Por Susana Alfonso Tamayo * Doha (Prensa Latina) A perspectiva de uma solução para a crise no Golfo Pérsico se apresenta como um marco importante para o Qatar, entre os eventos significativos que marcaram seu curso em 2020, como o embate contra a Covid-19 com altos custos humanos e econômicos.
A crise começou em junho de 2017, quando a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Bahrain e o Egito romperam as relações diplomáticas com o Qatar, impondo-lhe um bloqueio por via aérea, terrestre e marítima com base em suposto apoio ao terrorismo, uma acusação que Doha denunciou como falsa desde o início.
Por pouco mais de três anos, o confronto entre esses governos levou a consequências negativas nos campos social e econômico, assim como n tocante à segurança e estabilidade regional; e apesar das tentativas de resolver as diferenças, o processo continua.
No entanto, em 4 de dezembro, Ahmad Nasser Al Sabah, Ministro das Relações Exteriores do Kuwait, apontou para avanços na resolução da disputa.
No mesmo dia, o Ministro das Relações Exteriores do Qatar Mohammed bin Abdulrahman Al Thani fez eco à declaração do país mediador do conflito e agradeceu em sua conta oficial no Twitter os esforços do Kuwait e dos Estados Unidos para encontrar uma solução.
‘A prioridade do Qatar tem sido e continuará sendo o interesse e a segurança dos povos da região do Golfo’, disse o Ministro das Relações Exteriores, que também, em uma declaração publicada no site do Ministério das Relações Exteriores, expressou otimismo quanto à possibilidade de uma saída para o conflito.
O Qatar quer que o Conselho de Cooperação para os Estados Árabes do Golfo (GCC) esteja unido e, mais importante ainda, desde o início da crise, Doha exige um diálogo aberto e também quer participar de forma construtiva em qualquer esforço para resolver e acalmar a tensão na região, disse ele.
Ele também previu que a unidade entre os países da região seria restaurada no interesse dos povos do CCG e da comunidade internacional, embora não tenha especificado se ‘será iminente ou não, e se todo o problema será resolvido em um dia’.
Ele também apontou outros aspectos, como a necessidade de abordar o que aconteceu durante o conflito após a solução esperada, e de baseá-lo na igualdade de direitos de todos os envolvidos.
Da mesma forma, ele deu o tom ao salientar que nenhum país ‘tem o direito de impor condições e exigências a outros países’. Deve-se lembrar, a este respeito, que os quatro países bloqueadores exigem uma lista de 13 exigências do Qatar, mas até hoje o rico produtor de gás se recusa a cumpri-las porque comprometem sua soberania; e muitos se perguntam, tendo em vista o resultado anunciado, que concessões serão feitas, se houver, de um lado ou do outro.
Apesar das lacunas que permanecem, as esperanças estão crescendo, pois também no início de dezembro o príncipe Faisal bin Farhan Al Saud, ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, anunciou que uma solução para a crise está à vista e um acordo final, satisfatório para todas as partes envolvidas, é esperado em breve.
‘Estamos em plena coordenação com nossos parceiros neste processo e as perspectivas que vemos são muito positivas’, disse ele à agência de notícias AFP à margem de uma conferência de segurança em Manama, em 5 de dezembro.
Os Emirados Árabes Unidos e o Egito também fizeram declarações positivas em relação ao progresso nas negociações. A este respeito, o Ministro das Relações Exteriores dos EAU, Anwar Gargash, disse que seu país espera que a cúpula do Golfo seja um sucesso.
Há especulações de que a reunião anual do GCC em Riad, em janeiro, terá como tema principal a reconciliação dos Estados envolvidos no conflito.
Anteriormente, haviam sido tomadas medidas para aliviar parte da tensão entre os vizinhos em guerra, como a participação das equipes da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein na 24ª Copa do Golfo, em Doha, no final de 2019.
