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quarta-feira, 4 dezembro, 2024

‘Nos assusta que os Estados Unidos negociem duas bases com Macri’

Leonardo Boff afirma que os EUA ‘observam com maus olhos o avanço das relações da América Latina com a China, pois eles querem controlar o continente.’
Martin Granovsky – Página 12
Sacerdote franciscano até 1992, Boff concedeu uma entrevista com o jornal argentino Página/12, onde narrou sua própria experiência diante da Inquisição e questionou o rumo do Brasil e da Argentina, num momento em que ambos regressam à subordinação aos capitais transnacionais.
Este sujeito alto e bonachão de 77 anos, que fala sobre sua preocupação pelo Brasil e pela Argentina, é o mesmo que decidiu deixar o hábito em 1992, quando era sacerdote franciscano e o Vaticano ameaçava condená-lo outra vez, como já havia feito em 1985: com o silêncio. E o silêncio não era a especialidade de um dos fundadores da Teologia da Libertação.
Ficar calado continua sendo algo que não lhe agrada. Boff recebe a equipe de reportagem num hotel simples do bairro de Palermo, em Buenos Aires. Ao meio-dia, esteve conversando com Hebe de Bonafini no programa radial de Eduardo Valdés, ex-embaixador no Vaticano e seu amigo. Às cinco da tarde de um domingo raivoso e olímpico, Boff deve ser o único ser humano na capital argentina que não assiste a final do tênis masculino pela televisão. Chega a fotógrafa do diário. Enquanto posa para as fotos, ele conta que, há muitos anos explicou o que era a mística a um fotógrafo do jornal O Globo. Então, cruzou os braços, e fez uma banana.
– Escreveram que eu havia dado uma banana ao Papa – narra Boff, com cara divertida – aqui também se diz assim?
– Não, mas tampouco usamos muito o gesto.
– Claro que publicaram a foto.
– E é verdade que você deu uma banana ao papa?
– (risos) Não. Gostaria de tê-lo feito, mas não podia. Naquele momento, João Paulo II já me havia imposto o silêncio.
O Vaticano não o silenciou de um modo qualquer. Em 1985, quando Boff foi condenado ao silêncio, ele ainda era sacerdote. Antes, foi julgado pelo chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, nome atual da velha Inquisição. Esse chefe era ninguém menos que Joseph Ratzinger, quem assumiria como papa, vinte anos depois, com o nome de Bento XVI.
– O edifício está à esquerda da grande praça, para quem vai à Basílica de São Pedro. Foi uma experiência aterrorizante. Entrei por um longo corredor adornado por um belo tapete vermelho. Num momento, vi uma porta muito pequena ao fundo. Me agachei porque senti que não entraria erguido. É uma zona escura e tenebrosa. O cardeal estava sentado em seu lugar, sobre um estrado a meio metro do piso. Tudo estava claro: ele estava por cima de mim. Ao lado, já se havia colocado o notário. Eu fiquei sentado na mesma cadeira onde esteve sentado Galileu Galilei, e não é uma metáfora: era a mesma cadeira. O interrogatório foi duro. O cardeal Ratzinger permitiu que eu falasse numa parte, cercado por dois cardeais brasileiros, Paulo Evaristo Arns e Aloísio Lorscheider.
– Escolheu dois cardeais progressistas.
– Sim, nesse momento éramos três contra um. Eles disseram que a teologia escrita por mim era boa para as comunidades. Ratzinger havia escrito uma crítica a ela. Um dos cardeais disse que essa crítica havia sido como escolher um gramático e não um engenheiro para construir uma ponte. “Venha a Fortaleza, fale com os camponeses, reze com eles e conosco, participe das nossas celebrações, e depois opine”, propôs. Ratzinger tremia. “Não posso fazê-lo, não é a tradição do Santo Ofício sair daqui”, foi o que ele respondeu. Psicologicamente, foi muito forte, porque a Igreja, para cada um de nós, representa toda uma história, e numa situação assim nós terminamos nos sentindo sozinhos e abandonados. Levei, em minha defesa, um manifesto com o apoio por escrito de 100 mil pessoas em todo o mundo, incluindo um cardeal coreano e outro filipino. Minha causa era justa: a dos pobres do mundo. Continua sendo a mesma. Se não, veja o que acontece no continente.
– Ou pelo golpe, como no Brasil, ou pelo voto, como na Argentina, a América Latina avança a um retorno dos processos neoconservadores. Por quê?
