Charge de Liurui ao Global Times
Guerra contra a Rússia, Europa em crise semelhante ao período da Segunda Guerra Mundial, emergem monstros
Emiliano José
Europa.
Nós nos acostumamos a reverenciá-la.
Pela Revolução Francesa. Pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Pelas tantas insurreições operárias. Pela Comuna de Paris. Pelo Estado de Bem-Estar Social. Pela herança intelectual.
Provável nos esquecêssemos de outras heranças.
Do colonialismo.
De toda violência praticada pelos estados europeus.
Da Conferência de Berlim, do final do século XIX, quando as nações europeias dividiram a África entre si e impuseram ao continente africano um destino de superexploração, de violência, cujas consequências perduram até os dias atuais.
Ainda assim, a outra herança, sempre nos animou a seguir em nossas lutas revolucionárias, emancipatórias.
EUA e desejos imperiais
Fomos diminuindo as expectativas quando o neoliberalismo tomou conta do velho continente.
Arquivo Nacional Holandês via Wikimedia Commons
Quando a Inglaterra, Margareth Thatcher à frente, final dos anos 1970, comandou a nova fase do capitalismo com mão de ferro. E de alguma forma todos os países seguiram a receita.
E o Estado de Bem-Estar mais ou menos rapidamente sendo objeto de um ataque concentrado.
Desejos imperiais dos EUA.
Desejos de domínio.
Tentativa de continuidade de domínio, numa fase de óbvio declínio.
Então, procura sócios nessas empreitadas guerreiras.
Resolveu cercar a Rússia, utilizando-se de uma Ucrânia revisitada pela ideologia nazifascista, travestida de democrática, visão comprada pela Europa, como se verdadeira fosse.
Não se sabe se verdadeiramente acredita nisso, ou se o faz para dar sequência a essa espécie de servidão voluntária ao Império.
Guerra por procuração
O resultado do envolvimento nessa guerra, o mundo a chamou guerra por procuração, foi uma crise sem precedentes no continente, atingindo seriamente a Alemanha e a França, mas não apenas esses dois países.
O combate contra a Rússia, porque tal guerra por procuração pensada pelos EUA, com a OTAN profundamente envolvida, era exatamente parte da luta do império contra a Rússia.
O argumento de defesa das liberdades na Ucrânia é argumento pra inglês ver.
Verdade, verdade a Ucrânia era uma espécie de cabeça de ponte de um cerco militar orquestrado contra a Rússia.
Os EUA sabiam ser impossível realizar tal cerco e esperar uma Rússia inerte. Esta, como se previa, reagiu, e a guerra aconteceu.
E levou a Europa de roldão.
Sendo obrigada, ou querendo mesmo, a se envolver profundamente no conflito, jogando dinheiro a rodo para garantir a luta contra a Rússia, pretensamente em defesa da Ucrânia.
Se havia intenção dos EUA de dominar inteiramente a Europa, se houve durante muito tempo esforços nessa direção, se enfrentaram resistências, tímidas ou mais vigorosas em algum momento, agora parece terem alcançado o objetivo.
O continente aceitou tudo.
Viesse o que viesse do império, ajoelhava e rezava.
Atentado terrorista dos EUA
Reprodução da internet
Sabe-se: os EUA resolveram explodir os gasodutos Nord Stream 1 e 2.
Haviam sido construídos havia pouco tempo. Percorriam 1.200 quilômetros sob o Mar Báltico, da Rússia à Alemanha. Foram explodidos em 26 de setembro de 2022, por ordem do presidente Joe Biden, conforme o respeitado jornalista norte-americano, Seymour Hersh, vencedor do prêmio Pulitzer.
Mergulhadores da Marinha dos EUA plantaram explosivos durante exercícios realizados pela OTAN em junho de 2022, ativados em setembro. Tal ato de terrorismo internacional teria sido discutido na Casa Branca por nove meses com a participação do presidente Joe Biden e do conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sulivan.
As relações energéticas da Rússia com a Europa estão cortadas. Por esse atentado e por várias outras decisões de lideranças da União Europeia, cujas iniciativas acabaram por cortar deliberadamente o fornecimento de gás russo. A Europa restou sem gás, e isso é literal.
A provocar uma crise sem precedentes, com a energia tornando-se muito mais cara, com a Europa caminhando para uma fase muito difícil, nitidamente autodestrutiva, e sem volta.
Assolada por regimes débeis, incapazes, submissos, tanto os chamados democráticos, quanto os de extrema-direita.
