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sexta-feira, 27 junho, 2025

Israelense-Iraniana: Uma guerra em que não há vencedores ou vencidos.

Fonte da imagem: Reuters

Heba Ayyad*

Os Estados Unidos finalmente cederam à pressão israelense e lançaram ataques aéreos contra as principais instalações nucleares do Irã, localizadas em Isfahan, Natanz e Fordo.

As consequências de uma guerra de maior escala podem ser desastrosas tanto para o Irã quanto para o Oriente Médio. A região, que mal havia se recuperado da invasão imprudente do Iraque sob o governo de George W. Bush, pode, mais uma vez, se ver à beira do colapso. Isso favorece o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, mas prejudica outras partes envolvidas.

Netanyahu finalmente alcançou seu objetivo há muito almejado: declarou guerra ao Irã em 13 de junho de 2025, buscando atingir diversos objetivos simultaneamente. No entanto, os ataques ocorreram em um momento político crítico para ele. Sua frágil coalizão governista atravessava seu ponto mais instável, enfrentando ameaças de deserção de pelo menos dois membros. Ainda assim, pela primeira vez em meses, Netanyahu encontrou-se em uma posição politicamente fortalecida no cenário doméstico, ainda que temporariamente. A maioria dos israelenses se uniu em torno da “bandeira”, apoiando o início da guerra por seu país.

O ataque massivo e inesperado ao Irã rapidamente evoluiu para um conflito de grande escala. Os iranianos, há muito tempo cientes da possibilidade de um ataque israelense, já haviam decidido que reagiriam caso isso ocorresse — e foi exatamente o que fizeram. Pouco mais de uma semana após o início dos confrontos, a escalada de ataques e contra-ataques consolidou-se em uma guerra sem perspectiva de resolução.

Quanto aos objetivos finais de Netanyahu, eles ainda são incertos. Três cenários são considerados possíveis: primeiro, o desmantelamento do programa nuclear iraniano; segundo, o enfraquecimento e a fragmentação do Irã; e terceiro, uma mudança de regime. Esses objetivos podem ser complementares, não necessariamente excludentes entre si. Não está claro se Netanyahu iniciou os ataques com um plano estratégico definido ou se aproveitou a oportunidade para infligir sérios danos ao Irã — especialmente diante do enfraquecimento do chamado Eixo da Resistência e da existência de uma vasta rede de inteligência israelense dentro do território iraniano.

Irã se prepara para uma guerra de atrito

Parece que o establishment militar iraniano vem se preparando para uma prolongada guerra de atrito.

A declaração de vitória por parte de Israel, assim como as manifestações de diversos políticos israelenses e o apelo do presidente dos Estados Unidos para que o Irã se “renda incondicionalmente”, mostraram-se, em grande parte, prematuros. Tais declarações refletem um mal-entendido fundamental acerca da mentalidade da liderança civil e militar iraniana. No passado, os líderes da República Islâmica não cederam a ameaças — ao contrário, endureceram suas posições.

Nos últimos anos, o Irã aumentou o nível de enriquecimento de urânio para uma taxa sem precedentes de 60%, em resposta às exigências ocidentais para desmantelar seu programa nuclear e à imposição de duras sanções que visavam forçá-lo a recuar. Simultaneamente, revelou centrífugas mais avançadas.

Não há qualquer indício de que irá ceder às exigências israelenses e estadunidenses desta vez, independentemente do preço que venha a pagar.

De fato, enquanto especialistas militares ocidentais e líderes israelenses se preparavam para declarar uma vitória iminente de Israel, o Irã continuava seus devastadores ataques com mísseis contra cidades israelenses em todo o território. O objetivo final de Israel parece estar se modificando a cada dia. Embora tenha iniciado os ataques com a meta declarada de desmantelar o programa nuclear iraniano, esse objetivo evoluiu para incluir a mudança de regime e, talvez, até mesmo o enfraquecimento da integridade territorial do Irã.

