Em 19 de maio de 2024, o presidente Ebrahim Raisi, um servidor público muito respeitado e dedicado, faleceu em um trágico acidente de helicóptero, o qual causou eleições antecipadas no Irã, marcando um momento crucial na história de nossa nação.
Por: Masoud Pezeshkian, o novo Presidente da República Islâmica do Irã
Em meio à guerra e turbulência em nossa região, o sistema político iraniano demonstrou notável estabilidade ao conduzir eleições de maneira competitiva, pacífica e ordenada, dissipando insinuações feitas por alguns “especialistas do assunto do Irã” em certos governos. Essa estabilidade e a maneira digna como as eleições foram conduzidas reforçam o discernimento de nosso Líder Supremo, o Aiatolá Khamenei, e a dedicação de nosso povo à transição democrática do poder, mesmo perante à adversidade e circunstancias difíceis.
Candidatei-me a um cargo com uma plataforma de reforma, promovendo a unidade nacional e o engajamento construtivo com o mundo, conquistando a confiança de meus compatriotas nas urnas, incluindo jovens mulheres e homens insatisfeitos com o estado geral das coisas. Valorizo profundamente a confiança deles e estou totalmente comprometido em cultivar o consenso, tanto internamente quanto internacionalmente, para cumprir as promessas que fiz durante minha campanha.
Desejo enfatizar que meu governo será guiado pelo compromisso de preservar a dignidade nacional do Irã e sua importância internacional sob quaisquer circunstâncias.
A política externa do Irã se baseia nos princípios de “dignidade, sabedoria e prudência”, sendo a formulação e execução dessa política de Estado responsabilidade do Presidente e do governo. Pretendo utilizar toda a autoridade concedida ao meu cargo perseguindo esse objetivo primordial.
Com esta abordagem, meu governo seguirá uma política baseada em oportunidades, criando equilíbrio nas relações com todos os países, com base dos nossos interesses nacionais, desenvolvimento econômico e exigências de paz e segurança regionais e globais. Assim, saudamos esforços sinceros no sentido de amenizar tensões e retribuiremos sinceramente às sinceridades. Sob a minha administração, as prioridades serão estreitamento das relações com nossos vizinhos. Defenderemos uma “região forte”, invés de uma relação onde um único país busque hegemonia e o domínio sobre os demais. Acredito firmemente que nações vizinhas e irmãs não devam desperdiçar seus valiosos recursos em competições corrosivas, corridas armamentistas ou contenção injustificada umas das outras. Ao contrário, buscaremos criar um ambiente onde nossos recursos possam ser dedicados ao progresso e desenvolvimento da região em benefício de todos.
Ansiamos cooperar com a Turquia, Arábia Saudita, Omã, Iraque, Bahrein, Catar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e organizações regionais com objetivo de aprofundar nossos laços econômicos, estreitar as relações comerciais, promover investimentos em joint ventures, enfrentar desafios comuns e caminhar para o estabelecimento de uma estrutura regional para diálogo, construção de confiança e desenvolvimento. Nossa região há muito tempo é atormentada por guerras, conflitos sectários, terrorismo e extremismo, tráfico de drogas, escassez de água, crises de refugiados, degradação ambiental e interferência estrangeira. É hora de enfrentar esses desafios comuns ao benefício das gerações futuras. A cooperação para o desenvolvimento e a prosperidade regional será o ponteiro da nossa política externa.
Como nações dotadas de recursos abundantes e tradições compartilhadas enraizadas nos ensinamentos pacíficos do Islã, devemos nos unir e confiar no poder da lógica, em vez da lógica do poder. Ao alavancar nossa influência normativa, podemos desempenhar um papel crucial na nova ordem global pós-polar, promovendo a paz, criando um ambiente calmo favorável ao desenvolvimento sustentável, fomentando o diálogo e dissipando a islamofobia. O Irã está preparado para fazer sua parte a esse respeito. Em 1979, após a Revolução, a recém-estabelecida República Islâmica do Irã, motivada pelo respeito ao direito internacional e aos direitos humanos fundamentais, rompeu relações com dois regimes de apartheid: Israel e África do Sul. Israel continua sendo um regime de apartheid até hoje, somando “genocídio” a um histórico já marcado por ocupação, crimes de guerra, limpeza étnica, construção de assentamentos, posse de armas nucleares, anexação ilegal e agressão contra seus vizinhos. Como primeira medida, meu governo incentivará fortemente os países árabes vizinhos a colaborarem e utilizarem todas as alavancas políticas e diplomáticas, priorizando a alcançar um cessar-fogo permanente em Gaza, detendo o massacre como objetivo, impedindo a ampliação do conflito. Devemos então trabalhar diligentemente para encerrar a ocupação prolongada que devastou a vida de quatro gerações de palestinos. Nesse contexto, quero enfatizar que todos os governos têm o dever, de acordo com a Convenção de Genocídio de 1948, de adotar medidas preventivas ao genocídio; não o recompensar por meio da normalização das relações com os perpetradores.
Hoje, parece que muitos jovens nos países ocidentais reconhecem a veracidade de nossa posição de décadas em relação ao regime israelense. Gostaria de aproveitar esta oportunidade dizendo a esta geração corajosa que consideramos as acusações de antissemitismo contra o Irã por sua posição de princípios sobre a questão palestina não apenas como claramente falsas, mas também como um insulto à nossa cultura, crenças e valores fundamentais. Tenha certeza de que essas acusações são tão absurdas quanto as alegações injustas de antissemitismo dirigidas a vocês enquanto protestam nos campos universitários defendendo o direito à vida dos palestinos.
