por Jacques Sapir
É preciso voltar às origens do Euro. O Euro foi apresentado como uma grande promessa que se transformou numa grande mentira. O discurso a favor do Euro fundamentava-se alegadamente em bases científicas. Vamos então verificar o que na realidade ele é. Os falsos profetas Tal como os reis magos dos Evangelhos, as três principais contribuições, as de Robert Mundell, R. McKinnon e Peter Kennen, vieram trazer a ‘boa nova” da União Monetária. Os seus trabalhos tiveram uma influência considerável sobre outros economistas convencendo-os que a flexibilidade da taxa de câmbio passava a ser supérflua. Os estudos recentes mostram claramente o oposto. A teoria das zonas monetárias ótimas foi enunciada pelo economista Robert Mundell em 1961 [1] . Ele pretendia estabelecer razões teóricas para a existência de áreas onde seria vantajoso ter uma moeda única. Allan Robert McKinnon trouxe os fundamentos a este edifício [2] , explicando que quanto mais importante for a abertura de uma economia ao exterior, mais se reduz a importância da taxa de câmbio. Peter Kennen [3] , mostrava que, se a economia de um país era diversificada, essa diversificação reduzia amplitude do que os economistas chamam “choques exógenos” permitindo que esse país estivesse ligado a outros por uma taxa de câmbio fixa. Destes trabalhos, poderia então deduzir-se que um país tem interesse ligar-se a outros através de uma moeda única desde que capital e trabalho fossem perfeitamente flexíveis (o que mostrava Mundell), que o país estivesse bastante aberto ao comércio internacional (McKinnon) e que a sua economia fosse amplamente diversificaram (Kennen). Outros economistas pretenderam demonstrar que os países tirariam vantagens económicas significativas de uma moeda única, que supostamente faria crescer a produção, como pretendia demonstrar Andrew K. Rose[4] Os seus trabalhos deram origem a uma literatura extremamente favorável a uniões monetárias, descrevendo as moedas nacionais como “barreiras” para o comércio [5] A integração monetária conduziria a um aumento acentuado da produção e do potencial de trocas comerciais internacionais [6] . Assim a União Monetária Europeia iria criar condições para o sucesso de uma “zona monetária ótima” [7] num movimento que parecia dever ser endógeno [8] . Donde as famosas e imprudentes declarações de diversos políticos, alegando que o Euro iria conduzir, pela sua própria existência, a um forte crescimento. Assim, Jacques Delors e Romano Prodi, disseram que o Euro faria aumentar o crescimento europeu em mais 1% a 1,5% ao ano durante vários anos [9] . Foram muito maus profetas. As armas da crítica Outras pesquisas, baseadas em dados mais completos e mais rigorosos, reduziram drasticamente os efeitos positivos da união monetária [10] . Os trabalhos de Rose e parceiros foram fortemente criticados devido ao método econométrico utilizado [11] . Uma crítica fundamental era que estes modelos não levavam em conta a resiliência do comércio internacional [12] . Harry Kelejian retomou as estimativas dos efeitos da união monetária sobre o comércio dos Estados-membros [13] . Os resultados são devastadores. O impacto econômico da união económica e monetária no crescimento de comércio é estimado entre 4,7% e 6,3%, ou seja muito longe das estimativas mais pessimistas de trabalhos anteriores que colocavam estes efeitos em 20%, e isto sem mesmo mencionar as primeiras análises de Rose que os situavam entre 200% e 300%. Em dez anos, o efeito foi reduzido de 10 para 1 (de 200% para 20%) [14] e, em seguida, uma nova redução trouxe esses efeitos para uma média de 5% (um fator de 4 para 1) [15] . Os efeitos positivos de uma união monetária foram, portanto, amplamente exagerados, obviamente por razões políticas. Os mais extravagantes anúncios sobre os efeitos positivos da união económica e monetária foram feitos precisamente no momento da introdução do Euro. A mentira era efetivamente enorme. A importância da taxa de câmbio No entanto, os mesmos argumentos são agora usados para difundir a ideia de que uma dissolução do Euro seria uma catástrofe, porque utilizam para fins de propaganda, os mesmos números, mas desta vez de forma inversa para “prever” um colapso do comércio internacional dos países em causa e, portanto, uma queda do PIB no caso de uma saída do Euro. Ora, se o efeito sobre o comércio internacional, produzido por uma zona monetária é baixo, é necessário deduzir-se que inversamente o efeito dos preços (o chamado “custo competitividade”) é muito mais importante do que diz o discurso dominante [16] . O que volta a dar toda a importância às desvalorizações para restabelecer a competitividade de certos países. O impacto da taxa de câmbio sobre os saldos comerciais era conhecido. A velocidade da ‘recuperação’ na Rússia em 1999 e 2000 em particular, como resultado de uma desvalorização maciça, foi um dos principais argumentos neste sentido. Os economistas do FMI realizaram um estudo bastante sistemático em mais de 50 países [17] não encontrando nenhum sinal da tão citada famosa “desconexão” entre os fluxos de comércio internacional e taxas de câmbio. O estudo mostra que, em média, para uma depreciação da taxa de câmbio de 10%, podemos obter um ganho de 1,5% do PIB. A internacionalização das “cadeias de valor” tem certamente um efeito moderador sobre estes ganhos [18] , mas o desenvolvimento destes é progressivo e não pode de nenhuma maneira contrariar os efeitos positivos de uma forte depreciação da taxa de câmbio[19] , o que é reforçado por um estudo recente do FMI [20] . O Euro foi portanto vendido às populações (e aos eleitores) com base em repetidas mentiras, mentiras revestidas de um discurso que se pretendia científico, mas que de forma alguma o era. Os economistas, que apoiam o Euro raciocinam como se estivessem necessariamente reunidas as condições para a materialização dos potenciais benefícios que proclamavam e como se as vantagens potenciais do Euro devessem sempre superar as desvantagens. É aí que se situa a sua responsabilidade. Nisso eles foram portadores de uma ‘boa nova’, que demonstrou ser, para os povos, um verdadeiro pesadelo. [1] Mundell R., (1961), ” A theory of optimum currency areas “, The American Economic Review , vol. 51, n°5, 1961, pp. 657-665. O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/5157 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/. |