Agora, Israel exige o desmantelamento do sistema de defesa aérea iraniano — o único meio eficaz de defesa do país, como demonstrado nos últimos dias. Políticos israelenses passaram a discutir publicamente a possibilidade de oferecer garantias de segurança a minorias étnicas iranianas, caso optem por se separar do país.

Os líderes iranianos não se esqueceram do que ocorreu no Iraque, na Líbia e na Síria. No fim da década de 1990, Saddam Hussein destruiu as armas de destruição em massa de seu país sob pressão do Ocidente e da Organização das Nações Unidas. Ainda assim, em 2003, o Iraque foi atacado e teve seu território ocupado sob o pretexto de ocultar tais arsenais. Após o desmembramento do país e sob ocupação, as forças estadunidenses procuraram por essas armas — mas não encontraram nenhuma.

Na Líbia, mesmo após Muammar Gaddafi ter desmantelado o programa nuclear do país em dezembro de 2003, o Ocidente promoveu sua derrubada humilhante poucos anos depois. Na Síria, Israel confiscou equipamentos militares sírios importantes e destruiu o que restava logo após o colapso do regime de Bashar al-Assad.

Preparação iraniana para uma guerra prolongada

Para evitar um destino semelhante, os líderes iranianos tomaram medidas para garantir a continuidade das operações estatais diante de acontecimentos imprevistos. O aiatolá Ali Khamenei teria adotado a medida incomum de nomear potenciais sucessores. Ele encarregou a Assembleia de Peritos — órgão constitucional responsável por escolher o Líder Supremo — de selecionar um entre três candidatos não identificados, caso ocorra sua morte.

Khamenei também esteve envolvido, como líder supremo do país, no planejamento meticuloso da sucessão de líderes militares, caso Israel venha a assassinar mais deles.

Líderes civis e militares iranianos acreditam que os objetivos de Israel vão além da eliminação do programa nuclear do país. Segundo essa perspectiva, Israel pretende redesenhar o mapa não apenas do Irã, mas de todo o Oriente Médio. O objetivo seria manter um Irã fraco, dividido e indefeso, dependente dos Estados Unidos e de seus aliados regionais. Nessa lógica, nem a derrota para Israel nem a rendição aos Estados Unidos são opções aceitáveis. Ao contrário, o Irã parece estar se preparando para uma guerra prolongada, buscando alavancar seu tamanho e resiliência a fim de minar a determinação e os recursos de Israel.

Resta saber se o Irã possui capacidade para suportar uma guerra de atrito prolongada. Isso dependerá de suas capacidades militares, da estabilidade política interna e do desempenho da economia. Teria o país capacidade militar para sustentar um conflito duradouro contra Israel — e, eventualmente, contra os Estados Unidos? Com base no comportamento dos líderes militares iranianos até agora, eles demonstram confiança na capacidade de sobreviver a Israel em uma guerra prolongada.

Vale destacar que, nos primeiros dias do conflito, o Irã recorreu com frequência ao uso de mísseis mais antigos e tecnologicamente ultrapassados, supostamente com o intuito de desgastar as capacidades defensivas de Israel e aumentar o custo de operação de seu sistema antimísseis — em troca de drones e projéteis relativamente baratos. No entanto, nos últimos dias, o Irã passou a utilizar mísseis mais modernos e letais, como evidenciado pelo ataque realizado contra Israel na manhã de 19 de junho.

No plano econômico, o Irã tem enfrentado sérias dificuldades, fruto de anos de sanções e de má gestão. Contudo, é um erro presumir que as dificuldades econômicas acelerarão a queda da República Islâmica. A ideia de que “a pobreza gera revolução” raramente se confirma na história. Via de regra, são os ricos que se rebelam em busca de maiores ganhos, enquanto os pobres e destituídos se ocupam com a luta diária pela sobrevivência.

