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quarta-feira, 15 janeiro, 2025

Mãe Menininha do Gantois

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Por Zedejesusbarreto

  Maria Escolástica da Conceição Nazaré, sobrinha neta da Iyalorixá Maria Júlia da Conceição Nazaré, de linhagem Abeokutá Omoniquê (da Nigéria), Dona Menininha, ou, como ficou conhecida no mundo, a Mãe Menininha do Gantois, nasceu em Salvador no dia 10 de fevereiro de 1894 e faleceu em 13 de agosto de 1986. Filha de Oxum, dotada de aguçada vidência, foi iniciada nos segredos quando ainda balbuciava as primeiras palavras, sentou-se no trono do Gantois aos 28 anos e nele reinou por 64 anos.

 A Menininha Iyalorixá foi, sem dúvida, a mãe-de-santo mais famosa, mais conhecida, mais homenageada e mais cantada na história dos candomblés da Bahia.

  Houve um tempo, nos anos 1970/80, em que visitar o Gantois e beijar a mão de Mãe Menininha era uma ‘obrigação’ dos filhos da terra e dos que chegavam de fora, até de outros países. O poeta Vinícius de Moraes, os artistas Maria Bethânia, Gal Costa, Ceatano Veloso, Gilberto Gil frequentavam, outros tantos como Chico Buarque por lá passavam e se inspiravam… e a fama corria mundo.

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  O escritor Jorge Amado era ‘da casa’ desde jovem, como contou Carmem Oliveira da Silva, filha carnal de Menininha, a Cida Nóbrega e Regina Echeverria, em julho de 2003.

‘… Tenho lembrança de quando Jorge Amado foi a primeira vez no Gantois, bem jovem ainda, magrinho … Carybé, toda festa aparecia. Lembro bastante de Verger, mas não na intimidade do Gantois. Toda vez que ele voltava da África, ele trazia uma cuia cheia de coisas. Uma vez ele chegou com vários objetos, minha mãe (Menininha) perguntou a ele: ‘Isso aqui é quanto?’ Ele respondeu ‘Nada. Tudo isso eu trouxe pra senhora’. Carmen, Mãe Carmen do Gantois é a atual sucessora de Mãe Menininha.

  O cinqüentenário de Iyalorixá de Dona Maria Escolástica (como a costumava chamar o historiador Cid Teixeira, que cresceu, morando numa casa próxima do terreiro, acostumado a tomar a benção dela assim, com todo o respeito) foi muito comemorado em Salvador. Na ocasião, o compositor Dorival Caymmi, que gostava de passar o tempo no Gantois sentado num banco do barracão, ali calado, só apreciando ‘aquela aura misteriosa’ do lugar, fez para ela uma música que, interpretada por Bethânia e Gal, tornou-se sucesso nacional e alavancou mais ainda o mito da Filha d’Oxum – a ‘Oração a Mãe Menininha’:

Gal e Bethânia, vozes que se aproximam e se afastam | ERMIRA

‘Ai minha mãe/Minha Mãe Menininha

Ai minha Mãe/Menininha do Gantois

A estrela mais linda, hein? Tá no Gantois

E o sol mais brilhante, hein? Tá no Gantois

A beleza do mundo, hein? Tá no Gantois

E a mão da doçura, hein? Tá no Gantois

O consolo da gente, hein? Tá no Gantois

E a Oxum mais bonita, hein? Tá no Gantois

Olorum quem mandou/ Essa filha de Oxum

Tomar conta da gente/E de tudo que há

Olorum quem mandou ô ô / Ora iê Iê ô… Ora Iê Iê ô… Ora iê iê ô …

*

  Com seu jeitinho baiano de contar histórias, Caymmi revelou como compôs a Oração a Mãe Menininha, numa entrevista de 6 de abril de 2002, realizada em Pequeri (MG), conforme está no livro de Cida Nóbrega e Regina Echeverria:

