Por Luis Manuel Arce * México (Prensa Latina) Os danos que a Covid-19 causa à economia mundial ainda não foram avaliados e não há cálculos definitivos, mas são comparados ao colapso bancário de 1929 e os especialistas preveem efeitos piores e mais duradouros.
Para o presidente mexicano, a pandemia não é a causa da crise econômica, mas uma consequência do colapso de um modelo fracassado que esgotou suas possibilidades de criar bem-estar social. Ele concorda com os que consideram o neoliberalismo uma fase de um processo mais geral do mercado mundial que entrou em crise e vai forçar a busca de um substituto. É a busca desse novo caminho que está marcando uma mudança de época.
O jornal britânico The Financial Times, abertamente neoliberal, publicou recentemente um editorial no qual aceita o colapso deste modelo econômico, e o explica desta forma:
‘São necessárias reformas radicais para forjar uma sociedade que funcione para todos’. ‘Os governos terão que aceitar um papel mais ativo na economia. Como os líderes ocidentais aprenderam na Grande Depressão, e após a Segunda Guerra Mundial, para exigir sacrifícios coletivos, eles devem oferecer um contrato social que beneficie a todos’.
O jornal, que representa as grandes empresas britânicas, admitiu, de fato, a necessidade de uma redistribuição mais equitativa da riqueza. Seus economistas e sociólogos preveem um antes e um depois do coronavírus e uma mudança no protagonismo atual para dar lugar a relações internacionais mais ativas, abertas e participativas.
López Obrador acredita que se a pandemia surpreendeu o México com um modelo de saúde falido, sem especialistas ou equipamentos adequados, foi devido ao neoliberalismo, que não relacionava a saúde pública com a economia, explorou os trabalhadores e não levou em conta que um homem saudável rende duas ou mais vezes do que um doente.
‘Não é apenas uma questão ideológica ou política, é sobretudo uma questão prática. Por que não temos os médicos, por que não temos os especialistas, e como chegamos aqui?’, perguntou o presidente mexicano.
SAÚDE, CHAVE PARA A ECONOMIA
Em uma troca de mensagens com este correspondente da Prensa Latina, o acadêmico panamenho Guillermo Castro explica que estamos testemunhando outra transição, caracterizada pelo esgotamento da fase neoliberal de hegemonia nesse processo, e que pode abrir caminho para uma organização que se definirá no dilema entre o socialismo ou a exacerbação da barbárie em que já estamos vivendo.
O liberalismo, assinala ele, não pode ter uma visão sistêmica que articule os diferentes aspectos de uma totalidade. É por isso que estou convencido da importância das instâncias das quais a economia é a última, no final, e entre elas a saúde desempenha um papel fundamental como uma das condições de produção e reprodução de qualquer formação socioeconômica.
Para entender isto, diz o analista panamenho, é sempre conveniente lembrar que a doença e a morte são fatos naturais, enquanto a saúde é um produto do desenvolvimento social.
Neste sentido, uma crise sanitária de escala pandêmica como a Covid-19 também é expressão de uma contradição entre a enormidade das forças produtivas criadas pelo capitalismo e a crescente estreiteza das relações de produção que lhe permitem funcionar.
O Prêmio Nobel Joseph Stiglitz disse em um artigo em janeiro passado: ‘Para obter uma imagem correta da saúde econômica de um país, devemos começar olhando para a saúde de seus cidadãos. Se eles forem felizes e prósperos, terão vidas mais saudáveis e mais longas. E, neste sentido, os Estados Unidos são o país desenvolvido com pior desempenho.
Evidentemente, a conexão inextricável entre saúde, educação e economia foi quebrada pelo neoliberalismo, como quando os nervos da medula espinhal que carregam mensagens entre o cérebro e o resto do corpo são rasgados, causando paralisia.
O coronavírus revela a paraplegia da economia sob a influência do neoliberalismo e essa situação está marcando a gravidade e a complexidade desta dupla crise econômica e sanitária.
A questão recorrente é a colocada por Guillermo Castro: ‘os problemas de infraestrutura econômica do mercado global podem ser resolvidos pelo Estado e pela superestrutura interestadual. Onde os conflitos sociais gerados pelo desenvolvimento desse mercado são processados politicamente?