Além disso, guerras costumam criar suas próprias economias, por meio das quais as elites mantêm seu poder e, por vezes, enriquecem, enquanto o restante da população luta para sobreviver. Uma guerra prolongada poderia dizimar o que resta da classe média iraniana. Ainda assim, é improvável que contribua diretamente para o colapso do sistema político vigente.

A questão mais importante permanece

A questão mais importante permanece: a República Islâmica possui o capital político necessário para sobreviver e sair ilesa de uma guerra prolongada? Nos últimos anos, o regime iraniano parece ter se esforçado para corroer a legitimidade interna que antes desfrutava entre os iranianos urbanos das classes média e alta. Em vez de conquistar corações e mentes, promoveu e defendeu uma ideologia rígida e intransigente — impregnada de intolerância, misoginia e noções arcaicas de política divina.

Não é surpreendente que muitos iranianos — especialmente os que compõem a diáspora — enxerguem a guerra contra Israel como uma oportunidade para, finalmente, libertar o país da teocracia. No entanto, até o momento, esses iranianos pró-guerra parecem representar apenas uma minoria, frente a uma maioria esmagadora cujos sentimentos nacionalistas foram abalados pelo ataque israelense.

Embora seja difícil interpretar o humor público dentro do país, o ciberespaço iraniano está repleto de conteúdos nacionalistas, inclusive entre opositores da República Islâmica. Khamenei e seu regime podem não gozar de grande popularidade entre a maioria dos iranianos, mas o ódio direcionado a invasores estrangeiros — ou a governantes impostos por potências externas — costuma ser ainda maior.

Ao mesmo tempo, um sentimento de medo do desconhecido prevalece entre iranianos de todas as classes sociais. Por isso, muitos seguem o conselho do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que os conclamou a “deixar Teerã”. As estradas que saem da cidade estão congestionadas; as ruas, normalmente movimentadas, estão agora quase vazias. A maioria das lojas e restaurantes está fechada, e as estações de metrô estão sendo usadas como abrigos. Os iranianos culpam “três loucos” pela situação atual: Netanyahu, Trump e Khamenei.

Guerras e lições da história

Em meio a toda a discussão sobre as terríveis consequências da intervenção dos Estados Unidos na guerra de Israel contra o Irã, uma lição simples da história parece ter sido esquecida: quando uma superpotência entra em guerra contra uma potência média — seja os Estados Unidos contra o Vietnã ou o Iraque, ou a Rússia contra a Ucrânia —, pode causar enormes baixas e danos significativos à infraestrutura, mas dificilmente consegue “vencer” a guerra.

Nenhum dos presidentes norte-americanos à época da Guerra do Vietnã pôde reivindicar vitória naquele conflito. Décadas mais tarde, o presidente George W. Bush declararia, orgulhosamente, “missão cumprida”, apenas para mergulhar o Iraque em um atoleiro sem fim, enquanto os Estados Unidos enfrentavam a ameaça do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS) no Oriente Médio e em outras regiões.

O cenário atual e a resposta iraniana

Hoje, muitos em Israel expressam gratidão a Trump por “ter cumprido a missão”. No entanto, na realidade, este pode ser apenas o início de uma jornada repleta de riscos para todos os envolvidos, já que todas as atenções agora se voltam ao Irã, para saber como o país reagirá à participação dos Estados Unidos no ataque.

No passado, a resposta do Irã a ataques norte-americanos foi proporcional e cuidadosamente calculada. Foi o que ocorreu em janeiro de 2020, quando o Irã atacou bases estadunidenses no Iraque em retaliação ao assassinato do general Qassem Soleimani, ferindo 100 soldados norte-americanos, mas tomando cuidado para evitar um grande número de vítimas. A reação iraniana, desta vez, pode seguir o mesmo padrão: controlada e planejada para evitar uma escalada maior. Contudo, é frequentemente difícil impedir o agravamento dos conflitos durante confrontos militares. Com base nas dolorosas lições da história, podemos estar à beira de mais um ciclo sombrio para o Irã, o Oriente Médio e os Estados Unidos.

