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sexta-feira, 19 abril, 2024

Nova desordem mundial: a culpa é de quem e o que fazer?

© AP Photo / Mark Lennihan
ECONOMIA

A ciência avança, a produtividade aumenta, mas os problemas socioeconômicos continuam os mesmos. Marina Larionova, especialista em BRICS da Academia de Economia e Administração Pública da Presidência da Rússia, conta como diminuir o fosso entre os países e evitar a emergência de novos problemas.

Pobreza, fome, queda nos mercados cambiais, crise mundial – esses problemas deveriam ser a exceção, mas são a regra. Nem o crescimento na produtividade do trabalho, nem a automação, nem os avanços da ciência moderna resolveram os problemas socioeconômicos que assolam a sociedade contemporânea.

O contexto mundial atual é marcadamente tenso, o que constitui um obstáculo para o crescimento econômico: guerra informacional, uso desmedido de sanções econômicas, corrida armamentista. De acordo com a especialista, as organizações internacionais não conseguem lidar com os desafios.

Como se os problemas já não fossem suficientes, ao proteger seus interesses nacionais de forma agressiva, os governos estão freando o crescimento econômico mundial. A imposição de sanções e contrassanções levam à diminuição do ritmo de crescimento global.

Desigualdade social: vista da favela de Paraisópolis, ao lado de um dos bairros mais ricos de São Paulo, o Morumbi
© FOLHAPRESS / EDUARDO KNAPP
Desigualdade social: vista da favela de Paraisópolis, ao lado de um dos bairros mais ricos de São Paulo, o Morumbi

Outro desafio é o aumento da interdependência global, gerada pela globalização financeira. Por causa dela, crises locais geradas em países ricos se tornam rapidamente mundiais. A liderança do dólar no mercado internacional levou o mundo à crise econômico-financeira de 2008, após uma brusca queda nos preços dos imóveis nos EUA.

Protecionismo: a política do egoísmo

A cooperação internacional eficaz vai contra a política dos países ricos de manter a economia global em constante instabilidade, disse Larionova. Os EUA gozam de posição privilegiada, uma vez que são os emissores da moeda global. Nessa posição confortável, o país consegue absorver os impactos da desestabilização econômica mundial com muito mais facilidade.

Qualquer movimento da política econômica dos Estados Unidos, mesmo os internos, influencia a comunidade global como um todo. Ao impor tarifas às importações e proteger seu mercado interno, os Estados Unidos influenciam negativamente as exportações de países terceiros: as empresas perdem clientes e veem a sua taxa de lucro declinar. Isso leva a nova escalada nas tensões globais, impedindo a superação da desigualdade econômica entre os países.

O presidente dos EUA, Donald Trump, conversa com o presidente chinês, Xi Jinping. EUA impuseram tarifas às importações de produtos chineses, dando início à guerra comercial entre as duas potências econômicas
© AP PHOTO / ANDY WONG, FILE
O presidente dos EUA, Donald Trump, conversa com o presidente chinês, Xi Jinping. EUA impuseram tarifas às importações de produtos chineses, dando início à “guerra comercial” entre as duas potências econômicas

protecionismo comercial é uma política de egoísmo e essa não é a forma mais adequada de superar os problemas de uma sociedade financeiramente globalizada, diz a especialista. O protecionismo comercial – a imposição de tarifas de importação ou fechamento de fronteiras – já levou a economia mundial a graves crises, como atesta a Grande Depressão de 1929 e a crise mundial da década de 1930.

“Nenhum país pode resolver sozinho esses problemas que se acumularam. Não há alternativa ao multilateralismo. O G-20 continua sendo o principal fórum de cooperação econômica do mundo, o ‘hub’ da rede de governança global que inclui outros ‘clubes’, como o G-8 e o BRICS – o mais antigo e o mais novo fórum multilateral, respectivamente”, disse a especialista à Sputnik.

Equilíbrio econômico: mito ou realidade?

Para resolver os problemas mundiais, é necessário que os países desenvolvidos e em desenvolvimento unam forças. A questão-chave é a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI). O sistema de votos no fundo monetário é feito a partir de cotas: os países que investem mais dinheiro no fundo têm um número de votos superior aos que investem menos. Isso parece razoável, mas o cálculo das cotas não muda há anos, portanto países que aumentaram a sua participação no fundo – como o Brasil –  seguem com um número reduzido de votos.

“As ideias de [economistas como] Keynes, Triffin, Camdessus e Stiglitz sobre a criação de um centro ou banco de reserva global ou de empoderar o FMI para assumir esse papel serão consideradas utopias, pelo menos até a próxima crise global”, notou Larionova.

Outra questão central é a formação de uma cesta de moedas para lastrear a economia internacional. A proposta de criar uma reserva de valor internacional é muito pertinente, de acordo com Larionova. A concentração das transações comerciais e financeiras em uma única moeda é uma fonte de vulnerabilidade para a economia internacional, que se torna demasiado dependente da estabilidade do país emissor dessa moeda internacional.

A matriz do Fundo Monetário Internacional (FMI), na capital dos EUA, Washington D.C
CLIFF OWEN
A matriz do Fundo Monetário Internacional (FMI), na capital dos EUA, Washington D.C

Outros desafios são a evasão fiscal e a criação de regimes tributários adaptados à nova economia digital. A regulação do sistema financeiro também deve estar no topo da agenda, principalmente após a emergência de moedas digitais. Os países também devem trabalhar para assinarem acordos comerciais na área do comércio eletrônico.

“Queremos acreditar que o G-20, que ainda goza de grande credibilidade, usará a sua influência para transformar o sistema de governança da economia global. Mas, para isso, precisaríamos de uma cooperação real entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e o fim dos comportamentos de lealdade de clube”, notou Larionova.

Ainda assim, as tensões geopolíticas impedem os esforços para equilibrar as contradições entre soberania e a necessidade de regulação supranacional da economia mundial, acredita a especialista.

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