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sexta-feira, 14 novembro, 2025

O imperador do mundo

Por Frei Betto

Prensa Latina – A guerra é como Jano: tem múltiplas facetas. Além dos meios militares, ela também ocorre por meio de canais diplomáticos, econômicos, políticos e culturais. A guerra cultural consiste em impor a versão dos eventos do dominador aos dominados. É isso que as indústrias de entretenimento Disney e Hollywood sempre fizeram.

Agora, Trump está declarando guerra econômica ao Brasil, prometendo que, a partir de 1º de agosto, imporá tarifas de 50% sobre produtos brasileiros importados para os Estados Unidos se o caso contra Bolsonaro, que ele chama de “caça às bruxas” (perseguição política), não for imediatamente arquivado.

Essa interferência imperialista no judiciário brasileiro (oito ministros da Suprema Corte estão impedidos de entrar nos Estados Unidos) estabelece apenas um precedente sério em mais de 200 anos de relações entre os dois países: o golpe de Estado de 1964, que derrubou o presidente constitucionalmente eleito, João Goulart, e impôs uma ditadura militar que durou 21 anos.

Como Lula disse à CNN nos Estados Unidos em 17 de julho, Trump “não foi eleito para ser imperador do mundo”. Mas é assim que se sente governar a maior potência econômica, militar e industrial da história.

Em 25 de junho, a cúpula da OTAN em Haia, com a presença de Trump, foi submetida às determinações dos EUA: a Europa deve aumentar seus gastos militares para financiar o escudo protetor de Washington em todo o continente.

Os países da OTAN, que atualmente gastam US$ 2,7 trilhões em guerras, concordaram formalmente em aumentar os gastos militares para 5% do PIB até 2035. Com esse aumento no PIB, o valor da cornucópia militar aumentará para US$ 3,8 trilhões.

Em 2024, os gastos militares globais totalizaram US$ 3,7 trilhões. O orçamento da ONU, incluindo o destinado à manutenção da paz global, foi de US$ 3,72 bilhões, representando apenas 0,1% do orçamento global de armas.

Outro alvo dos ataques de Trump ao Brasil é o Pix, o sistema de transações financeiras mais avançado do mundo, gratuito para pessoas físicas. Por que o “imperador do mundo” está tão irritado com o aplicativo?

O Pix compete diretamente com poderosas empresas americanas: grandes empresas de cartão de crédito, serviços de pagamento como o PayPal e empresas de transferência de dinheiro que temem a futura integração global de sistemas semelhantes ao Pix do Brasil (algo muito mais viável do que a “moeda dos BRICS”).

O Pix faz tudo o que essas empresas fazem, exceto cobrar de pessoas físicas (apenas pessoas jurídicas, conforme o contrato). E é isso que Trump, um lobista dos players dominantes do mercado, quer fazer: substituir o Pix gratuito por empresas americanas que vão tirar uma parte do dinheiro dos brasileiros por meio de comissões e anuidades. Além de exercer controle sobre nossas finanças.

Após a queda do Muro de Berlim e a desintegração da União Soviética, os Estados Unidos abraçaram com entusiasmo a doutrina que sempre motivou sua postura imperialista: “Destino Manifesto”. A frase foi cunhada pelo jornalista John L. O’Sullivan em 1845, quando ele argumentou que o país tinha o direito, e até mesmo o “dever divino”, de expandir seu território, incutindo democracia, progresso e valores cristãos em outros povos. Em suma, o dever de civilizar o continente americano. Essa ideia, mais tarde, abrangeu todos os países e hoje significa fazer o planeta girar em torno dos ditames da Casa Branca.
Dentro dessa ideia imperialista, cultivava-se a crença de que os anglo-saxões brancos eram superiores e, portanto, tinham o direito de dominar os povos indígenas, latino-americanos, africanos e asiáticos.

Uma das imagens mais icônicas do “destino manifesto” é a pintura de John Gast de 1872, “Progresso Americano”, exibida no Museu Autry do Oeste Americano, em Los Angeles. A figura central, “Columbia” (a personificação feminina dos Estados Unidos), carrega um livro e fios telegráficos, simbolizando conhecimento e tecnologia. À esquerda, escuridão: nativos americanos, búfalos e paisagens acidentadas. À direita, luz: colonos, ferrovias, navios: “progresso”. Significa a marcha da civilização para o oeste, repelindo tudo o que é “bárbaro”.

A prova de que Trump é a própria personificação de “Columbia” (a versão feminina de Colombo, “descobridor” do Novo Mundo) é sua audácia, em meio à sua intervenção na economia e no sistema judiciário brasileiros, em ordenar que seu encarregado de negócios no Brasil, o embaixador Gabriel Escobar, informasse às autoridades brasileiras em 23 de julho que os Estados Unidos estão interessados nos minerais e terras raras essenciais do Brasil.

Minerais críticos incluem nióbio, grafite, níquel, cobalto, lítio e cobre. Terras raras são um grupo de 17 elementos químicos da tabela periódica, que inclui 15 lantanídeos, além de escândio e ítrio. Na verdade, elas não são “terras”; são minerais complexos, como bastnasita, monazita, xenotima e lateritas ricas em ítrio, usados na tecnologia moderna. O termo “raro” é usado devido à dificuldade em separá-los e purificá-los, visto que frequentemente ocorrem juntos em minerais complexos. Em suma, o termo “terras raras” reflete a dificuldade de extração e purificação desses elementos, não sua escassez em si.
Terras raras são essenciais para a fabricação de ímãs permanentes de alta potência usados em turbinas eólicas, veículos elétricos, eletrônicos e equipamentos militares. Elas também são usadas em catalisadores, baterias, lâmpadas, polimento, vidros especiais, fibras ópticas e aplicações médicas.

No final das contas, Trump adota o axioma “Make America Great Again” (MAGA), que implica retornar ao imperialismo mais feroz para garantir a supremacia americana em todas as esferas e punir qualquer “país desonesto” que se recuse a adotar as políticas de globalização, neoliberalismo e tutela americana.

Assim como o genocídio de palestinos em Gaza pelo atual governo israelense alimenta o antissionismo em todo o mundo, a natureza imperialista do governo Trump reforça uma visão crítica dos Estados Unidos e do capitalismo. Nem tudo é ruim.

*Betto, Frei Escritor brasileiro e frade dominicano, internacionalmente conhecido como teólogo da libertação, Frei Betto é autor de 60 livros em diversos gêneros literários — romances, ensaios, contos policiais, memórias, textos infantis e juvenis e temas religiosos. Ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti, a maior premiação literária do país, em 1985 e 2005. Em 1986, foi eleito Intelectual do Ano pela União Brasileira de Escritores. Leia mais… Assessor de movimentos sociais como as Comunidades Eclesiais de Base e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tem se envolvido ativamente na vida política brasileira nas últimas cinco décadas.

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