– Há uma nova guerra fria, que enfrenta os Estados Unidos e a China. A China está entrando na América Latina, o Brasil pertence aos BRICS – aliança composta por Brasil e China, além de Rússia, Índia e África do Sul. Então, ao atacar o Brasil, atacam a China e os seus enormes investimentos: somente no ano passado se investiu 54 bilhões de dólares para as ferrovias que unirão o Atlântico com o Pacífico. Também investiu em portos e em infraestrutura, obviamente para favorecer as exportações chinesas.
– E o que você acha que os Estados Unidos querem?
– Eles observam com maus olhos o avanço das relações com a China, porque eles querem controlar o continente. A ideia principal do Pentágono é, por um lado, um só mundo, um só império, e por outro, cobrir todos os espaços. Nos assusta muito que os Estados Unidos negociem com Mauricio Macri duas bases militares, uma na Patagônia e outra próxima aos limites entre Brasil, Paraguai e Argentina, próximo das maiores reservas de água doce do mundo.
– É verdade que o papa disse que o processo golpista no Brasil é “obra dos capitalistas”?
– O papa se aproximou muito de Dilma, e Dilma se entusiasmou muito com ele. Sempre buscou saudá-lo em cada viagem à Europa. Mas, além dela, também o Movimento Sem Terra tem o apoio do Papa. Numa das viagens ao Vaticano, os representantes do MST foram acompanhados pela atriz brasileira, Letícia Sabatella. Letícia contou a situação e disse que o principal era defender a democracia, porque atacar a Dilma era atacar a democracia, e a vulneração da democracia, disse ela, traria formas violentas de repressão social. Ao escutá-la, o papa teria dito: “é obra do capitalismo, do capitalismo brasileiro e do capitalismo transnacional”.
– O que queriam fazer os capitalistas que não puderam fazer antes, para que precisem de novos governos conservadores?
– Creio que o papa viu que o neoliberalismo, esse modelo que dá mais valor ao mercado que ao bem comum produz uma grande marginação, e muita pobreza. Os 40 milhões que foram tirados da fome no Brasil começam a voltar à sua situação original. No Brasil, como se sabe, o vice que assumiu a presidência interina, despediu o gabinete de Dilma e atacou as políticas de bem-estar social e de reforma agrária. Os programas sociais têm cada vez menos financiamento. A Cultura deixou de ser um ministério e passou a ser uma subsecretaria dentro do Ministério das Comunicações. Metade do subsídio às universidades públicas foi cortada por Temer. A meu critério, o Papa entendeu que o golpe parlamentar sem baionetas busca o mesmo efeito que se buscava antes com os golpes militares: reforçar um grupo de grandes capitalistas nacionais articulados com os capitalistas transnacionais em função de uma acumulação de renda maior, o que se conseguiria privatizando os bens nacionais. A produção seria para a exportação. Há um projeto de recolonizar a América Latina para fazê-la cada vez más una zona que exporte commodities sem agregar valor aos seus produtos. Que exportemos matérias-primas puras. Soja ou minerais, o que for… A América Latina forneceria os produtos que em outros países não existem. O Brasil tem mais de 70 milhões de hectares para produzir. Só o Brasil pode saciar a fome de todo o mundo. E temos água de sobra. Esse potencial todo seria finalmente capturado pelo grande capital privatizado e internacionalizado. O papa percebe o fenômeno, e também o de que os pobres, nesse cenário, voltarão à miséria e à fome. Thomas Piketty, que escreveu o livro sobre o capital no Século XXI, diz que onde entram as relações sociais do capital o primeiro que aparece é a desigualdade. O capital é bom para o enriquecimento e péssimo para a distribuição e a justiça social. É o último bastião da acumulação capitalista. Há investigações muito interessantes do economista Ladislao Dowbor, um de seus artigos resumia uma investigação suíça que revelava a existência de 737 megacorporações controlando 87% dos fluxos econômicos e financeiros do mundo. Eles decidem onde fazer investimentos, onde roubar riquezas e dólares, que partidos apoiar e que governos desestabilizar. Paraguai, Honduras, Brasil… A tendência também se confirma com as políticas de Mauricio Macri. Na Argentina, o Estado assume uma política privatista e não discute mais com a sociedade, fala apenas com as empresas. Quando a União Soviética caiu, Ronald Reagan e outros presidentes decidiram aplicar o capitalismo puro, porque já não era necessário balancear nada. Não há mais sociedade, apenas indivíduos. E os indivíduos comem uns aos outros, não cooperam entre si. José Graziano, diretor da FAO, informou que até a crise de 2008 havia 800 milhões de famintos, e agora há cerca de um bilhão. A acumulação da riqueza se concentra num polo cada vez menor.