A China e a Rússia têm estado consistentemente ao nosso lado em momentos difíceis. Valorizamos profundamente está amizade. Nosso plano de 25 anos com a China representa um marco significativo para o estabelecimento de uma “parceria estratégica abrangente” mutuamente benéfica, e esperamos colaborar mais extensivamente com Pequim à medida que avançamos em direção a uma nova ordem global. Em 2023, a China desempenhou um papel fundamental de intermediário na normalização de nossas relações com a Arábia Saudita, demonstrando sua visão construtiva e abordagem progressista para os assuntos internacionais.
A Rússia é um valioso aliado estratégico e vizinho do Irã, e meu governo manterá o compromisso de expandir e aprimorar nossa cooperação. Torcemos pela paz entre os povos da Rússia e da Ucrânia, e meu governo estará preparado para apoiar ativamente iniciativas destinadas a alcançar esse objetivo. Continuarei a priorizar a cooperação bilateral e multilateral com a Rússia, sobretudo em fóruns como BRICS, Organização de Cooperação de Shanghai e na União Econômica da Eurásia.
Reconhecendo que o cenário global evoluiu além da dinâmica tradicional, meu governo está comprometido em fomentar relações mutuamente benéficas com atores internacionais emergentes do Sul Global, especialmente com nações africanas. Procuramos aprimorar e fortalecer nossas parcerias para o benefício mútuo de todos os envolvidos.
As relações do Irã com a América Latina estão bem estabelecidas e serão mantidas e aprofundadas no sentido de fomentar o desenvolvimento, o diálogo e a cooperação em todos os campos. Há um potencial significativamente maior de atual cooperação entre o Irã e os países da América Latina, e esperamos fortalecer ainda mais nossos laços.
As relações do Irã com a Europa tiveram seus altos e baixos. Após a retirada dos Estados Unidos do Plano de Ação Integral Conjunta (JCPOA) em maio de 2018, os países europeus apresentaram onze compromissos com o Irã, tentando salvar o acordo e mitigar o impacto das sanções ilegais e unilaterais estadunidenses em nossa economia. Esses compromissos envolviam a garantia de transações bancárias eficazes, proteção efetiva das empresas contra sanções dos EUA e a promoção de investimentos no Irã. Os países europeus descumpriram todos esses compromissos, irracionalmente exigiram que o Irã cumprisse unilateralmente todas as suas obrigações sob o JCPOA.
Apesar desses erros, anseio por um diálogo construtivo com os países europeus levando nossas relações no seu rumo certo, com base em princípios de respeito mútuo e equidade. Os países europeus devem perceber que os iranianos são um povo orgulhoso, cujos direitos e dignidade não podem mais ser ignorados. Existem inúmeras áreas de cooperação que o Irã e a Europa podem explorar, uma vez que as potências europeias aceitem esta realidade e deixem de lado a supremacia moral auto-atribuída, juntamente com crises fabricadas que há tanto tempo atormentam nossas relações. As oportunidades de colaboração incluem cooperação econômica e tecnológica, segurança energética, rotas de trânsito, meio ambiente, bem como combate ao terrorismo e tráfico de drogas, crises de refugiados e outros campos, todos os quais poderiam ser explorados ao benefício de nossas nações.
Os Estados Unidos também precisam reconhecer a realidade e entender, de uma vez por todas, que o Irã não se deter à pressão. Entramos no JCPOA em 2015 de boa fé e cumprimos integralmente nossas obrigações. Mas os Estados Unidos se retiraram ilegalmente do acordo motivados por disputas puramente domésticas e vingança, infligindo centenas de bilhões de dólares em danos à nossa economia e causando sofrimento, morte e destruição indizíveis ao povo iraniano – particularmente durante a pandemia da Covid – através da imposição de sanções extraterritoriais unilaterais.
Os EUA deliberadamente escolheram escalar as hostilidades, travando não apenas uma guerra econômica contra o Irã, mas também se envolvendo em terrorismo de estado ao assassinar o General Qassem Soleimani, um herói global do combate ao terrorismo conhecido por seu sucesso em salvar o povo de nossa região do flagelo do ISIS e de outros grupos terroristas ferozes. Hoje, o mundo está testemunhando as consequências nocivas dessa escolha.
Os Estados Unidos e seus aliados ocidentais não apenas perderam uma oportunidade histórica de reduzir e administrar as tensões na região e no mundo, mas também prejudicaram seriamente o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) ao mostrar que os custos de aderir aos princípios do regime de não proliferação poderiam superar os benefícios que ele pode oferecer. De fato, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais abusaram do regime de não proliferação criando série de crises em relação ao programa nuclear pacífico do Irã – contradizendo abertamente sua própria avaliação de inteligência – e usá-lo para manter a pressão sustentada sobre o nosso povo, enquanto contribuíram ativamente e continuam a apoiar as armas nucleares de Israel, um regime de apartheid, um agressor compulsivo e um membro não signatário do TNP e possuidor de arsenal nuclear ilegal.
Desejo enfatizar que a doutrina de defesa do Irã exclui armas nucleares e insto os Estados Unidos a aprender com os erros de cálculo do passado e a ajustar sua política. Os tomadores de decisão em Washington precisam reconhecer que uma política que consiste em colocar os países da região uns contra os outros não teve e não terá sucesso no futuro. Eles precisam aceitar essa realidade e evitar exacerbar as tensões atuais.
O povo iraniano me confiou um forte mandato de buscar vigorosamente o engajamento construtivo no cenário internacional, insistindo ao mesmo tempo em nossos direitos, nossa dignidade e nosso papel merecido na região e no mundo. Estendo um convite aberto àqueles que desejam se juntar a nós neste empreendimento histórico.
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