Quando nada mais parecia piorar, o regime ucraniano, dado a glorificar um nazista como Stepan Bandera e tantos outros nazifascistas, na quarta-feira, dia do Ano Novo, cortou a última rota de abastecimento de gás russo à União Europeia.
O gasoduto chamava-se Fraternidade.
© AFP 2023 / (Sputnik)
Concebido na década de 1970, começou a funcionar em 1980, transportava gás natural russo da Sibéria Ocidental para a Europa. Ainda em tempos de Guerra Fria.
A medida do governo nazifascista de Zelenski, analisada por ele como uma maneira de estancar “a hemorragia de dinheiro para a Rússia”, foi saudada por todos os líderes europeus, cujas viseiras parecem cada vez maiores.
Sabotagem da Ucrânia
Uma voz solitária chegou a se levantar: a do primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, único dos 27 estados-membros da União Europeia a se insurgir contra a tresloucada decisão de Zelenski. Tresloucada, modo de dizer: medida favorece os EUA. Inteiramente de acordo com os interesses imperiais.
Fico condenou a “sabotagem” da Ucrânia ao abastecimento energético da Europa e às economias do continente. Alertou para o óbvio: a dificuldade com o fornecimento de gás coloca a Europa diante de uma catástrofe econômica de grandes proporções.
Ameaçou ainda cortar o apoio financeiro a mais de 130 mil refugiados ucranianos. Afirmou considerar a possibilidade de suspender o fornecimento de eletricidade à Ucrânia. Pediu a renovação do trânsito do gás ou uma compensação pelas perdas decorrentes do cancelamento do fornecimento do gás russo.
A rota de gás através da Ucrânia abastecia a Eslováquia, a Áustria, a Moldávia e a República Checa. Tais países serão levados a encontrar outras fontes de abastecimento nos mercados internacionais. O gasoduto fechado por Zelenski, de 4.500 quilômetros, foi parcialmente financiado por capitais alemães.
O principal beneficiário desse corte de gás à Europa, e nada na geopolítica ocorre por acaso, são os EUA. As exportações de gás dos EUA para a Europa triplicaram. O gás norte-americano custa entre 30 a 40% mais caro. Fácil perceber as consequências disso.
Subsidiariamente, Noruega, Azerbaijão e Argélia também fornecerão gás ao continente. Os custos decorrentes desse monumental desequilíbrio no fornecimento de gás são muito altos, e sobrecarregam sobremaneira as economias de todos os países europeus, agravando a crise. Obriga todos eles a construírem novos gasodutos e novos terminais para receber o gás.
Os desastres alemães e franceses
A economia alemã, de modo particular, sofre e muito com a fim do fornecimento do gás russo. As dificuldades econômicas têm a ver diretamente com o fim do fornecimento do abundante e acessível gás russo, e também mais barato do que o norte-americano e de quaisquer outras fontes.
A situação da Alemanha, a mais forte econômica da Europa, prenuncia a monumental crise do continente. A Alemanha especificamente caminha para a maior recessão desde a Segunda Guerra mundial, já nessa condição no terceiro ano consecutivo, alcançando 2025.
Fila num banco de alimentos na cidade alemã de Schweinfurt, em novembro deste anoThomas Lohnes (Getty)
Os alemães restaram mais pobres, nesses anos, conforme o Instituto de Pesquisa Handelsblatt (HRI). As perspectivas para o país , conforme o Banco Central alemão, aponta para um crescimento de 0,2% em 2025.
O HRI aponta a crise do gás como fator essencial nessa crise. Desapareceu o gás russo, de preços acessíveis, e surgiu o gás liquefeito norte-americano (GNL), mais caro. A consequência: subiram os custos de energia acentuadamente, e isso afetou gravemente os empreendimentos industriais grandes e pequenos. Paralisações, falências em vários setores, afetando inclusive várias grandes empresas, como a Volkswagen.
Foto: Banco de mídia da Sputnik
A chegada de Trump ao poder nos EUA pode, curiosamente, aliviar asituação da Europa se ele, como promete, criar as condições para o fim da guerra contra a Rússia, guerra na qual ele não tem interesse.
Aliviar, o máximo a se dizer.
Porque, com a guerra, o continente está alquebrado, e não há exceções.
A França não se encontra em situação diferente da Alemanha. Importante lembrar isso. Os dois países respondem por 41% do PIB de toda Europa. E os dois sofrerão contração econômica neste ano. O déficit do setor público francês está próximo de ultrapassar 6,1% do PIB, porcentagem superior ao dobro do limite estipulado para a Zona do Euro. A dívida pública francesa chega a 110% do PIB, e está em ritmo de alta. Os mercados de títulos da França, para nos adequarmos à linguagem do neoliberalismo, apresenta-se em situação menos confiável do que a Grécia.
