Valter Xéu*
As religiões têm motivos de sobra para me odiarem, pois não acredito em nenhum dos deuses que tentam nos empurrar como o salvador da humanidade ou aquele outro deus que vê tudo. Desde muito cedo, sempre desconfiei deles.
A minha “encrenca” com os Deuses que se apresentam persegue-me desde os cinco anos de idade, quando perguntei ao padre Aderbal- pároco da Igreja dos Remédios em Feira de Santana- por que em determinados lugares do céu vemos mais estrelas à noite que em outros. Ele, de imediato, respondeu que a maioria delas se concentravam ali para iluminar o caminho de Santiago. Tal resposta me levou a retrucar o famoso padre local, sem cerimônia, que aquilo era uma grande mentira. Levei da minha mãe -dona Júlia- um puxão de orelha, complementado por um pedido de desculpas que me fizeram lembrar em casa (e até hoje) que ali reinava, de fato, uma “juíza”, a minha mãe Júlia. Sentenciou-me uma semana de castigos, sem direito a brincar de triângulo, bolinhas de gude, empinar periquito e, o pior dos piores, sem andar no meu carrinho de rolimã!
Uma outra encrenca que tive, sobre a minha incredulidade, com um padre aconteceu por volta dos meus oito anos, já morando no bairro dos capuchinhos e frequentando a igreja local.
Em uma festa de Santo Antônio, enquanto conversava com um padre – da ordem dos Capuchinhos l- perguntei-lhe por que a lua se apresentava com aquelas manchas. Ele me disse que era a representação da luta de São Jorge com o dragão e, caso o bicho escapasse, o mundo se acabaria.
Fiquei numa preocupação danada e torcendo loucamente para que São Jorge não deixasse nunca o dragão escapar. O que fazia com que todas as noites de lua cheia antes de dormir, eu olhava para a lua e pedia força para São Jorge!
Mas a imaginação de menino, naquela época e com aquela idade era uma coisa bem diferente da gurizada de hoje, que entende tudo a partir do filtro e interpretação insossa da internet, bem longe (ou nada) daquilo que é realmente importante para uma criança e do que dependeremos dela para a vida toda.
De novo, na Igreja dos Remédios, refeitas as pazes com o Padre Aderbal, resolvi tirar a limpo esse negócio de luta de São Jorge com o dragão e perguntei-lhe (novamente) o que representavam aquelas manchas na lua. Penso que ele temeroso da minha reação caso me falasse uma mentira qualquer, disse-me que eram crateras e montanhas na lua.
Acreditei, enfim, de imediato. A partir de então, todas as vezes que minha mãe ia à missa na Igreja dos Remédios eu me animava, pois era uma oportunidade de encher o Padre Aderbal de perguntas, típicas da cabeça de uma criança de oito anos. E a partir dai, parecia-me que teria respostas mais razoáveis.
Mas apesar de ter sido criado em uma família genuinamente católica, vi que, a cada dia, eu mais me distanciava desse compartilhamento de igreja e religião. Mas hoje, com algumas dezenas de anos nas costas, venho aqui de público afirmar que, definitivamente, passei a crer na existência de deus. E mais, sei que é brasileiro, vive no sul e atende por um nome terreno, que por vezes se desmorona em si.
E esse deus que descobri existir, apesar de comprovar a sua existência (nada metafísica), continua ocupando o mesmo lugar no meu panteão dos não venerados, pois vejo nele um deus que tem lado e conveniências, que manda para a cadeia os adversários pré-sentenciados por ele. Enquanto na outra ponta maniqueísta, ele joga, para debaixo das nuvens, as falcatruas ostensivamente comprovadas dos seus principais fiéis. Ele costuma misturar, para a nossa infelicidade, a tal da política com o seu poder de determinação legal do céu.
Toda semana, esse deus nos apresenta um versículo da sua bíblia que, a priori, é composta de 31 capítulos. Então, com uma curiosidade forjada por sua criativa divindade, esse deus nos ‘presenteia’ semanalmente com uma nova fábula, sob a qual – com uma fixação inexplicável- só se salvam ratos, ratazanas e peixes bem graúdos (tipo tubarões). Todos os demais são peixe-pequenos servindo de alimento para as três alegorias protegidas.
Mas esse tal deus se difere muito do deus da igreja católica que fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo. O recém-descoberto deus não tem descanso, pois ele trabalha os sete dias da semana, sem tirar uma horinha sequer de descanso. Operário padrão da ……
É um deus pior que o apresentado pela “plêiade evangélica” de Edir Macedo, Valdomiro, Malafaia e afins, pois enquanto os descritos por eles estão aqui só por dinheiro, o deus sulista é diferente. Ele pratica toda sorte de contravenções, desrespeitando a constituição, prende sem nenhuma prova ou condenação e, lá deixa mofar -por meses ou anos- réus previamente condenados, ainda que não haja nenhum tipo de provas que comprove o crime específico daqueles pré-condenados. Esse deus -até que se rastreie algum paper, mais cedo ou mais tarde contra ele- jura cumprir a vontade (seletiva e excepcional) da lei (divinal).
Para esse deus sulista, se um fariseu disser que deu dinheiro para João-do- mercadinho-da- esquina, pronto! João será preso. Se algum Silva aparecer na sua caderneta de compras mensal paga, João será apresentado à imprensa como um empresário que é amigo do Silva, mesmo que na caderneta do João apareça algum Cardoso, Neves, Serra, Temer. O deus do sul não segue uma lógica matemática, nem racional, claro. Segue, sim, a mesma lógica que me fez responder mal a todos os párocos que subestimavam a minha inteligência, lá na infância.
E assim, o nosso perverso deus vai cooptando fiéis, geralmente, aqueles que não gostam de ver os marginalizados (adúltera, sodomita, pobre preto e etc) frequentando o mesmo espaço que os não-ímpios. Até poderia ser leviano, tratando-se de Brasil, dizendo que esse cenário assemelha-se, muito, à odiosa insatisfação demonstrada pela nossa burguesia brasileira diante da ocupação dos mesmos espaços por aqueles que ascendem por instrução. Seria a mesma coisa, se eu não estivesse me referindo a deus.
[Das putas sim, pois uma boa parte são filhos delas, mas aí é assunto para outro artigo e não esse aqui que é exclusivamente sobre a sua divindade o deus midiático da capa preta]. Todos os deuses se vendem como os maiorais, desde as deidades cristãs, passando pelo panteão grego ou a cosmologia africana. Dessa forma, um deus, genuinamente brasileiro, como é esse o caso, não fugiria à regra nunca. A única parceria terrena desse nosso deus-quase-homem é com um tal setor de “cenografia, pirotecnia e edição” sobre a qual são delineados os passos, as personagens e o desfecho das suas fábulas semanais. Eu afirmaria que a tríade, resultante do setor-parceiro, é explosiva, até diabólica, respeitando toda a ordem de potencial excepcionalidade que a derivação do homem de ‘chifre, rabo e garfo na mão’ exige. (diabo-diabólica).
O saldo da vaidade do deus-brasileiro em parceria com o diabo mediando (“mediando”) é uma confusão dos infernos: ladrão vira santo, santo vira ladrão; inocente vira réu, réu vira inocente. Se não teve filiação (afinidade), vira churrasquinho desossado e desalmado publicamente.
Nosso deus é bem diferente, mesmo, dos demais, pois o nosso com certeza é mal-comunado com o diabo.
*Valter Xéu é diretor e editor de Pátria Latina e Irã News