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quinta-feira, 18 abril, 2024

O carioca parece gostar de ser enganado

Praia de Ipanema lotada no último domingo

O que em cidades normais levaria a revoltas populares e processos judiciais, o morador do Rio de Janeiro aceita dando de ombros –  e reelege as mesmas figuras nas eleições, escreve Philipp Lichterbeck.

DW

O teleférico do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foi inaugurado em 2011. Uma nova era havia começado, dizia-se na época. A promessa era de que, com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos chegando, a cidade finalmente se tornaria mais moderna. Deixaria de ser relativamente provinciana, para se tornar uma metrópole. Com melhor transporte público, mais segurança, menos pobreza e menos poluição.

O teleférico custou R$ 253 milhões. E, ainda que houvesse problemas mais urgentes no complexo de favelas (como saneamento básico), ele facilitou a vida de milhares de moradores. Transportava, em média, 10 mil pessoas por dia, nas 152 gôndolas que percorriam seis estações. Mas em setembro de 2016 – poucos dias após o fim dos Jogos Olímpicos – o teleférico teve suas atividades suspensas. O motivo alegado foi de que o equipamento passaria por uma manutenção que levaria meio ano e que estava faltando uma peça que viria do estrangeiro.

Mas o teleférico nunca mais voltou a funcionar, e está desde então apodrecendo e enferrujando. As estações estão abandonadas, viraram casa para pombos e outros animais, como pude ver durante uma visita ao Alemão. Foram R$ 253 milhões de dinheiro de impostos pagos pelos cidadãos jogados pelo ralo.

O teleférico do Morro da Providência, no Centro do Rio, custou R$ 76 milhões e foi inaugurado em 2014, durante a Copa do Mundo. Funcionou durante dois anos, até que, em dezembro de 2016, apenas quatro meses após o fim dos Jogos Olímpicos, o contrato para a administração do teleférico venceu e não foi renovado. Desde então, as gôndolas estão paradas, e não há previsão de que a operação seja retomada. Foram R$ 76 milhões de impostos pelo ralo.

A ciclovia Tim Maia foi inaugurada em janeiro de 2016. Custou R$ 45 milhões e tem o nome do músico que escreveu a canção Do Leme ao Pontal. Mas por essa ciclovia não se chega nem à metade do caminho, porque, três meses após a abertura, um pedaço dela desabou e matou duas pessoas. O motivo: negligência, erro de cálculo, corrupção. Em fevereiro e em abril de 2019, outras partes da ciclovia desmoronaram.

Responsável pela construção era a empreiteira Concremat. Ela foi fundada e era presidida, respectivamente, pelo avô e pelo tio do então secretário municipal de Turismo do Rio, Antônio Pedro Figueira de Mello. O Ministério Público denunciou 16 pessoas por homicídio culposo, sendo nove funcionários da Geo-Rio, empresa da prefeitura responsável pelo projeto da ciclovia. Em fevereiro de 2018, um dos citados foi nomeado presidente da RioUrbe pelo prefeito Marcelo Crivella.

Hoje, a ciclovia Tim Maia está interditada em grande parte. Mesmo assim alguns ciclistas continuam a usá-la. Quando eu fui de bicicleta do Aterro do Flamengo até a Barra de Tijuca, trocando várias vezes entre a ciclovia e a rua, reparei vários trechos em São Conrado e na Barra depredados e perigosos. Mas ninguém parece ligar.

A ciclovia e os teleféricos já cumpriram o papel deles: encher os bolsos de políticos, funcionários e empreiteiras. O Rio não tem memória, o Rio não tem cura, o Rio está condenado a cometer os mesmos erros para sempre.

E para que não haja engano: isso é um problema especificamente carioca (ou brasileiro). Há outras cidades com teleféricos na América Latina, como La Paz (Bolívia), Medellín (Colômbia) e Santo Domingo (na pequena República Dominicana). Lá as gôndolas funcionam desde a inauguração e transportam milhares de pessoas, principalmente pobres, todos os dias. Nenhuma dessas cidades é rica. A diferença é que a classe política lá é menos podre e inescrupulosa.

Posso dar vários outros exemplos. Tem o caso da Baía de Guanabara, que virou sinônimo de poluição e de desperdício de dinheiro público. Nos últimos 24 anos, foram gastos mais que 2,5 bilhões de reais para “tentar” a despoluição. Mas até hoje, no Rio de Janeiro, menos de 47% do esgoto coletado é tratado. O governo estima que ainda serão necessários 12 bilhões de reais para concluir a limpeza. Seria para rir, se não fosse para chorar.

Outros exemplos de falta de respeito das elites para com os cidadãos: a Cedae, que abastece a população do Rio com água contaminada com esgoto doméstico e poluição industrial. Esgoto doméstico tem alta quantidade de fezes. Mesmo assim, a Cedae cobra um valor mais alto pela água do que muitos fornecedores na Alemanha, onde a água da torneira é potável.

O preço da eletricidade no Rio é aproximadamente o mesmo que na Alemanha. A diferença é que na Alemanha a eletricidade nunca cai – diferentemente do que ocorre aqui em casa, quando chove ou venta um pouco mais forte. Nunca o fornecedor de eletricidade me concedeu uma redução de preço por essas quedas de luz, muito menos pagou qualquer compensação nas vezes em que tive que passar a noite à luz das velas.

Meu provedor de internet também não se importa se o meu sinal cai de vez em quando, especialmente com o mau tempo. A empresa cobra uma multa se eu pagar minha conta com atraso, mas não me oferece um desconto se eu ficar sem internet por várias horas. Minhas medições também mostraram que minha velocidade de internet flutua consideravelmente e raramente atinge constantemente o nível prometido (e pelo qual eu pago).

Parece que os cariocas gostam de ser enganados. Eles consideram normal a corrupção, a fraude e um serviço ruim, mas caro. Atualmente, ninguém representa melhor as estruturas podres do Rio do que Marcelo Crivella, ainda prefeito da cidade. Ele paga capangas com dinheiro dos impostos para assediar, insultar e ameaçar os cidadãos em frente a hospitais públicos. Estes são métodos conhecidos de ditaduras e máfias.

O que em cidades normais levaria a revoltas populares, processos judiciais e demissões, o carioca aceita dando de ombros – e reelege os mesmos senhores e senhoras nas próximas eleições.

Mas nem todos os cidadãos são igualmente atingidos pela calamidade pública. Os ricos se abrigam num mundo privado que não tem mais nada a ver com a realidade da maioria das pessoas: compram boa educação, saúde, segurança e conforto, sem se importar com assuntos públicos. Eles podem até se beneficiar das máquinas mafiosas que redistribuem o dinheiro dos impostos de baixo para cima.

Em março deste ano, o prefeito do Rio, Crivella, prometeu reabrir a ciclovia Tim Maia dentro de seis meses. Mas é provável que virará mais um monumento carioca para o desperdício de dinheiro público. O governador afastado do Rio, Wilson Witzel, disse que colocaria o teleférico do Complexo do Alemão novamente em funcionamento nos primeiros 180 dias de seu mandato. Isso foi há mais de 600 dias. Bem vindo à cidade das promessas vazias.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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