Reprodução/Twitter
Emiliano José*
O futebol existe porque a vida não basta.
A frase, de Julián Fuks, inspira esse artigo, provoca-o.
É um mistério, o futebol.
A participação da seleção brasileira nesse campeonato do Qatar, medíocre.
Marcada pela futilidade de tantos jogadores, pelo exibicionismo, pelo desrespeito à miséria do povo brasileiro, com festas e carne folheada a ouro.
A vida não basta.
Torci.
Confesso: sem grande entusiasmo.
Até o momento da merecida desqualificação.
Não havia paixão naquele time.
Não havia garra.
Não havia coração no bico da chuteira.
Olhando, assistindo, deparei com Argentina.
Não alimento preconceitos com los hermanos.
De nenhuma natureza.
Sempre admirei Maradona – como não admirá-lo?
E Messi – dá para ignorá-lo?
Olhando a Argentina, passo a passo.
Coração no bico da chuteira, nela havia.
Classe e garra.
E chegou a final.
Confesso: foi o momento mais vibrante dessa Copa, para mim.
Não, não entro na comemoração boba – não foi o melhor jogo de todas as copas, de jeito nenhum.
Há tantos outros, melhores, ao menos para mim.
Vi dois times numa disputa a nos deixar com inveja – isso sim.
Por que não somos assim?
Por que não disputamos a bola com a garra daqueles dois times?
Será que as festinhas nos inebriam?
Nos roubam a garra?
Será o bife folheado a ouro, a nos deixar incapazes da disputa?
Nos perdemos onde?
Em que parte do caminho?
Somos pentacampeões.
Faz muito tempo isso, né?
De lá para cá, volto, onde nos perdemos?
Inebriados pelo volume de dinheiro recebido por cada um dos nossos craques?
Mas isso pode fazer perder o amor pelo País?
Messi e tantos mais também ganham fortuna – é característica do futebol-mercadoria, hoje muito mais mercadoria do que ontem.
Ganham muito dinheiro, os Messi e os Mbappé.
Não se esquecem, no entanto, de seus países, de suas origens.
E os cabelos, sem pinturas.
As comemorações, sem dancinhas.
Futebol sem futilidades, parecem dizer não ser para os fracos.
Futebol, luta renhida.
Como a vida.
Não estou me iludindo.
Não vamos voltar aos tempos das Copas anteriores.
O mundo é outro.
A voracidade do capital, outra.
Por isso, talvez, o dia 18/12/22, e vá lá se saber por que, foi o momento mais emocionante dessa Copa para mim.
Talvez pela América Latina.
Por Maradona.
Pelo grande, genial Messi.
Puro merecimento, essa Copa.
Deveria chamar-se Copa Messi.
Justo prêmio pela incrível trajetória.
Pela dedicação.
Pela capacidade no trato com a bola – alguém esconde tão bem a bola como ele?
Foi capaz até de nos fazer lembrar Garrincha.
Olhando pro tamanho dele, pensamos ser um jogador improvável.
Assim como se imaginava ao olhar para Garrincha com aquelas pernas tortas.
Provável seja a última Copa dele.
Pena.
Bom seria vê-lo em tantas outras.
A vida e sua lógica não permitem.
Bom termos tido a chance de vê-lo.
Com tanto brilhantismo e tanta disposição de luta.
Creiam: torci de maneira entusiasmada pela Argentina.
Sofri cada minuto da partida e da prorrogação.
Acompanhei tenso os pênaltis.
E gritei quando da vitória.
Messi nos revelou um belo casamento, de que tínhamos saudades, já vivido por nosotros.
O casamento entre a arte e a paixão.
Um futebol capaz do drible mais desconcertante e do chutão mais vigoroso.
Obrigado, Argentina.
Obrigado, Messi.
De um jeito ou de outro, vocês nos mostraram o quanto a vida é bela.
Quando encarada assim, com imensa paixão.
E a paixão, nos campos, nos pés de vocês, nos devolveu o encantamento do futebol.
E nós?
Onde nos perdemos?
E quanto vamos nos achar de novo?
*Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: