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quinta-feira, 3 julho, 2025

No Panamá, primeiro ano de governo e mais tensões sociais

Cidade do Panamá (Prensa Latina) O presidente panamenho, José Raúl Mulino, acaba de completar seu primeiro ano de mandato, marcado por tensões com os Estados Unidos sobre o Canal e crescentes protestos populares contra uma lei de pensões.

Por Mario Hubert Garrido

Correspondente-chefe no Panamá

Seu discurso mais recente à nação na Assembleia Nacional (parlamento), onde prestou contas de sua administração após um atraso de cinco horas no início da votação no conselho legislativo, foi precedido por uma reunião com a deputada Shirley Castañedas.

Ela foi candidata do partido Realizando Metas, que o levou ao poder, mas não obteve os votos necessários e Jorge Herrera, do Panameñismo, foi eleito chefe da Assembleia Legislativa.

A derrota do partido no poder, que já tinha baixos índices de aprovação segundo as pesquisas, foi, no entanto, interpretada como reflexo de uma “nova forma de governar”, sem pressão nem compra de consciências.

Em seu longo discurso de 1º de julho, Mulino admitiu o quão difícil é tirar a politização do estado, um terreno dominado por negociações, onde uma mão lava a outra e “tudo gira em torno de interesses monetários”.

“Começar a mudar essa prática não exigiu apenas determinação, mas também resistir à pressão daqueles que não querem abrir mão do doce”, enfatizou.

LEI 462

A administração do chefe de Estado tem sido marcada por crescentes protestos populares contra a Lei 462, o Fundo de Seguridade Social (CSS), uma questão que se arrasta de administração para administração devido à crise financeira da instituição pública, à escassez de medicamentos e aos serviços de saúde deficientes que ela fornece aos aposentados e pensionistas.

Os protestos se intensificaram quando, em 23 de abril, sindicatos de professores iniciaram uma greve por tempo indeterminado, também contra um memorando de entendimento assinado com os Estados Unidos que permite o estabelecimento de bases e o aumento da presença militar, sob o pretexto de treinamentos e operações conjuntas contra o narcotráfico, embora Mulino negue.

Sobre a regulamentação das pensões, aprovada em março passado, o chefe de Estado reiterou em sua mensagem que se trata de uma boa lei, fruto de meses de consulta, mas não apontou as propostas ignoradas de organizações sindicais e instituições acadêmicas como a Universidade do Panamá, nem as opiniões adversas de deputados como Walkiria Chandler e Jairo Salazar, que pressionarão por sua revogação na nova sessão.

“Acredito nas liberdades e as defendo. Respeito e valorizo ​​as críticas quando construtivas, e levo muitas delas em consideração na minha administração. Mas é importante distinguir entre discordância e mentiras vis”, afirmou o presidente.

Em sua opinião, houve líderes sindicais e políticos que tomaram medidas violentas. “Eles são tão imprudentes que se aproveitaram da difícil, mas urgente, reforma da Previdência Social para tentar desestabilizar o governo com protestos disfarçados de reivindicações sociais. Mas desta vez não funcionou”, opinou.

Para o presidente, era imperativo e absolutamente necessário implementar reformas no CSS. Nesse sentido, ele reiterou que a Lei 462 é fruto de um exercício democrático, mas antes deixou claro que se recusa a dialogar e não tem intenção de revogá-la, apesar da oposição popular.

Em seu discurso, ele também não mencionou a cobrança de uma resposta do Estado a dezenas de denúncias de organismos internacionais sobre violações de direitos humanos e uso excessivo da força na repressão policial e criminalização de protestos, além de prisões e batidas arbitrárias.

O chefe de Estado simplesmente afirmou que as leis são construídas por meio do diálogo, mas são mantidas com responsabilidade.

Mesmo em relação à decisão de suspender as garantias constitucionais na província de Bocas del Toro por 10 dias — incluindo serviços de internet, telefone e habeas corpus, o que é ilegal — ele argumentou que seu gabinete se baseou na Constituição Nacional.

“Não foi arbitrário. Foi feito para reprimir ações que não eram protestos cívicos, mas sim vandalismo puro e simples. Agora temos que encontrar uma solução juntos para recuperar a atividade econômica da província, pensando em construir um futuro e não em destruir o presente”, concluiu.

Segundo analistas, o discurso alimentou ainda mais a divisão ao afirmar que os professores que participaram dos protestos caíram “na armadilha de mentiras espalhadas por alguns líderes ideologicamente tendenciosos”.

Nesse sentido, ele afirmou que a nova lei não afeta seus direitos e negou que suas ações constituíssem uma greve, descrevendo os protestos e a recusa em comparecer às aulas como um sequestro da educação.

