Pergunto: como ficam os autores desse claro episódio de abuso de autoridade? O MPF consagrou a Justiça de Transição, como vacina contra a repetição do arbítrio. Precisa se voltar para seu próprio umbigo e mostrar dignidade. E o que seria dignidade?
Na grande noite de São Bartolomeu, em torno do impeachment da presidente da República, nenhum episódio foi mais infame do que a detenção de cerca de quarenta funcionários do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), dentre os quais mulheres grávidas, sendo expostos à sanha da mídia. E a denúncia contra cinco deles.
Qualquer pessoa medianamente informada conhece a governança no BNDES, um banco exemplar, como o próprio Banco do Brasil, que passou ileso pela corrupção política.
Mesmo assim, na gana por protagonismo, o procurador do Distrito Federal Anselmo Lopes solicitou e o juiz Ricardo Leite autorizou a humilhação pública dos funcionários do banco. Cerca de 40 deles foram detidos, sob os holofotes da mídia, conduzidos para a cadeia.
Não apenas humilharam cidadãos exemplares, como provocaram o chamado apagão das canetas, um receio generalizado de funcionários em assinar qualquer operação, sabendo o risco que corriam em uma Justiça sob o comando dos hunos.
Mais que isso.
Procuradores vazaram para o Fantástico que um determinado funcionário, aposentado, era o infiltrado da JBS no banco. A pessoa em questão era o representante do BNDES no Conselho da JBS, já que o banco detinha participação acionária no grupo.
Com a bestialização do jornalismo, o Fantástico marcou uma entrevista com o funcionário para falar de abelhas – ele é apicultor. Câmera ligada, colocaram-no no pau-de-arara jornalístico, para que falasse de suas ligações com a JBS. O entrevistado deu as costas, com a indignação dos justos, saiu de cena e a câmera foi acompanhando, com quem persegue um ladrão que foge da cena do crime.
No dia 21 de maio de 2017, a reportagem foi apresentada com acusações frontais do apresentador. Dizia que o Fantástico localizou um agente duplo da JBS no BNDES acusado de favorecer a empresa em bilhões.
Mesmo depois de ficar claro que todos os procedimentos dos funcionários foram decisões técnicas, tomadas de forma colegiada, o MPF do distrito Federal prosseguiu em uma sanha persecutória. Era uma ofensiva irracional, que afrontava qualquer conhecimento mínimo sobre os processos decisórios do banco.
Na semana passada, o juiz federal Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal do Distrito Federal, rejeitou a denúncia contra cinco funcionários do banco.
Para o juiz Bastos, “os depoimentos colhidos na fase investigativa, repito, negam peremptoriamente qualquer interferência, influência, orientação, pressão, constrangimento ou direcionamento na tramitação dos processos de aporte financeiro do BNDES (…) A participação de agentes do BNDES em conselhos de administração de empresas privadas e o relacionamento institucional entre o Banco e essas empresas clientes, estavam previstos nos seus regulamentos e eram necessários para a defesa dos interesses e do dinheiro público envolvidos nos aportes financeiros, não sendo por si só atos ilícitos, ao contrário do que parece crer a acusação”.
Pergunto: como ficam os autores desse claro episódio de abuso de autoridade? O MPF consagrou a Justiça de Transição, como vacina contra a repetição do arbítrio. Precisa se voltar para seu próprio umbigo e mostrar dignidade. E o que seria dignidade?
- Em vez de negociar com Jair Bolsonaro, e manter a blindagem sobre o motorista Queiroz, a Procuradora Geral da República Raquel Dodge teria um momento de grandeza, se fizesse um pedido público de desculpas aos inocentes atingidos pelo episódio.
- Os autores dessa truculência serem no mínimo advertidos pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
Toda solidariedade aos colegas jornalistas alvos das manifestações de rua dos bolsominions, vítimas do ódio que ajudaram a plantar. Mas como fica a reparação? O Fantástico fará um pedido público de desculpas ao funcionário exposto como criminoso a milhões de brasileiros?
“Meninos, eu vi” (yuca pirama) Tenho visto barbáries como o assassinato dos 111 presos do Carandiru, mas nem se compara os crimes contra a reputação cada dia mais em voga no nosso país através da mídia. São milhares e milhares jogados na lixeira da infâmia e o pior, fica por isso mesmo. Até quando?