As equipes do Bahrein e da Arábia Saudita voaram então diretamente para a capital do Qatar, apesar do bloqueio.
Em fevereiro, foi anunciado o reinício das trocas postais internacionais entre o Qatar e o Bahrein, Egito, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.
Nas conclusões preliminares de sua visita ao Qatar, apresentadas em novembro, a Relatora Especial da ONU sobre o impacto negativo das medidas coercitivas unilaterais no gozo dos direitos humanos, Alena Douhan, mencionou algumas medidas tomadas pelos quatro Estados para limitar o impacto humanitário das sanções unilaterais.
Estes incluem a admissão de cidadãos do Qatar, especialmente aqueles com parentes imediatos lá, e o retorno seletivo dos estudantes do Qatar a suas escolas, especialmente no Egito.
Além disso, diz respeito a um número limitado de acordos comerciais e à renovação de contratos, registros e documentos de identidade; e à possibilidade de apelação para viagens de duração limitada aos quatro Estados através de uma linha direta e on-line estendida a todas as categorias do Qatar, em vez de apenas às famílias separadas, como decidido no início.
Além destes pequenos passos, os movimentos mais recentes de aproximação foram atribuídos à pressão do Presidente Donald Trump e à visita estratégica ao Golfo Pérsico por seu genro e conselheiro sênior, Jared Kushner, no início de dezembro deste ano.
O enviado de Washington, que também está trabalhando na normalização das relações entre os países árabes e Israel, visitou Riad e Doha e se encontrou com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita Mohammed bin Salman e o Emir do Qatar Tamim bin Hamad Al Thani.
Durante sua administração, Trump defendeu o fim da disputa, apesar de inicialmente apoiar abertamente a política da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito em relação ao Qatar.
Mas é impossível ignorar numa análise sobre a mudança de opinião da superpotência de que o Qatar é o lar da maior base militar dos EUA na região, a presença de tropas do norte em outras nações do Golfo e os benefícios para a Casa Branca de ter uma frente unida contra seu inimigo, o Irã.
‘Agora que Biden está chegando, há mais pressão sobre os sauditas para mostrar boa vontade e demonstrar que eles são um parceiro construtivo no Oriente Médio’, disse Andreas Krieg, um analista do Golfo Pérsico, à CNBC News.
‘Os sauditas estão sendo pragmáticos aqui, assim como os catarianos estão sendo pragmáticos. Há um entendimento de que uma frente unida do Golfo ainda serve a todos melhor do que gastar milhões de dólares tentando minar as posições dos outros’, explicou o professor do King’s College London.
No entanto, ele advertiu que embora este seja um ‘grande avanço’, as boas notícias que circulam são apenas ‘um passo na direção certa’. ‘Já estivemos aqui antes’, lembrou ele. Esta opinião é compartilhada por outros especialistas, já que em outras ocasiões os desacordos entre os participantes atrasaram a solução da crise.
‘Até agora, as duas partes haviam concordado em diminuir o tom de suas campanhas de mídia uma contra a outra para construir confiança. Em um segundo passo, a Arábia Saudita poderia abrir a fronteira aérea ou terrestre como sinal de boa vontade’, disse Krieg à revista Foreign Policy.
O professor antecipou que estas medidas poderiam ser anunciadas na cúpula do GCC, ‘mas as diferenças no centro da disputa ainda parecem intratáveis’.
Em sua opinião, apesar de em 2014 as autoridades do Qatar terem cedido quando os sauditas e os Emirados romperam os laços diplomáticos (antes da crise atual), desta vez estão defendendo sua posição, e estão ‘tentando se apresentar como um mediador útil para o Ocidente em uma região dividida entre diferentes tons do Islã e por conflitos violentos’.
A luta pelo poder parece continuar obstruindo o curso das conversações para um bom resultado, entretanto, prevalece a esperança de que o fim da crise do Golfo esteja próximo.
arb/sat/vmc
*Correspondente da Prensa Latina no Qatar