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sexta-feira, 19 abril, 2024

Mino Carta: A farsa trágica

Atenção, esta não é a celebração do desastre político, econômico e social (Carl de Souza/AFP)

De um governo nascido do golpe nada se haveria de esperar senão o retorno ao entreguismo de antanho

por Mino Carta — Carta Capital
A farsa trágica que vivemos ganha, neste momento, um sinistro cenário de insensatez, qual fosse a celebração do desastre. Além de oferecer vazão ao complexo de vira-lata de incontáveis torcedores nativos, os Jogos Olímpicos parecem provar a nossa incapacidade de entender as dimensões de um fracasso que nos envolve a todos. Enquanto o barco vai a pique, tripulação e passageiros bailam no convés.
Naufrágio iminente. A reportagem de capa desta edição expõe com o necessário senso do real as consequências das políticas que o governo Temer já começa a pôr em prática no plano econômico, com implicações profundas no campo internacional. É a liquidação do País, do seu presente e do seu futuro. É lamentável poder afirmar que não cabe surpresa, era quanto se havia de esperar de um golpe tramado na casa-grande, a consagrar a incompatibilidade entre Brasil e democracia.
Estamos habilitados, isto sim, a encenar um espetáculo único, com a extraordinária participação de um elenco vasto e bem afinado, ao menos em relação ao propósito principal do golpe. Se não, vejamos. Vale citar desde os parlamentares corruptos que se arrogam a julgar a presidenta eleita para substituí-la por um governo ilegítimo, até juízes da Suprema Corte que atuam politicamente ao se prestar a declarações sobre assuntos em juízo e se calam diante do assalto à Constituição.
E falemos de um grupelho de promotores milenaristas a serviço de um magistrado de primeira instância, obcecado pelo decisivo, ambicioso projeto de incriminar um ex-presidente que não somente comandou o melhor governo pós-ditadura, mas também é o favorito da próxima eleição presidencial. E evoquemos os social-democratas à moda, de pura fantasia, imbatíveis como intérpretes dos humores e vontades da casa-grande. A qual, neste golpe, conta com a Polícia Federal para substituir os jagunços de antanho.
Cotação especial para a mídia nativa, insubstituível na operação de transformar o mal em bem. Sua contribuição à manobra foi determinante. Superou-se na vocação de inventar, omitir e mentir, de sorte a sustentar a obra desta força-tarefa integrada por magistrados e policiais, empresários e congressistas.  Barões midiáticos e seus sabujos, entregues à busca de um grand finale que transcende o impeachment de Dilma Rousseff.
As tradições nos iluminem. É a casa-grande que mantém de pé a senzala para continuar a cavaleiro dos eventos, livre de irreparáveis ameaças. Quer um Brasil colônia, súdito de um império. Já foi o português, depois a primazia coube ao britânico, enfim, veio Tio Sam. A política exterior do governo Lula foi capaz de abalar este gênero de sujeição. Agora, o chanceler José Serra cuida do retorno às origens, com a bênção do presidente interino. O qual já se porta com ares de definitivo até 2018 e, segundo se propala, interessado até em reeleição.
E eis que no palco surgem personagens de certa forma surpreendentes. Cito Cristovam Buarque. Considerava-o figura digna e agora o colho a dizer que Dilma cometeu, sim, crime de responsabilidade, de pequeno porte, talvez pecadilho, mesmo assim, inconfundível ato delituoso. Há quem propale que se qualificou para um cargo destinado a curto prazo a enriquecer seu currículo.
E no outro dia, como diria Mário de Andrade, contador de Macunaíma, assisto no vídeo, por breves minutos, felizmente, a conferência de um grupo de luminares da crônica esportiva, gargalham ao comentar o “frangaço” da goleira da seleção de futebol dos EUA. A moça é ré por ter adentrado o País de cabeça protegida contra picadas do Aedes aegypti e eles se riem como se o Brasil não fizesse por merecer o receio da atleta. Como se não fosse a terra onde grassam doenças graves extintas pela civilização, onde a saúde do povo é descurada criminosamente pelo Estado e mais de 40% da sua superfície não é alcançada por saneamento básico.
Vídeo da Globo, ali amiúde se fala de um país inexistente. O verdadeiro é aquele onde tantos ignoram o golpe e onde o prefeito petista de São Paulo diz que a palavra golpe não exprime com precisão a situação presente. “Assim fica difícil…”, murmuram meus botões, sinistramente.

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