por Miguel Martins e Rodrigo Martins —Carta Capital
De costas para o povo, os gestores ignoram impactos nas economias locais e amedrontam os incautos com projeções nada confiáveis
Cau Guebo/Estadão Conteúdo
A insatisfação com as mudanças na aposentadoria ganhou as ruas
Em São Paulo, a Avenida Paulista foi fechada por manifestantes, mais de 150 mil, segundo estimativas da Central Única dos Trabalhadores. Nem mesmo a paralisação do Metrô, com transtornos à mobilidade na capital paulista, diminuiu o apoio popular.
Na Estação Jabaquara, zona sul da cidade, os metroviários chegaram a ser aplaudidos. Entre os presentes nos protestos houve até quem trajasse camisas verde-amarelas, símbolos das manifestações contra Dilma Rousseff.
Ao contrário do congelamento dos gastos públicos por 20 anos, projeto aprovado sem muita resistência no fim do ano passado, a insatisfação com as mudanças nas regras da aposentadoria, demonstrada nas ruas, evidencia o distanciamento entre a classe política, aferrada a catastróficas (e suspeitas) projeções de déficit no setor, com os trabalhadores, cada vez mais cientes de que chegarão à velhice sem a devida proteção da Previdência.
Temer acusou o golpe. No dia das manifestações, admitiu que a reforma poderá passar por “uma ou outra adaptação”. Ameaçou, porém, sacrificar o salário dos trabalhadores. Sócio de uma distribuidora de combustíveis a figurar na lista de devedores do INSS, o relator da reforma da Previdência na Câmara, Arthur Maia (PPS), manteve-se inflexível: disse que os atos “não mudam absolutamente nada” na tramitação da proposta.
Desde que assumiu o Ministério da Fazenda, Henrique Meirelles prega o “colapso” da Previdência sem uma reforma drástica. A proposta do governo iguala as exigências para trabalhadores rurais e urbanos, homens e mulheres: mínimo de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. Ou 49 anos de trabalho contributivo para ter acesso à aposentadoria integral.
Em novembro de 2016, Meirelles disse que as despesas do setor atingiriam 17,5% do PIB em 2060. Não deu uma explicação plausível para o número mágico. Não é de hoje que o governo federal tem o hábito de subestimar as receitas e superestimar o déficit em suas projeções para o setor, como veremos adiante.
Embora os atos de resistência à reforma tenham se concentrado nas capitais, o impacto das mudanças propostas pelo governo promete ser ainda maior para a economia dos pequenos municípios.
Segundo dados levantados pelo site Compara Brasil a pedido de CartaCapital, em quase um terço das cidades brasileiras, o pagamento de aposentadorias, pensões e outros amparos assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada, supera a receita corrente das prefeituras.
Município de 12,4 mil habitantes, Santa Mariana, no Paraná, surge no topo da lista das cidades onde os repasses previdenciários têm maior peso que a arrecadação local. Em 2015, os pagamentos da Previdência superaram em mais de oito vezes a receita corrente do município paranaense. Na lista das dez cidades onde a dependência da Previdência se mostra mais radical, apenas uma delas possui mais de 50 mil habitantes.
O debate sobre o peso da Previdência na economia dos municípios reforça a distância entre as planilhas e os interesses da população. Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, diz apoiar “incondicionalmente” a reforma de Temer pelo impacto positivo que ela gerará para o caixa das prefeituras. “Como cidadão, pode-se até ter outra opinião, mas para os gestores a reforma é muito importante.”
Segundo Ziulkoski, o beneficiário gasta em consumo, mas as prefeituras não recolhem Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. “Esse consumo não tem qualquer impacto sobre o Erário do município”, diz. “Quase um terço do caixa das cidades é destinado ao pagamento da Previdência. Se reduzirmos para 25%, haverá mais recursos para investimentos e para estimular a retomada da atividade econômica.”
Para diferentes especialistas consultados por CartaCapital, não faz sentido falar em volta do crescimento com diminuição do poder de compra da população. “O maior patrimônio do País são os 205 milhões de brasileiros. É um mercado interno poderoso, principalmente num momento de crise como o de agora, no qual há retração da economia mundial”, observa Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social de Dilma. “Achatar o salário mínimo, cortar aposentadorias e benefícios do BPC significa destruir o mercado doméstico.”
Um estudo liderado pelo economista Marcelo Neri, ex-presidente do Ipea, divulgado em 2013, por ocasião do aniversário de dez anos do Bolsa Família, revelou os efeitos macroeconômicos das transferências da Previdência e Assistência Social.
Para cada real investido na Previdência em 2009, 65 centavos retornavam à economia pelo consumo das famílias, e pouco mais de 50 centavos eram incorporados ao PIB. No caso do BPC, que contempla os idosos mais pobres, o efeito multiplicador era maior. Para cada real transferido, agregava-se 1,32 real no consumo final e 1,19 real ao PIB nacional.
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‘Se incluir o pobre no Orçamento ele será parte da solução’, afirma Lula (Foto: Paulo Pinto/Agência PT)