– Não há nem um único jornal em Portugal que publique os relatos de Bruno Amaral de Carvalho – o único jornalista português presente em Beirute. Isso diz muito dos asquerosos media que nos desinformam. Bruno teve de recorrer a um jornal galego digno, o Diário Red, face ao silenciamento a que é submetido em Portugal.
Bruno Amaral de Carvalho [*]
Neste sábado, choros coletivos e gritos de revolta chegaram repentinamente à varanda do meu hotel em Beirute. Dali pude ver como as pessoas olhavam estupefatas para seus celulares no meio da rua e pelas janelas de suas casas. A notícia que todos temiam havia chegado. Hassan Nasrallah, líder histórico do Hezbollah, morreu. Tendo passado uma noite sem dormir entre os milhares que tiveram de abandonar apressadamente as suas casas a sul de Beirute, sem nada além das roupas no corpo, as notícias de hoje têm um enorme impacto numa região à beira da guerra total.
Quando o solo tremeu em Harek Hreik, ao sul de Beirute, ontem, a explosão foi ouvida em toda a cidade. Ainda não sabíamos que era o início de um verdadeiro terremoto. Sob os quatro edifícios completamente destruídos ficava a sede do Hezbollah e do seu líder máximo, o secretário-geral Hassan Nasrallah. A princípio, os jornalistas que conseguiram chegar lá entraram no perímetro de segurança estabelecido pela organização xiita, mas rapidamente fomos todos expulsos do local, até mesmo os repórteres da mídia libanesa e iraniana. Por toda parte havia ambulâncias, equipes de resgate, escavadeiras, soldados libaneses, membros do Hezbollah. Caos absoluto que deixou no ar a possibilidade de que algo grave estivesse acontecendo. Imediatamente, o boato de que Nasrallah havia morrido ganhou força nas redes sociais e na mídia israelense.
O ataque de “precisão” lançado por Israel terá matado pelo menos 300 pessoas no coração de uma área altamente povoada. Ao longo das primeiras horas da manhã, aviões militares israelitas continuaram a massacrar os subúrbios da capital libanesa, ao ponto de avisarem determinados sectores da cidade que deveriam abandonar as suas casas às três da manhã. Um avião civil de passageiros pousou em Beirute sobrevoando as explosões: um retrato do absurdo.
A tensão na cidade é palpável. Tanto os seguidores do Hezbollah e dos seus aliados como os seus oponentes não sabem o que esperar. É uma situação imprevisível e sem precedentes nas últimas décadas, e o Irão anunciou que este ataque representa uma mudança de jogo. Sem explicar o que significarão especificamente estas declarações, é um facto que as respostas aos sucessivos ataques de Israel foram muito contidas, mesmo depois do ataque terrorista em massa perpetrado por Israel através de pagers e walkie talkies com explosivos há dez dias.
Resta explicar o grau de envolvimento dos Estados Unidos, que na sexta-feira de manhã falavam de acordos de paz nas Nações Unidas e à tarde ouviam em primeira mão que Israel ia assassinar Nasrallah. A verdade é que o líder do Hezbollah morreu sob as bombas americanas lançadas por aviões fabricados nesse mesmo país.
É meio-dia de sábado em Beirute e os ataques aéreos israelenses contra os subúrbios onde vivem centenas de milhares de pessoas continuam. Enquanto se aguarda a reação do Hezbolla, o Líbano permanece em suspense.
Nas ruas, varandas, praias, garagens e esplanadas, o número de pessoas deslocadas pelos bombardeamentos está a crescer tanto no sul da capital, como em Bekaa e nos subúrbios xiitas de Beirute. Há famílias inteiras dormindo no meio de rotundas, nas rochas do Mediterrâneo e em carrinhas. A primeira vítima de uma guerra não é a verdade, são sempre os civis. E a verdade ainda está aí, mesmo que eles não queiram contá-la. Se os próximos tempos cheiram a barbárie, é porque alguns estiveram ocupados a tapar o nariz durante demasiado tempo. E aqui, embora cheire a mar, não há geração que não conheça a guerra.
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