com múltiplas causas – a queda de popularidade de Lula e de seu governo, atestada pelas pesquisas Quaest e Ipec – passaram batidos pela grande maioria dos analistas de todas as inclinações políticas.
Em entrevista a Luis Nassif, na TV GGN, a jornalista Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), disse que um monitoramento feito pela instituição nas redes sociais de grupos religiosos, da extrema direita ou de hegemonia conservadora, de janeiro para cá, mostra um crescimento considerável na produção e disseminação de informações falsas, vinculando o governo e o PT à liberação de drogas e à descriminalização do aborto, entre outras fake news.
Para a pesquisadora, portanto, é uma avaliação simplista atribuir o aumento da rejeição a Lula entre os evangélicos apenas às declarações do presidente comparando o genocídio dos palestinos ao extermínio de judeus por Hitler. Magali apresenta um dado importante e positivo captado pela pesquisa Quaest sobre o conflito em Gaza: em outubro, 52% dos brasileiros eram favoráveis a Israel, mas agora, depois de mais de 30 mil mortos, esse percentual caiu para 39%.
Fiz algumas reflexões políticas sobre as pesquisas Quaest e Ipec:
1) A máquina cultural da extrema-direita envenenou a metade da população brasileira contra os valores caros aos setores progressistas. Daí o não reconhecimento das inúmeras realizações do governo aferido pelas pesquisas. Esse contingente compartilha da realidade paralela em que vivem os fascistas e enxerga desemprego, quando as taxas são as menores desde 2014; queda no poder aquisitivo, quando a renda do trabalho teve a maior alta desde o Plano Real, o salário mínimo teve dois aumentos reais e a tabela do imposto de renda voltou a ser corrigida; e aumento dos preços, quando a inflação segue em baixa.
2) A comunicação do governo tem falhas óbvias, mas o x da questão está na decisão política do que comunicar. Nos governos Lula 1 e Lula 2, bastava informar sobre os avanços, conquistas e realizações do governo para a popularidade vir automaticamente. Os tempos são outros, e não são de paz. Reconhecemos que a Secom tem limites institucionais, mas as peças de comunicação governamental, bem como os anúncios oficiais dos feitos da gestão, teriam outro impacto se dedicassem uma parte à luta ideológica, à disputa por corações mentes.
3) Estamos perdendo de goleada o debate sobre segurança pública. Todos os levantamentos revelam que as pessoas não suportam mais o roubo de seus celulares e de seus carros, os assaltos a transeuntes até à luz do dia, sair para trabalhar sem saber se voltam para a casa, os golpes pela internet que batem todos os recordes. Assunto extremamente complexo, o mínimo que se espera das lideranças políticas do campo popular, enquanto a esquerda não avança em formulações mais acabadas e abrangentes, é partir, por um lado, para o ataque contra a extrema-direita e expor o fracasso de sua política de extermínio e guerra às drogas, e, por outro, se solidarizar efetivamente com as vítimas da criminalidade galopante.
4) Como leigo no assunto, não sei como fazer, mas é preciso criar mecanismos para que os preços nas prateleiras dos supermercados caiam com uma velocidade maior. A dona de casa tem que perceber que comer está mais barato e que isso está fazendo a diferença no orçamento familiar. Se é verdade que os preços da alimentação vêm caindo, como revelam as pesquisas, também é inegável que a diminuição ainda não se dá em nível suficiente para melhorar o humor das pessoas. De forma rudimentar, sei que estoques reguladores, investimento em agricultura familiar e nas grandes safras de grãos ajudam. Por outro lado, a pandemia e os fenômenos climáticos desarranjaram de forma profunda a cadeia de produção do setor. Nem pensar em tabelamento de preços, caminho curto para crises de abastecimento, mas está aí um enorme desafio a ser enfrentado e vencido.
5) A imprensa comercial está aquecendo baterias para mergulhar de vez no jornalismo de guerra contra Lula, o governo e o PT. Cresce de importância, neste momento, a adoção de uma providência simples: a nomeação de um porta-voz do governo, que se encontraria com os jornalistas diariamente, não deixando ataques sem respostas e apresentando as versões do governo para os fatos. Barack Obama colheu ótimos resultados com a rotina criada por seu porta-voz Josh Earnet, que reunia a imprensa todos os dias, às 11h da manhã. No Brasil de hoje, isso aliviaria o presidente Lula, um comunicador genial, mas que não pode carregar sobre seus ombros o peso quase exclusivo de falar ao povo brasileiro.
6) Em relação à tão pregada necessidade de o PT voltar as bases e influir diretamente na vida do povo, o buraco é bem mais embaixo. Será que o povão das favelas e bairros pobres quer ouvir o partido? As igrejas neopentecostais e o funk já não teriam espaço consolidado na preferência dos milhões de brasileiros dessas comunidades? Talvez a cultura seja uma saída para se buscar a reaproximação. Só sei que é preciso tentar. A agenda do PT não pode se limitar a discussões de governo e aos preparativos para a participação do partido na eleição seguinte.
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