“Aquela música eu fiz para ela, por amor a ela. Um dia, eu estava no Maracangalha, um sítio que tínhamos na Baixada Fluminense. Numa hora de paz, peguei o violão e me sentei numa poltrona que ficava junto da porta. O cachorrão de Estela, um pastor alemão, de vez em quando passava, me dava uma cheirada de sempre e seguia para perto dela. Naquele dia, Estela estava debaixo de uma mangueira com uma menina, que já não me lembro quem era. Dei uma olhada na vista, assim, porta afora, aquela tranqüilidade! Estava tocando meu violão e me veio a lembrança de Mãe Menininha, e a beleza que era Mãe Menininha! Aquela graça, aquelas bolsas dela … e comecei a fazer assim :

‘A beleza do mundo, hein? Tá no Gantois…. A estrela mais linda, hein? Tá no Gantois’ … e fui botando coisas soltas, e pensava: tudo de bom tá no Gantois ! Eu continuava cantando, aí dizia: ‘ Ai minha mãe, minha mãe, Menininha, Ai minha mãe, Menininha do Gantois…’

Enquanto eu olhava Estela, ali com aquela menina, fiz mais da metade da música. Estela ouviu e disse: – Caymmi, que bonito isso que você está cantando aí! Repete Caymmi! . Eu botava umas coisas soltas e depois botava umas ordenadinhas: ‘ Olorum quem mandou essa filha de Oxum tomar conta da gente e de tudo cuidar. Olorum quem mandou ô ô, orê yê, yê,ô! Orê Yê Yê ô ! Ai minha mãe Menininha … Então, fiz assim, sem escrever, sem esperar consultar livro, sem nada”.

*

  A canção, que logo ganhou as paradas de sucesso das emissoras de rádio e os programas de tevê, virou o hino dos festejos para a yalorixá e mais uma louvação à tão decantada ‘baianidade’, signo de um determinado momento de expansão da cultura afro-baiana.

  Jorge Amado registrou o acontecimento daquele ano de 1972:

  “Mãe Menininha festeja cinqüenta anos de sacerdócio, de elevação a mãe-de-santo, era uma menina quando da sucessão de Pulquéria, sua avó de sangue. Na história dos candomblés da Bahia não se tem notícia de festa igual. Para as comemorações Dorival compôs a Oração a Mãe Menininha: a Oxum mais formosa está no Gantois/a mãe da ternura está no Gantois, o canto irrompe e se eleva em todo o território do Brasil. Carybé, Pierre Verger, James Amado, Waldeloir Rego, Mário Cravo, Dorival Caymmi e eu constituímos a comissão dos festejos, para o presente Manolo Moreira nos cedeu a preço de banana colar antigo, de ouro, uma placa foi afixada na porta do Axé : ‘Há cinqüenta anos Menininha do Gantois zela, no posto de Iyalorixá, com exemplar dedicação e perene bondade, pelos orixás e pelo povo da Bahia’.

Assim tão grande e bela nunca vista, a festa cresceu no terreiro sagrado do Ilê Ilya Omin Axé Iyamansê, a multidão sobrou na praça em frente, encheu as ladeiras e as ruas em derredor. Na sala prestam reverência o Governador, o Prefeito, ex-governadores, senadores, deputados, industriais, banqueiros, comerciantes, os grandes do mundo e o povo da Bahia, reunidos.

Foto Arestides Baptista – A Tarde (Reprodução)

Pela manhã o Abade de São Bento, dom Timóteo, rezou missa no altar da Virgem Maria, Oxum é Nossa Senhora da Aparecida. Menininha está além e acima das divergências de classe e de credo, é a Rainha Mãe do Brasil. Filha de escravos, só não nasceu escrava porque já havia a lei do ventre livre: essa a nossa realidade mágica, goste quem quiser, quem não quiser que se dane de raiva.

Na madrugada daquele dia das comemorações, no segredo da camarinha, Oxalá chega das lonjuras para saudar a Mãe da bondade, a Oxum que preside o destino e sabe o amanhã. Cavalgando Carmen, sua montaria, Oxalá dança e canta em louvor a Menininha, conduz o ebó do cinqüentenário e o deposita em minhas mãos, vou colocá-lo nos pés do encantado, no coração do mistério. Honra maior não me foi dada em minha vida”.

