Como o mundo deve ser afetado pelos
resultados eleitorais ao redor do globo é uma das principais dúvidas para o ano que acabou de começar. O professor de teoria da história da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Iuri Clavak destacou ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, que a eleição dos Estados Unidos, por conta das incertezas e da possibilidade de retorno do
ex-presidente Donald Trump ao poder, é uma das que vai
causar maior impacto ao planeta.
Além de atuar junto à Ucrânia frente à operação militar especial russa com
recursos financeiros e ajuda militar, apesar das dissidências internas que reduzem cada vez mais o apoio, o governo norte-americano é o principal
aliado de Israel na guerra contra o Hamas, que já deixou quase
22 mil palestinos mortos na Faixa de Gaza. “O que acontece nos Estados Unidos afeta o mundo todo. Então eu diria que os holofotes de todos os outros países vão estar voltados para as eleições [norte-americanas], com essa questão também se o Trump vai poder concorrer ou não”, resume.
Para o especialista, o presidente
democrata Joe Biden chega mais
enfraquecido para a corrida presidencial quando comparado a 2020, ano em que venceu Trump. “Foi uma eleição popular e mexeu bastante com o país, uma grande parte do eleitorado não votou e fez campanha para Biden, que teve uma vitória apertada. Mas, ao longo do mandato, tenho a impressão de que ele se mostrou um pouco tíbio e com pouco poder de decisão. A questão da idade também pesa, porque há a questão da imagem […]”, pontua.
Biden enfrenta baixa popularidade
Além disso, o envolvimento em conflitos ao redor do mundo ajudou a
desgastar a popularidade em meio aos diversos problemas internos do país, como a inflação e o aumento da dívida pública —
a aprovação do democrata é de apenas 40%.
“Tanto o Trump quanto o Biden, ou democratas e republicanos, respondem a uma estrutura de poder que está por trás das decisões. Eles apenas encaminham esses interesses, e tenho visto muito a questão da queda da taxa de lucro global. Guerras esporádicas são boas para o complexo industrial militar. É terrível para as pessoas, só que para o lucro de grandes empresas é muito bom”, acrescenta.
Já impedido de participar das
prévias no estado do Colorado, acusado de ter estimulado o
ataque ao Capitólio dos EUA em janeiro de 2021, o ex-presidente Donald Trump tem presença no pleito ainda incerta, e a decisão final deve vir da Suprema Corte do país. Apesar disso, o professor de relações internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF)
Thomas Ferdinand Heye disse ao Mundioka que é difícil uma
interferência da principal instância judiciária norte-americana no processo eleitoral.
“Há várias ações jurídicas contra Trump que poderiam levá-lo até a não poder tomar posse ou se tornar inelegível, impedindo sua candidatura. Mas a grande questão é até que ponto o Judiciário americano quer interferir no processo eleitoral. O estado do Colorado já decidiu que ele não pode ser candidato lá, mas ainda é incerto saber se a iniciativa que encheu muita gente de esperança vai colar”, afirma.
Putin vai disputar reeleição na Rússia
Prevista para março deste ano, bem antes da eleição norte-americana, que acontece só em novembro, a Rússia terá o
presidente Vladimir Putin disputando a reeleição. Apesar das
sanções vividas pelo país por conta da
operação militar especial russa, que tiveram o efeito contrário ao esperado, Iuri Clavak acredita que
Putin está fortalecido. “O presidente ganhou fôlego e está muito mais forte por conta dos acontecimentos na Ucrânia, então imagino que ele vai levar [a vitória no país]”, diz.
Também neste ano estavam previstas as
eleições na Ucrânia, mas o presidente Vladimir Zelensky defende
o adiamento por conta do conflito. Diante das derrotas da contraofensiva e de diversas denúncias de corrupção, o governo atual enfrenta
forte oposição no país, inclusive de generais das Forças Armadas.
“Acredito que ele esticou muito a corda para vir mais ajuda norte-americana e europeia, e parece que está cessando. Chegam menos recursos, armas de terceira mão, e tem toda a questão na Palestina que tirou de cena a Ucrânia, o que é ruim para ele […]. O Zelensky foi eleito como antipolítico, era um comediante, mas em um país em conflito tudo isso muda”, argumenta.
Qual é a maior democracia do mundo?
Com mais de 1,4 bilhão de habitantes, a maior democracia do mundo também vai às urnas este ano: a Índia, que
superou em 2023 o índice populacional da China. O professor Thomas Ferdinand Heye descreve o pleito indiano como um dos mais “fascinantes” por conta do contingente de eleitores. No poder desde 2014, o
primeiro-ministro Narendra Modi é considerado pelo especialista um dos responsáveis pelo
crescimento econômico do país, o que deve ajudar o seu partido nas eleições.
“É um político populista e hipernacionalista, mas que mostrou que a Índia tem espaço na mesa das grandes potências. E, em termos de recursos de poder, hoje, tranquilamente pode sentar do lado de uma Inglaterra ou de uma França e se sentir muito confortável. Ou seja, em 2024, a gente vai ter esse mundo, que antes era unipolar, se transformando cada vez mais em multipolar”, defende. O principal opositor de Modi no país é Rahul Gandhi, que já reuniu uma mega-aliança para enfrentar o atual governo.
Outro
membro do BRICS que terá eleições é a África do Sul, cujo partido Congresso Nacional Africano
está no poder desde 1994, com o fim do regime do apartheid. O presidente Cyril Ramaphosa e sua sigla devem enfrentar o
processo eleitoral mais difícil até hoje, por conta de mudanças na legislação que permitem candidaturas independentes, além de questões como aumento do desemprego, crise energética e criminalidade.
Também elegem novos
governos o México, que pode ter a
primeira mulher presidente da história do país — a ex-prefeita da Cidade do México Claudia Sheinbaum, apoiada pelo atual presidente Andrés Manuel López Obrador, ou a opositora Xóchitl Gálvez —, Venezuela, onde Nicolás Maduro tenta a reeleição, além de países como Reino Unido, Bangladesh, Indonésia e o território de Taiwan.
“Em 2024 a gente vai ter esse mundo, que antes era unipolar, se transformando cada vez mais em multipolar. Nesse cenário de transição e mudança, essas eleições serão muito importantes, porque vão reverberar as mudanças que estão acontecendo em todo o curso, no ordenamento das grandes potências no sistema internacional”, finaliza o professor da UFF.