SOBERANIA NACIONAL

Sobre o memorando de entendimento com os Estados Unidos, Mulino reiterou que o Panamá “não cedeu um milímetro de sua soberania”, afirmando que o acordo fortalece a cooperação em questões de segurança e combate ao narcotráfico.

Ele também não abordou a visita incomum de três altos funcionários do presidente Donald Trump, que ameaçaram retomar o controle do Canal, sem descartar o uso da força.

Somente neste ano, as visitas do Secretário de Estado Marco Rubio; do chefe do Pentágono, Pete Hegseth; e da Secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, nessa ordem, atenderam a esse propósito e foram muito além, exigindo a passagem livre de navios de guerra pela hidrovia interoceânica, uma questão que Mulino ignorou em sua aparição.

Para o presidente, este documento, “que tem sido alvo de interpretações maliciosas, não viola a nossa soberania em nenhuma circunstância.

“Ao contrário, reafirma que todas as instalações de segurança permanecem panamenhas, que o controle operacional cabe exclusivamente ao Ministério da Segurança Pública e que qualquer colaboração estrangeira será temporária e respeitosa à nossa Constituição e às nossas leis.”

Ele também afirmou que o acordo assinado com Washington não contempla bases militares nem cessão territorial de qualquer natureza, e pode ser cancelado unilateralmente pelo Panamá com aviso prévio de seis meses.

Este é apenas um dos pelo menos 23 acordos de cooperação semelhantes que o Panamá assinou com os Estados Unidos desde 1990, praticados por todos os governos em defesa do interesse nacional, explicou.

O que vai acontecer, disse ele, “é que vamos nos fortalecer contra o narcotráfico. Atacar esse flagelo é defender a nossa pátria”. Ele também afirmou que a Lei Orgânica do Canal, agora com status constitucional, tem a neutralidade como sua melhor defesa.

RESERVATÓRIO DE ÁGUA DOCE

Se ainda faltasse outro tema polêmico, Mulino o acrescentou ao se referir à construção de uma represa no Rio Índio para facilitar o funcionamento do Canal e aumentar o fornecimento de água doce à população, mas rejeitada pelos moradores daquele território, que veem suas comunidades indígenas ameaçadas por uma possível expulsão.

Ignorando os altos índices de rejeição nas consultas preliminares sobre o projeto, Mulino simplesmente afirmou que “o Canal precisa de mais água, nós precisamos de mais água potável. Não podemos comprometer nossa significativa vantagem competitiva e nossa posição geográfica estratégica”.

Ele chegou a dizer que “quem se opõe ao Rio Índio se opõe ao progresso, a ter mais água para as pessoas e a ter mais recursos hídricos para o Canal”.

Embora centenas de moradores de comunidades que serão afetadas pelo reservatório tenham se manifestado contra o projeto, o presidente está confiante de que a Autoridade do Canal do Panamá abordará o impacto social.

PROMESSAS QUEBRADAS

Vários analistas lembraram que Mulino chegou à presidência da República com a promessa de mais chenchén (dinheiro no bolso), ou seja, uma revitalização da economia local, compromisso que não foi cumprido após um ano de governo.

No entanto, ele esclareceu que a recuperação está demorando mais do que o esperado devido à desordem e à corrupção herdadas e, nesse sentido, pediu unidade apesar das diferenças.

Não importa se você se opõe a mim, se não gosta de mim ou se pensa diferente. Precisamos de todos porque os desafios são enormes e precisamos nos unir para avançar. Vamos construir um Panamá onde a gestão supere a política, onde a empatia supere os egos e onde o futuro transcenda quaisquer diferenças”, concluiu.

A verdade é que, segundo pesquisas de opinião recentes, os panamenhos perderam a confiança neste governo, que ainda tem quatro anos de mandato pela frente.

De acordo com uma pesquisa realizada em junho passado pela empresa de pesquisas Prodigious Consulting, 73,6% da amostra relatou ter pouca ou nenhuma confiança nele. Na pesquisa realizada após seus primeiros 100 dias, 26,4% confiavam no atual chefe de Estado; o número atual é de 7,8%.

81,5% dos entrevistados acreditam que o governo atual não representa os interesses da maioria dos cidadãos.

Em julho de 2024, as estatísticas mostram que uma perspectiva amplamente otimista marcou o sentimento público: 66,6% se declararam otimistas ou muito otimistas, em comparação com apenas 2,7% que expressaram pessimismo.

Mas em junho de 2025, a situação tomou um rumo radical: 58,7% se declararam pessimistas ou muito pessimistas, e o otimismo caiu para 15,8%.

Essa reversão no sentimento coletivo reflete uma profunda mudança nas expectativas e reforça a narrativa de desconexão entre as promessas iniciais e as realidades percebidas pela população.

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