Elaborei algumas notas em novembro de 2002 para usar em futuros discursos sobre a Palestina e Israel. Quase nove anos depois, elas permanecem válidas.
Nós, na África do Sul, conhecemos a opressão racial.
Lutamos contra ela e a derrotamos porque ela era injusta. Lutamos contra ela para sermos livres para reconstruir nosso país.
O mundo condenou o apartheid e a campanha internacional anti-apartheid foi uma parte importante da nossa luta.
A violência do regime do apartheid não era nada em comparação à absoluta brutalidade da ocupação da Palestina por Israel. Refiro-me a toda a Palestina, da qual os árabes palestinos foram expulsos. A maior violência é vista na Cisjordânia ocupada e em Gaza.
Nós não víamos tanques protegendo resolutamente escavadeiras blindadas. Nem víamos helicópteros de artilharia blindados destroçando lares, crianças, famílias inteiras com grande precisão! Nós não víamos a destruição por bombardeios de centros urbanos inteiros.
Nós vemos a mesma brutalização de gerações inteiras de árabes palestinos.
O sofrimento de pessoas impedidas de ir a um médico. De ambulâncias sendo paradas. De mulheres grávidas forçadas a dar à luz em postos de controle.
Vemos a mesma brutalização de gerações de jovens soldados israelenses convocados a destruir um povo e uma sociedade.
Digam o que disserem os protestos do Estado israelense, sua política sempre foi empurrar todos os palestinos e árabes para fora daquele Estado. Seus limites foram constantemente expandidos até que apenas 22% do território fosse nominalmente deixado para os palestinos.
Sabemos que existe por volta de um milhão de árabes palestinos cidadãos de Israel.
São-lhes negados vários direitos de cidadania. Não podem adquirir terras ou propriedades onde seus filhos possam viver quando forem adultos e criar suas próprias famílias? A África do Sul fez a mesma coisa sob a Lei de Áreas de Grupos [1].
Isso é roubo de terras em grande escala.
E é acompanhado por falsidades: “Os palestinos abandonaram suas terras e deram-nas, de fato, a Israel”.
Isso é simplesmente ignorar os massacres e a destruição deliberada de aldeias.
É notório que o general Dayan disse não existir nenhuma aldeia ou assentamento israelense que não tenha sido construído numa aldeia árabe.
Acrescemos que seus nomes foram deliberadamente obliterados dos mapas, assim como elas e seus habitantes.
O roubo de terras continua.
Os palestinos são notavelmente generosos: eles dizem que vão aceitar 22% de suas próprias terras na Cisjordânia e em Gaza como a base de seu Estado independente baseado nas resoluções da ONU que são a única justificativa legal do Estado de Israel.
Já os israelenses se instalam nos topos das colinas e defendem a terra recém-roubada com seu enorme poder de fogo militar. Qualquer palestino que queira sua terra de volta e deveria ter o apoio dos tribunais israelenses e da Corte Internacional de Justiça é, claro, um “terrorista”.
A total humilhação do povo palestino por meio da dominação da sua terra por colonos ilegais que roubam e ocupam as terras altas é real e indignante.
O roubo de terras tem consequências econômicas ainda mais sérias. Numa região com stress hídrico, a terra sem água é inútil. Os israelenses roubaram 90% das águas do rio Jordão para sua economia, destruindo a economia árabe palestina nesse processo.
Mais de 70 mil oliveiras, a maioria delas com centenas de anos, foram destruídas pelos israelenses. Eles dizem que por razões de segurança: para construir elementos de apartheid como cercas de arame farpado e vias militares. Mas, na verdade, para destruir a economia árabe.
Árvores consomem água. Como assessor do ministério dos Assuntos Hídricos e Florestais na nova África do Sul, tenho consciência dessas equações. Ao mesmo tempo, Israel, com a ajuda do Fundo Nacional Judaico [2], apoiado pelos sionistas do mundo inteiro, estabeleceu novas plantações e florestas, e novos lagos para atividades de lazer e esportes aquáticos.
É fácil esquecer que essas comodidades foram criadas em terra roubada e com água roubada. Foram criadas às custas das vidas de incontáveis palestinos árabes.
Os israelenses proclamam que foram escolhidos por Deus e encontram uma justificativa bíblica para seu racismo, de forma similar aos afrikaaners na África do Sul do apartheid.
Os britânicos não precisavam desse tipo de crença. Eles proclamavam uma justificativa pseudo-científica de “sobrevivência do mais apto” darwiniana para seu colonialismo. A força econômica foi o meio e o pretexto do poder.
Exigimos ação.
Vocês nos ajudaram a isolar a África do Sul por meio dos movimentos anti-apartheid.
Apoiem a reivindicação de sanções econômicas a todos os bens produzidos em Israel. Nós convocamos um embargo de relações esportivas e culturais.
[1] Conjunto de leis sul-africanas que autorizavam o zoneamento residencial urbano baseado na cor da pele, nos marcos do apartheid.
[2] Organização sediada nos EUA que arrecada fundos para construções de todo tipo nas áreas sob domínio do Estado de Israel.
[*] Engenheiro sul-africano de origem judaica (1933-2020). Como oficial da Lança da Nação (MK), braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA) foi, junto a Nelson Mandela e outros altos dirigentes do CNA, um dos 10 condenados à prisão perpétua (o único branco) no chamado processo de Rivonia, permanecendo na cadeia por 22 anos. Derrubado o apartheid no seu país natal, direcionou seus esforços à defesa do povo palestino, participando ativamente da campanha Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra o Estado de Israel.
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