– Por que você mencionou especialmente a Macri em sua descrição?
– Porque não se pode analisar a Argentina ou o Brasil em separado, são os dois maiores países da América do Sul, e tampouco se pode analisá-los sem falar da tentativa dos Estados Unidos de alinhar a ambos dentro da estratégia imperial. O Brasil tem um mercado de mais de 200 milhões de habitantes. Nos 13 anos do PT no poder ficou demonstrado que existem dois projetos em jogo. Os dois querem ser democráticos. Mas a democracia neoliberal é para poucos. Há políticas ricas para os ricos e políticas pobres para os pobres.
– No relato sobre a visita de Letícia Sabatella, você citava quantos megamilionários existem no Brasil.
– Sempre lembro desta cifra: são 71.440 megamilionários, que controlam mais da metade do Produto Interno Bruto. Num país mais de 200 milhões de habitantes. O Banco Mundial já disse que o quadro mais acentuado de acumulação de capitais no mundo é o do Brasil. São os capitalistas mais antipopulares e mais antissociais, têm grande parte das fortunas fora do país, em paraísos fiscais, operam por sociedades offshore. É um exemplo excelente dos dois tipos de democracia. Um deles é o da democracia reduzida, de Estado mínimo e mercado máximo, com o ataque aos projetos sociais. O outro tipo de democracia, que no Brasil foi o modelo de Lula, é o da democracia inclusiva, aberta a todos. O dado dos 71.440 megamilionários foi levantado pelo IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. É bastante sério. A correlação mundial de forças não permite que podamos impedir a acumulação do capital. Mas ao menos podemos por algum limite. Devemos fazê-lo.
Discutir o aborto
Notoriamente otimista sobre Francisco, o teólogo brasileiro dá o exemplo do episcopado canadense a respeito do aborto, pede uma pastoral baseada no cuidado e conta sobre seu intercâmbio com o papa sobre ecologia.
– Um Papa que, como você diz, está no caminho de São Francisco de Assis, e das necessidades populares, não deveria fazer com que a Igreja deixe de se opor à legalização do aborto?
– Repare num dado que para mim é muito importante: Francisco permitiu que o tema do aborto fosse discutido. Antes era um tema claramente proibido. Só se podia falar em termos de condenação. Um dos critérios para nomear os bispos era se o candidato havia tocado o tema do aborto e em que tom de análise. Se alguém havia feito, era descartado. Quando o Papa fala de consultar os cristãos e ver o que pensam, já se coloca em outro patamar. Mantém a posição tradicional da instituição, mas propõe um novo sentido democrático, de respeitar o que as sociedades dizem. Pode ser que não seja hegemônico. Antes, a Igreja considerava que podia interpretar a lei natural e os deputados deviam segui-la. Mas os Estados são laicos, ou seja, não negam as religiões mas permitem que todas se expressem.
– Há algum caso real de escuta à opinião das sociedades?
– O Canadá, onde o episcopado foi derrotado no debate nacional pelo aborto. Então, aceitou essa realidade e criou instâncias de solidariedade com pessoas que decidiram pelo aborto. Deixa que elas decidam mas não deixa de exercer uma pastoral de acompanhamento.
– Você já se encontrou com o Papa?
– Não, mas nos comunicamos. Todos os domingos, às 10h, ele liga para Clelia Luro, a mulher de Jerónimo Podestá (ex-bispo de Avellaneda). O fazia também quando era cardeal, e continua fazendo agora. Um dia, eu estava visitando a Clelia a essa hora, e o papa ligou. Falou também comigo e me pediu materiais para a encíclica. “Não os mande ao Vaticano, porque não chegam”, me disse. “Envie a mim, por um amigo.” Como entendi que o papa não tem muito tempo, enviei textos curtos, sobre temas especiais: sobre a Terra como casa comum, sobre a relação de todos com todos…
– O que o Papa fez?