Ainda assim, as chances de uma solução diplomática não desapareceram completamente, como evidenciado pelas reuniões recentes em Genebra entre os ministros das Relações Exteriores do Irã, Reino Unido, França e Alemanha, além da troca de mensagens entre o Irã e os Estados Unidos. A possibilidade de encontrar uma saída para esse impasse ainda existe.

Reconfiguração da segurança e futuro do Irã

A estrutura de segurança na região tem passado por uma fase de transição já há algum tempo. Um dos principais objetivos de Israel nesta guerra é modificar a natureza dos atuais arranjos de segurança no Oriente Médio. No entanto, o desfecho pode não ser exatamente como os líderes israelenses imaginam. Caso o Irã saia ileso deste conflito, será forçado a buscar formas novas e mais eficazes de se defender contra futuros ataques israelenses.

Muitos iranianos acreditam que a guerra atual deve evidenciar a necessidade de armar seu programa nuclear civil. Mais do que nunca, as vozes dentro do Estado iraniano que defendem a manutenção do caráter pacífico do programa nuclear têm sido marginalizadas.

No plano interno, nenhuma nação permanece a mesma após uma guerra. Caso a República Islâmica resista, é provável que busque atenuar seu rigor na imposição de normas sociais, culturais e políticas. Uma futura república islâmica pode vir a ser menos rígida em seu caráter religioso e mais próxima de um modelo republicano, o que abriria espaço para o surgimento de setores mais moderados e pragmáticos dentro do próprio regime. Diversos políticos iranianos — especialmente os de esquerda — vêm discutindo a necessidade de algum tipo de reconciliação nacional. Se esses atores políticos permanecerem ativos após o fim da guerra, talvez tenham, enfim, a oportunidade de transformar seus discursos em realidade concreta.

Conclusão

O Irã é apenas uma peça dentro do jogo de xadrez conduzido por Netanyahu. Basta um breve retorno no tempo para perceber que o ataque do movimento Hamas contra Israel, em 7 de outubro de 2023, ofereceu-lhe o pretexto ideal para liberar o poderio militar israelense sobre Gaza. Logo em seguida, vieram os ataques ao Líbano e, depois, o saque à Síria. Agora, há uma guerra entre Israel e o Irã — e poucos enxergam esse comportamento como normal.

Sem dúvida, a liderança iraniana não está isenta de culpa. Seu discurso inflamado sobre “apagar Israel do mapa” remonta a várias décadas. No entanto, responder a esse discurso com bombas não é uma solução.

Um dos principais motivos por trás do ataque de Netanyahu ao Irã é desviar a atenção global de Gaza. Enquanto Israel e Irã trocam bombardeios em ciclos de ataques e contra-ataques, o genocídio em Gaza continua implacável. E, nesse sentido, Netanyahu parece ter vencido: conseguiu desviar os olhos do mundo do que está acontecendo em Gaza — ao menos por enquanto.

O ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, encontrou-se com seus homólogos e consultou-os durante a reunião da Organização para a Cooperação Islâmica em Istambul. Ele revelou que, desde o início das hostilidades com Israel, manteve contatos diretos com Steve Witkoff, principal negociador do presidente Trump nas negociações nucleares.

O comportamento militar iraniano — limitado ao lançamento de mísseis contra Israel apenas em resposta a ataques israelenses — demonstra sua intenção de conter a ampliação do conflito e reduzir o ritmo da escalada. Caso se confirmem os relatos sobre a comunicação iraniana com Omã e Catar, isso estaria em consonância com os objetivos do Irã de encerrar a guerra o mais rápido possível.

*Heba Ayyad

Jornalista internacional Escritora Palestina Brasileira

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