Toda economia, lembra o acadêmico panamenho em seu diálogo com a Prensa Latina, inclui a produção de um estado de saúde que define de forma significativa a interface entre a produção e a sociedade que a realiza, e a promoção de saúde.
Neste sentido, faz parte das condições (naturais, territoriais e sociais) da produção material, conforme indicado por James O’Connor, economista, sociólogo e marxista americano.
SAÚDE COMO UMA POSSÍVEL CATEGORIA ECONÔMICA
Saúde e educação como possíveis categorias econômicas é um assunto de longa data e de pouco ou nenhum acordo, ainda que seja muito triste que questões tão intimamente ligadas ao humanismo e à pessoa como ser social sejam abordadas pelas ciências exatas, diz Guillermo Castro.
Mas é pior transformá-lo em questão política, e ainda mais horrível em propaganda eleitoral, como fez Donald Trump e ainda faz frente a sua derrota eleitoral, antes da pandemia do coronavírus e no meio dela.
Dada a fragmentação dos interesses dentro do capital e do Estado, podem surgir contradições entre as forças produtivas e as relações sociais das condições de produção.
Por exemplo, diz Guillermo Castro, doenças não transmissíveis são em grande parte produzidas socialmente, não determinadas geneticamente; políticas de educação e renovação urbana nos centros das cidades, políticas de educação e saúde em assentamentos humanos localizados em áreas de expansão de mineração, e políticas agrícolas e urbanas na periferia das áreas metropolitanas podem ou não ser congruentes.
Entretanto, a sociedade civil não pode ser reduzida à estrutura nem do capital nem do Estado. Ele também evolui de acordo com sua própria lógica, diz ele. No que diz respeito à pandemia, acho que é bom manter a premissa de que doença e morte são eventos naturais, e que a saúde é um produto do desenvolvimento social.
A DUPLA CRISE E A TEORIA DO COLAPSO
A pandemia trouxe à tona uma teoria do colapso que a crise financeira de 2008-2009 se repetiria em 2020, mas em uma escala maior.
É o que está acontecendo de acordo com os números econômicos e de saúde da Organização Mundial da Saúde, da Organização Internacional do Trabalho e das diversas instituições financeiras, incluindo o FMI, o Banco Mundial e o Grupo dos 20, que admitem o problema.
Estranhamente, a crise econômica de 2009 também foi viral no México porque coincidiu com a epidemia de influenza A (H1N1), que matou mais de 1.500 pessoas no país.
Kristalina Georgieva, diretora administrativa do FMI, foi enfática ao afirmar que ‘estamos agora em recessão, e isto é muito pior do que a crise financeira global’ daquele ano, e advertiu que uma onda de falências e demissões tornaria a recuperação muito mais difícil. Este último já está acontecendo em muitos países e o México não está imune ao problema.
A crise sanitária aprofundou a da dívida externa devido à grande quantidade de dinheiro destinado a resgates financeiros e à forte queda geral da receita tributária, algo em que o governo López Obrador não quer cair, como aponta em seu plano de recuperação econômica que, paradoxalmente, começou junto com um ressurgimento muito forte da pandemia.
Em seu relatório sobre os dois primeiros anos de seu governo, em 1ú de dezembro, o presidente mexicano apresentou uma intensificação de seu plano geral que aumenta substancialmente os montantes de financiamento para o rápido treinamento de milhares de especialistas médicos, enfermeiros e técnicos, centenas deles com bolsas de estudo no exterior.
Ao mesmo tempo – e isto é o mais importante – ele prioriza a injeção de recursos financeiros no que ele chama de base da pirâmide social, ou seja, os pobres, com o objetivo de ter dinheiro suficiente circulando nas ruas para que o consumo doméstico não caia.
A tese é que o dinheiro gasto pelos pobres em alimentos, roupas e serviços, sobe por si só ao topo da pirâmide e não há necessidade de ações de captação de recursos para salvar o grande capital, nem de dívida externa extra do México. É uma forma de buscar um equilíbrio eco-sanitário.
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*Correspondente da Prensa Latina no México