*

  Em 2 de julho de 1977 a Iyalorixá foi homenageada com a Ordem do Mérito da Bahia pelo então governador do Estado, o professor Roberto Santos. Em junho de 1984 recebeu da Câmara Municipal de Salvador a comenda Maria Quitéria, numa sessão solene realizada no barracão do Gantois. Mas a sua última aparição em público e, com certeza, a maior homenagem que recebeu em vida aconteceu no Largo do Pelourinho, em maio de 1981, nas comemorações dos 70 anos do artista plástico e amigo Carybé, em que fez questão de comparecer – ‘vou sim, seu Carybé merece!’. Ali, diante de uma multidão, sentada num sofá ao lado de Jorge Amado e do então governador do Estado Antonio Carlos Magalhães, Mãe Menininha foi aclamada.

  Jorge conta:

Católico e devoto do Senhor do Bonfim, ACM tinha a religiosidade como marca pessoal - Jornal Correio

(Foto: Luciano da Mata/Agecom) 

  “Antonio Carlos entregou à mãe-de-santo o primeiro exemplar da edição do grande livro, arte e documento, as aquarelas realizadas ao longo da travessia do pintor pelo mistério da Bahia. Nana Caymmi iniciou a festa cantando a Oração para Mãe Menininha, composta por Dorival, Obá de Xangô. A dança das filhas-de-santo, Carybé é um encantado: as cantigas de Oxóssi para saudar o filho do rei das matas. O jogo de capoeira-angola, Camafeu e Cobra Verde executam meias-luas, rabos-de-arraia, Carybé aprendeu a brincadeira com Pastinha e Valdemar, foi parceiro de Traíra e de Mestre Bimba, os afoxés desfilam, Carybé é vice-presidente vitalício dos Filhos de Gandhi: sentada num sofá de vime, Menininha aplaude.

As televisões nacionais, as estações de rádio, os fotógrafos dos jornais, a promoção au grand complet, a festa vista e ouvida no país inteiro, mostrada ao vivo. Toninho (ACM) cochicha ao meu ouvido: – Você, Carybé e eu vamos suspender o sofá com Menininha, elevá-la no ar, mostrá-la ao povo …

 

Concordo com o projeto: – Tu, Carybé e eu e mais quatro estivadores, vejo vários aqui … Não são decorridos cinco minutos, a um aceno do governador as câmaras de televisão tomam posição, os refletores se acendem iluminando o tablado: quatro gigantes (ou seriam seis?) e mais Toninho e Carybé levantam o sofá, passeiam Menininha nas alturas, o povo delira. Presto solidariedade moral, não faço força mas toco com os dedos no sofá. Viva, Vivô!”

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  Com problemas de saúde agravados nos últimos meses de vida, Mãe Menininha morreu ás 20h30 do dia 13 de agosto, aos 92 anos, numa clínica médica do bairro da Graça, onde fora internada na manhã bem cedo do mesmo dia com dores abdominais, uma das mãos sobre a barriga e emudecida. No atestado de óbito, a causa: ‘Insuficiências cardíaca e renal, provocadas por uma peritonite aguda e agravadas pela idade da paciente’.

 Desde essa hora até o enterro, no dia seguinte, uma chuva fina não parou de cair na cidade. Sinais d’Oxum.

87 ANOS DE MÃE MENININHA - BLOG DO REYNIVALDO BRITO: RELIGIÃO  Zélia Gattai escreveu:

  “… ficamos órfãos, Jorge e eu. Órfãos de sua bondade, de sua sabedoria, de sua graça, de seu dengue, de seu carinho. Sempre que podíamos íamos visitá-la. Jorge e ela, recordando o passado, riam boas risadas. Se tardávamos a aparecer, ela reclamava. Cleusa e Carmen, suas filhas de sangue, não me deixam mentir. De Mãe menininha, minha irmãzinha de santo, ficam imensas saudades: ‘Ore yê yê ô, minha Mãe!’.

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(trechos de um texto bruto produzido para o livro “Carybé, Verger & Jorge- Obás da Bahia’, tomo III da trilogia ‘Entre Amigos’, da Solisluna Editora/Fundação Pierre Verger)

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