© Folhapress / Jorge Araújo
Sputnik – A colaboração secreta e ilegal entre o Departamento de Justiça dos EUA e os procuradores de Curitiba gerou críticas, evidenciando uma possível interferência estrangeira nas investigações da operação Lava Jato.
“Conversas vazadas no Ministério Público Federal do Paraná revelam que um dos aspectos mais controvertidos da Lava Jato foi sua subordinação a interesses estrangeiros, em particular dos Estados Unidos. Há que se lembrar que, anos antes, no governo [do presidente americano Barack] Obama, a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras haviam sido alvos de espionagem ilegal dos americanos“, relembra o especialista.
Arquitetura jurídica montada pelos EUA
“O que é um fato — e muito bem documentado — é que os EUA construíram toda uma arquitetura jurídica de combate à corrupção no mundo alinhada com os interesses nacionais e a Lava Jato se deu um pouco a partir dessa arquitetura. […] De certa forma, os americanos fazem o que é bom para eles. O que me interessa questionar é por que os brasileiros — procuradores, juízes, veículos de imprensa — fizeram o que fizeram na Lava Jato, cujas consequências para a economia, o direito, a política e o próprio combate à corrupção no país são terríveis“, indaga Silva.
“O interesse dos EUA direcionava-se prioritariamente à Petrobras, cujos desvios de conduta impactavam investidores norte-americanos, já que as ações da petrolífera brasileira eram negociadas em bolsas americanas. Não por outro motivo, em 2018 a Petrobras aceitou pagar uma multa superior a US$800 milhões [aproximadamente, R$ 4 bilhões de reais]. Como se sabe, cerca de 80% desse dinheiro retornaria ao Brasil. Os procuradores de Curitiba pleiteavam a gestão dessa verba, que seria destinada a um fundo de combate à corrupção. Quase tiveram êxito. Todavia, a manobra foi abortada pelo STF”, vaticina Ferreira à Sputnik Brasil.
‘Ninguém é inocente’
“O fato que me parece mais relevante é que a influência dos EUA na Lava Jato revela primeiramente a importância de Washington na vida política brasileira, como já denunciava estridentemente o ex-governador Leonel Brizola. […] Ela traz à tona a total falta de visão estratégica das autoridades judiciais brasileiras, míopes em aspectos básicos do Geodireito e do constitucionalismo estratégico. […] O fato é que as punições devem pesar mais sobre as pessoas físicas do que sobre as empresas”, avalia.
“Os atores do governo dos Estados Unidos, especialmente, o departamento de Justiça, tinham uma narrativa e perspectiva de que a corrupção era um grande problema na América Latina e já haviam criado treinamentos, cartilha de como combater a corrupção na América Latina. […] Havia um interesse [dos EUA] na operação. […] Ninguém é inocente. Um começou a ajudar o outro [Brasil e EUA]“, crava.
A queda de uma farsa
“Aos poucos, especialmente depois das eleições do [ex-presidente Jair] Bolsonaro, muita gente começou a perceber que havia uma conexão entre o discurso antiestablishment, antipolítica que resultou na eleição de Bolsonaro […] Houve uma certa preocupação com o resultado […] e houve uma percepção de que precisávamos [o Brasil] investigar mais um pouco [a Lava Jato], […] foi um processo com grandes danos para a economia brasileira“, arremata.
A ‘corrupção sistêmica’ e o interesse por trás
“Utiliza-se desse discurso da corrupção sistêmica de forma seletiva para atacar apenas governos, forças políticas e líderes do chamado progressismo latino-americano. Ou seja, aqueles que se opõem aos ajustes neoliberais ditados pelo Fundo Monetário Internacional. […] A guerra jurídica foi utilizada contra todos os modelos alternativos às políticas neoliberais e essa narrativa da corrupção sistêmica teve o efeito de considerar a corrupção como um crime transnacional […] da mesma forma que o tráfico de drogas e o terrorismo internacional são considerados — numa perspectiva militar como ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos”, evidencia.
“Algo diverso ocorre nas ações interventivas, ainda que não tenham caráter direto, i.e., político ou militar. Essas ações são ao mesmo tempo ilegais e ilegítimas, pois ferem a soberania nacional. A submissão brasileira aos interesses norte-americanos no contexto da Lava Jato não apenas apequenou o Brasil, mas feriu sua soberania e imagem perante o conjunto das nações. Além disso, como já dito, teve um imenso custo econômico, muito superior aos recursos financeiros que conseguiu repatriar. A Lava Jato é um exemplo de que um país soberano jamais deve prostrar-se aos interesses estrangeiros, ainda que travestidos de nobres ideais“, sobreleva Pires.
“Por exemplo, Moro condenou Lula utilizando decisões de tribunais federais americanos que diziam que não é preciso ato de ofício para configurar corrupção. Mas essa não é a ‘lei da terra’ nos EUA; a Suprema Corte decidiu, em 2016, que para se punir alguém por corrupção é preciso identificar com clareza um ato de ofício correspondente (quid pro quo). Então o que vejo em tudo isso é um apelo aos EUA que serve para legitimar abusos, o recurso aos EUA como fonte de legitimação simbólica — o que funciona bem num país com elites e imprensa que padecem do complexo de vira-latas“, afirma o professor.