– No dia anterior à difusão da sua encíclica Laudato Si, ele me agradeceu a contribuição. Eu me sentia voando, porque havia proposto superar uma ecologia restringida ao ambientalismo. Buscar uma ecologia integral, que incluísse a mente humana e fosse cultural e política. Porque a casa comum é algo existencial. A gente ama a casa onde vive. A gente defende essa casa. É o contrário do poder como dominação, que foi o que produziu o caos ecológico e social mundial. A contraposição do punho fechado é a carícia, o cuidado da natureza, o cuidado das pessoas. O cuidado é uma categoria que vem de Santo Agostinho. É a essência de todos os seres vivos.
– É a mais importante?
– Sim. Mais que a criatividade. Sem o cuidado das mães, ninguém estaria vivo. É uma categoria ativa, que deve se realizar continuamente, como uma relação amorosa. Tudo está conectado com tudo. Nada existe fora da relação. Temos que enriquecer a razão intelectual com a razão cordial, a que sente. Escutar o grito da terra e o grito dos pobres. A encíclica fala de caminhar juntos com os irmãos e as irmãs, com o irmão sol e a irmã lua. O que convence a um cristão? O encontro, a relação. Isso é o que produz convicção. O cristianismo é belo. Não pode ser uma religião baseada em condenações ou numa visão que busca ser o pesadelo geral da humanidade. Jesus veio para nos ensinar a viver, não para criar outra religião. Veio para nos ensinar a solidariedade, o amor, a capacidade de perdoar, a proteção do que vive e existe, e a abertura a Deus e ao infinito.
– O infinito inclui o ser humano?
– Claro que sim. A humanidade é infinita. Jesus não pode ser apropriado pelas Igrejas. Por nenhuma. Francisco plasma bem essas ideias. A (encíclica) Laudato Si tem como destinatária a humanidade, e não só os cristãos. Diz que a ameaça é iminente, e que devemos atuar. Mas suscita também muita esperança, pela existência de meios tecnológicos e de espírito aberto para atuar. Olha, eu revi um texto do Livro da Sabedoria, que é o único de todos escrito em grego. Em 11:24 sempre lemos que Deus é o soberano amigo da vida. Mas a tradução correta do grego é “amante da vida”. E na encíclica, a frase figura assim.
– Como vocês se tratam?
– Num dos chamados, eu o tratei como Sua Santidade. “Santidade é o Dalai Lama, eu sou Francisco”, me disse ele. Ainda não pude vê-lo, pero já nos encontraremos. Vejo que ele quer resgatar os que sofrem perseguições devido à Teologia da Libertação.
– Em algum momento, eu li que seu entusiasmo pelo papa surgiu do nome do fato de que Jorge Bergoglio assumiu o nome de Francisco. Você tinha outra informação a respeito dele antes?
– Bom, eu sou próximo ao cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, que é muito amigo de Bergoglio. Sempre disse a Cláudio que a Igreja precisava de um Francisco, alguém na linha de São Francisco de Assis. Se não, a Igreja seguiria na ruína moral, com os sacerdotes pedófilos e os cardeais que os protegiam. Hummes soprou o nome de Bergoglio ao meu ouvido. E claro, um São Francisco não vive em palácios. Com um São Francisco, os pobres teriam prioridade. Por isso, a primeira visita do papa foi a Lampedusa, onde chegam os refugiados que sobrevivem à travessia. Reivindicou a Igreja dos pobres e criticou duramente o paradigma ocidental de que perdeu a capacidade de chorar e não sente a dor do outro. Esses gestos são absolutamente fortes, mais que as palavras. Por onde vai, Francisco abraça e visita os sítios mais marginalizados. A grande significação de uma mudança nas estruturas mentais foi quando chamou à Academia Pontifícia os representantes dos movimentos sociais. Os encontrou de novo depois, em Santa Cruz de la Sierra.
– Qual seria a lógica?
– Seria como dizer: “Quero que as vítimas venham diretamente, me falem da sua dor e me expliquem qual é a causa da dor”. Daí saem o trabalho, a terra e o teto, como a tríade dos direitos fundamentais. Ou a ideia de não esperar nada do sistema, nem do Estado, nem das elites. As cooperativas e os movimentos devem ser os profetas das mudanças. “De vocês vêm a solução”, disse ele. Assim se construirá uma civilização baseada na vida.
– O Papa não poderia e não deveria ser mais claro e falar da concentração financeira?
