M.K. Bhadrakumar [*]
Os primeiros sinais de dupla via na guerra híbrida da Rússia na Ucrânia vieram à tona. Na noite de quinta-feira, o Kremlin ofereceu um ramo de oliveira ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Sucintamente colocado, o Presidente Vladimir Putin expressou a sua disponibilidade para encetar conversações com o seu homólogo ucraniano com o objetivo de obter uma garantia de estatuto neutro para a Ucrânia e a promessa de não haver armas ofensivas no seu território.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse sem elaborar: “O presidente formulou a sua visão do que esperaríamos da Ucrânia a fim de que os chamados problemas da ‘linha vermelha’ fossem resolvidos. Isto é um estatuto neutro e isto é uma recusa da instalação de armas”.
Putin havia deixado claro, num discurso nacional na quinta-feira de manhã a anunciar o lançamento da operação militar, que o objetivo russo se limitava à “desmilitarização” e “desnazificação” da Ucrânia. Esta última refere-se aos grupos neo-nazistas ascendentes na Ucrânia que têm atuado como um Estado dentro do Estado e perpetrado atrocidades contra a população de etnia russa.
A oferta do Kremlin não surgiu do nada. Um grupo de deputados ucranianos também saiu ontem com um apelo a Zelensky, numa carta aberta, para iniciar negociações com Moscou Curiosamente, o grupo é liderado por Vadim Novinsky – um multimilionário ucraniano e um dos co-líderes do Bloco da Oposição, uma associação de mais de uma dúzia de partidos políticos. O grupo também propôs consultas diretas entre os parlamentos dos dois países.
Mas o que o que dá encanto a esta visão é que Zelensky, por si só, também solicitou ao Presidente francês Emmanuel Macron que transmitisse diretamente uma mensagem a Putin. Macron revelou desde então que teve “uma conversa rápida, direta e franca sobre um pedido do Presidente Zelensky”.
Macron disse que o objetivo da conversa era um pedido de Kiev “para acabar com as hostilidades o mais depressa possível”. O Kremlin confirma que Putin manteve uma conversa “franca” com Macron.
O papel de Macron é importante, uma vez que foi ele quem primeiro acenou a ideia junto a Putin, no decorrer de uma conversa recente, de que uma forma de sair do impasse poderia ser que Kiev desistisse unilateralmente de qualquer intenção de aderir à OTAN. Posteriormente, numa interação com os meios de comunicação russos no Kremlin na terça-feira, Putin também mencionou esta ideia.
O próprio Zelensky disse (depois da conversa de Macron com Putin), num discurso em vídeo emocionado à nação depois da meia-noite de quinta-feira, “Fomos deixados sozinhos para defender o nosso Estado. Quem está pronto para lutar ao nosso lado? Não vejo ninguém. Quem está pronto a dar à Ucrânia uma garantia de adesão à OTAN? Todos têm medo”. Prosseguiu, revelando que tinha ouvido de Moscou que “querem falar sobre o estatuto neutro da Ucrânia”.
Muito obviamente, Zelensky já se apercebeu que não está a vir cavalaria de Washington ou de Bruxelas para salvar o seu governo. De facto, o pedido de Zelensky a Macron seguiu-se as reiteradas afirmações categóricas do Presidente norte-americano Biden de que não se trata de uma intervenção americana na Ucrânia ou de tropas norte-americanas que envolvam militares russos.
Entretanto, o Ministério da Defesa russo salientou na quinta-feira que a estratégia de Moscou será atingir alvos militares e evitar baixas civis. O sistema de defesa aérea da Ucrânia foi tornado inoperante. Moscou está a encorajar os soldados ucranianos a renderem-se ou simplesmente a regressarem às suas famílias, com a intenção de minimizar qualquer combate.
Tudo isto sugere que uma via política está em alerta. O plano do jogo russo é forçar Zelensky a ver a evidência. A capitulação da Ucrânia é apenas uma questão de dias. Esta guerra híbrida teria os seguintes elementos:
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A Rússia irá sem dúvida derrotar sistematicamente os elementos neo-nazistas na Ucrânia (especialmente entre militares, como a Brigada Azov) que têm sangue russo nas suas mãos. Estes elementos até agora atuaram impunemente devido ao apoio encoberto do Ocidente à sua disposição anti-russa.
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A Rússia estima, com razão, que qualquer repressão contra os elementos neonazistas apenas fortalecerá as mãos de Zelensky. Na ausência de uma base de poder própria, ele tem ficado refém de nacionalistas extremistas.
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Por outro lado, as potências ocidentais retraíram-se em pânico de Kiev, e um Zelensky amargurado é deixado à sua sorte. Mas, paradoxalmente, isto também faz de Zelensky um interlocutor razoável, libertado das garras da vice-presidente dos EUA.
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Zelensky tem agido sob imensa pressão externa e medo de nacionalistas extremistas que gozam do “poder de rua” (O golpe de Estado de Fevereiro de 2014, aniquilando uma transição constitucional ordeira do Presidente Viktor Yanukovich, foi organizado pelos ultra-nacionalistas com o apoio ostensivo dos EUA).
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O mandato maciço de Zelensky (mais de 73% dos votos) nas eleições de 2019 deveu-se em grande parte ao apoio total dos eleitores russos que se sentiram atraídos pela sua plataforma de diálogo com a Rússia e à promessa de um acordo negociado no Donbass com a ajuda de Moscou. Mas acabou por tornar-se cativo de nacionalistas extremistas e vítima de manipulação ocidental.
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No entanto, Zelensky tem sinalizado esporadicamente a Moscou o seu desejo de uma rota de saída, sentindo que estava numa estrada para lado nenhum. Ultimamente, ele tem manifestado insatisfação com a histeria da guerra em Washington. Pelo menos durante uma conversa telefónica com Biden recentemente, tiveram uma altercação acesa, de acordo com a CNN.