Crise e ascensão da extrema-direita
A guerra contra a Rússia corroeu a economia europeia, e não só pelo gás. Há os custos da própria guerra. Tais custos acarretam dificuldades internas. Piora as condições de vida do povo. E talvez tudo isso explique a ascensão de forças de extrema-direita em vários países.
Cartonista: Ma Hongliang (para Diário do Povo Online)
Em décadas anteriores, os países europeus rejeitaram as imposições de Washington, contrário a quaisquer projetos de fornecimento de gás russo.
Agora, como vimos, aceitaram. De joelhos, enquanto desenvolvem a guerra por procuração.
Acolheram a ideia de manu militari, à custa de milhares de vidas, cercar a Rússia, causar-lhe dificuldades. E arriscar até a possibilidade de uma terceira guerra, agora nuclear, a significar, quem sabe, até o fim da espécie humana na terra. O império em decadência torna-se perigoso.
Guerra nunca é boa para ninguém.
© Sputnik / Stanislav Krasilnikov
Pretendia-se com essa chamada guerra da Ucrânia causar problemas muito graves à Rússia. Esta, a que menos sofreu.
Sofreu o povo ucraniano, vitimado desde a implantação de um governo neonazista, levado a essa aventura por ele e pela ambição de continuidade de domínio por parte dos EUA.
Sofreu o povo europeu, levado a uma crise econômica sem precedentes.
Mais: essa turbulência levou a um estado de ânimo favorável ao fortalecimento da extrema-direita na Europa, fortalecimento muito comum em momentos de crise grave como esta.
Como diria Gramsci, a crise é revelada por um estranho retrato: o velho não quer largar o osso, o novo não tem forças para se impor, e nesse claro-escuro, surgem as deformidades, os monstros, como os Zelenki, os Bolsonaro, ideias sombrias com as quais a Europa conviveu no decurso da Segunda Guerra Mundial.
Com a grave crise da economia alemã, a maior da Europa, com as enormes dificuldades da França, as consequências não parecem pequenas.
Há, nesse quadro, o aumento da xenofobia em todas as nações da Europa, simultaneamente ao crescimento de emigrações, por conta da guerra da Ucrânia e das demais guerras, e do aprofundamento das desigualdades sociais em todo o mundo, consequência de um capitalismo em crise.
Os europeus fecham as portas às multidões expulsas das situações de guerra e de pobreza absoluta, como se isso resolvesse o problema.
Inegavelmente, o pior momento da Europa.
Crise política, econômica, social, e uma crise ética também porque incapaz de enfrentar as consequências sociais de um capitalismo em crise, com a pessoa humana relegada a terceiro, quarto plano.
Ajoelhada, fazendo triste figura.
Assim, a Europa.
E sem caminhos à vista para sair bem dessa crise.
Longe, muito longe da grande consigna da Revolução Francesa.
Quem sabe, um dia.
Quem sabe, uma nova Comuna.
Uma Comuna dos novos tempos.
Recuperar a velha consigna.
Quem sabe então, a liberdade.
Então, igualdade.
E aí fraternidade.
Referências
ALEMANHA teria ajudado tentativa de encobrir participação dos EUA na destruição do Nord Stream. De acordo com o jornalista, oficiais da Alemanha e dos EUA teriam repassado informações falsas para a imprensa. Brasil de Fato, 24/3/2023.
ECONOMIA da Alemanha está rumo à sua maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Pátria Latina, 4/1/2025.
HENLEY, Jon, de Paris; COLE, Deborah, de Berlim. Máquina enferrujada. The Observer: Motores da União Europeia, Alemanha e França afundam na crise econômica e política. CartaCapital, 25/12/2024.
JORNALISTA de investigação diz que Marinha dos EUA fez explodir Nord Stream. PÚBLICO e agências, 8/2/2023.
O TIO SAM e os bandidos bandeiristas destroem a Europa. Strategic Culture Foundation. Pátria Latina, 5/1/2025.
RÚSSIA sustenta artigo que acusa EUA de terem sabotado gasoduto Nord Stream. Artigo do jornalista Seymour Hersh alega que EUA teriam explodido gasoduto Nord Stream durante exercício da OTAN. Brasil de Fato, 9/2/2023.
SAMBADO, Cristina. Kiev fecha torneira do gás russo, Eslováquia ameaça cortar apoio a ucranianos. RTP Notícias, 3/2/2025.