– Você já deve ter percebido que está mudando o seu léxico. Na viagem recente que fez à Polônia, ele disse aos jornalistas que “o pior tipo de terrorismo que existe é o capitalismo”. A frase foi muito irritante para setores poderosos dos Estados Unidos, que não só consideram o capitalismo como um modo de produção mas também como uma cultura, que se desenvolve a partir do sacrifício e da natureza do homem. A Igreja sempre oscilou entre criticar o sistema ou defendê-lo.
– Você quer dizer que não oscila mais?
– Chegou a ser um aliado do sistema ocidental capitalista, mas este papa não quer que a Igreja siga ocupando esse papel. Atua como deve, com o vigor de um jesuíta e a ternura de um franciscano. Ele cita muito o filósofo Romano Guardini. Eu escutei uma palestra de Guardini em Munique, quando disse que se havia perdido o humanismo. Por isso, Francisco se ocupa em citar episcopados sem tradição teológica. Porque eles também são portadores da terra e do futuro do mundo. Ou em citar a um protestante como Paul Ricoeur. É o primeiro papa a representar a globalização vista a partir do sul do mundo, porque na Europa vivem somente 24% dos católicos. Outros 62% estão na América Latina, e os demais estão na Ásia e na África. Será o primeiro de uma genealogia de papas que virão do Terceiro Mundo, ou do Quarto?
Bispo de Roma, torcedor do San Lorenzo e peronista
Casado, o teólogo brasileiro Leonardo Boff é um dos religiosos que aceitam discutir se os sacerdotes devem mesmo ser solteiros, ou não.
– Qual você acha que será a postura dele sobre o tema?
– Minha suspeita é de que o papa, aos poucos, vai abolir a obrigatoriedade do celibato eclesiástico. Uma forma seria admitir que alguns podem voltar a exercer o ministério. Outra forma seria permitir que fosse opcional.
– E você, o que fará? Você está casado, foi padre franciscano…
– Eu continuo, como continuei fazendo o que fazia antes, inclusive quando me sancionaram, ou quando deixei o hábito. Continuo celebrando, batizando, enterrando mortos. Não por provocação à Igreja, mas sim para atuar de acordo ao que a comunidade me pede. Faço aquilo que penso que deve ser feito. Juntos, como homens e mulheres, todos juntos possam celebrar e consagrar. Além disso, continua escrevendo. Sobre ecologia e sobre teologia. Em algum momento, Roma certamente preferiu que eu me tornasse gerente da Coca Cola Brasil, mas eu preferi a teologia.
– Que mudanças teológicas o seu próprio casamento produziu?
– Percebi até que ponto a Igreja é injusta. O matrimônio é uma escola de santidade. Nós temos que saber compreender, renunciar, aceitar a diversidade de gênero, conviver com as relações históricas de poder. Os sacerdotes solteiros podem ter características pessoais mais duras que as que teriam os sacerdotes casados. Na pastoral, a aproximação e a amizade têm sentido. O matrimônio não é uma complementação, porque cada parte é completa. O matrimônio é reciprocidade.
– Como define o exercício pastoral de Francisco?
– Ele mesmo o definiu. Disse que antes que papa, era o bispo de Roma, ou seja, pôs em primeiro lugar sua responsabilidade pastoral, e anunciou que se basearia não no direito canônico e sim na caridade. Também reconheceu que as mulheres são mais da metade da Igreja. Meu sonho é uma Igreja mais laical, e que seja feminina-masculina, superando o poder como hierarquia. Carl Jung dizia que com o poder não há amor, porque o poder faz desaparecer o amor e a misericórdia. O conceito bíblico de poder é reforçar o poder do outro, não acumular mais poder próprio. O papa disse que seu ideal de Igreja é o rebanho com o pastor no meio de todos, tratando de que ninguém se adiante demais, e permitindo que os que se atrasam possam recuperar o passo.
– Você sabe que essa postura poderia ser inspirada por Juan Domingo Perón?
– Eu sei que o papa é peronista. Mas, por que você me diz isso?
– Por uma frase de Perón: “nem apressados nem retardatários”.
– Claro, é o mesmo que a ideia de Francisco sobre o pastor e o rebanho!
– Agora eu lhe pergunto: como você descobriu que o papa é peronista?
– Porque ele disse isso à presidenta (brasileira) Dilma numa conversa. Disse que ele era o bispo de Roma, o papa, torcedor do San Lorenzo e peronista.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Rede Brasil Atual
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