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quinta-feira, 28 março, 2024

Início violento de 2022 na Colômbia acionou os alarmes

Bogotá, (Prensa Latina) O ano de 2022 começou para a Colômbia com um confronto entre grupos armados no departamento de Arauca, na fronteira com a Venezuela, que deixou pelo menos trinta mortos, uma situação de violência que disparou alarmes.

Por Odalys Troya Flores*

Embora o ocorrido naquele território não seja alheio, a crise provocada desde o primeiro dia do ano provocou inúmeras reações de preocupação e condenação, inclusive de organismos internacionais.

Inclusive uma equipe da Missão de Verificação da ONU sofreu um ataque no final de janeiro em San José de Guaviare em Puerto Nuevo, departamento de Guaviare, que terminou com a incineração de dois veículos da delegação que se dirigia para a zona rural de o Guayabero para se reunir com as comunidades locais.

Diante desse cenário, a Prensa Latina entrevistou Camilo González, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), uma Organização Não Governamental (ONG) formada por pessoas que construíram relações colaborativas na ação permanente pela paz na Colômbia.

Sobre essa violência exacerbada, comentou que o ano começou para a Colômbia com muitos eventos sangrentos, especialmente em Arauca, e 10 massacres em várias áreas do país.

Também com confrontos em áreas de influência do Exército de Libertação Nacional (ELN) e grupos residuais que ficaram de fora do processo de paz, destacou.

É uma situação muito crítica que ameaça ser tão grave este ano quanto o anterior, mas janeiro em relação ao mesmo mês de 2021 tem menos líderes mortos e menos ex-combatentes em processo de reincorporação, acrescentou.

No entanto, disse ele, há mais massacres, mais ameaças, mais hostilidades e mais deslocamentos, uma situação muito incerta que mostra que em algumas áreas da Colômbia, como Arauca, há uma emergência humanitária, mas também em Chocó, e no fronteira com o Equador.

Especificou que há algumas variáveis que desaceleraram, em relação ao período imediatamente anterior, como ameaças e ataques a ex-combatentes, no entanto, houve uma tentativa de ataque a uma de suas sedes em Bogotá, onde o Partido Comunes lançaria sua campanha eleitoral.

Sublinhou que esta força política e toda a dinâmica dos ex-combatentes estão sujeitas a estigmatização, confinamento, isolamento e deslocamento que podem ser qualificadas de terríveis e, por isso, requerem tratamento urgente.

Há 15 áreas da Colômbia que estão em situação crítica, há alertas em 20% dos municípios da Colômbia na atual situação eleitoral, explicou. ARAUCA

O que acontece em Arauca é uma disputa por território, ao que parece em primeiro lugar, um confronto entre grupos do ELN com dissidentes residuais do processo de paz, comentou.

Mas a realidade é que há um problema de fronteira ali, porque é uma faixa onde não há apenas grupos armados, mas também é uma zona quente porque há muitos interesses no tráfico de produtos, petróleo e riquezas diversas, disse González.

Assegurou que também estão envolvidos interesses internacionais que incitam e movimentam fichas, operações encobertas, mas sobretudo, o que está mais visivelmente em causa é o controlo territorial do ELN e dos antigos guerrilheiros que abandonaram o processo de paz.

Sobre a militarização do território com o suposto objetivo de deter a violência naquele ponto de fronteira, destacou que “se a presença do Estado é uma operação de guerra, é claro que a população vai sofrer mais e Arauca já se tornou uma teatro de operações de guerra.

As operações militares do Estado agravam os conflitos e as situações de vulnerabilidade da população civil, assegurou o diretor da Indepaz, uma ONG que defende os direitos humanos.

“O problema não é mais ou menos presença militar, mas presença militar para quê?”, destacou à Prensa Latina.

Na sua opinião, se houvesse tropas baseadas na paz, na segurança humana e isso fosse combinado com grandes políticas de investimento, seria o ideal.

“Mas uma presença militar apenas para ocupar territórios e fazer guerra contra grupos armados é algo que não tem saída”, disse ele.

Isso é conhecido na Colômbia há 70 anos, disse ele, ao referir-se às várias figuras usadas para soluções militares.

Nesse sentido, destacou o estado de sítio, as zonas especiais, as zonas futuras e outras que -indicou- “geram na realidade um estado de guerra permanente que não leva a nada”.

Dada a grave situação em Arauca e na fronteira com a Venezuela, as comunidades e várias organizações do nordeste colombiano pedem o fim das hostilidades entre os atores armados e também fizeram propostas para a transformação do conflito na área.

Entre eles, pedem atenção humanitária urgente às famílias que foram vítimas de assassinatos, desaparecimentos e recrutamento forçado.

Também pedem atenção aos deslocados e confinados nas aldeias dos municípios atingidos (Arauca, Arauquita, Manso, Fortul, Saravena).

Da mesma forma, solicitam a criação de corredores humanitários em áreas bloqueadas pela presença de grupos armados e a presença na área de organizações nacionais e internacionais para supervisão e atenção humanitária oportuna e em prevalência dos direitos da população afetada.

Exigem que os grupos armados cessem o fogo e suspendam as declarações de guerra para evitar mortes e danos, e que o Estado gere investimentos efetivos para apoiar os projetos de vida das comunidades e os programas sociais em resposta à crise social e sanitária da pandemia.

ACORDO DE PAZ

Para Camilo González, o Acordo de Paz de 2016 entre as ex-Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército Popular e o governo de Juan Manuel Santos em nome do Estado, tem as estratégias e instrumentos mais importantes para reduzir os níveis de violência na Colômbia, a transição para a paz e um pós-conflito eficaz.

No entanto, considera que, embora seja essencial, não é suficiente porque deve ser complementado com ferramentas de negociação com outros grupos, novas políticas e ultrapassar a linha vermelha sem esquecer a importância desse pacto histórico.

É que agora existem outros problemas no país: além da grande catástrofe gerada pela pandemia, há o modelo extrativista que leva à ocupação militar de territórios a serviço das multinacionais. Esse modelo é alheio à paz e favorece níveis de violência, ressaltou.

Lembrou que na Colômbia existe um modelo de violência para ocupar áreas em benefício de grandes interesses e se isso não for tocado o país ficará no meio do caminho, mesmo com a aplicação do Acordo de Paz.

ELEIÇÕES

A violência que continua a dominar os números ocorre em plena campanha eleitoral tendo em vista as eleições legislativas de 13 de março e as eleições presidenciais de 29 de maio.

O cenário eleitoral é bastante incerto, porém, a dinâmica política e social do país mostra que as alternativas democráticas e de paz estão se fortalecendo e as opções da extrema direita estão se enfraquecendo, comentou.

Considera que os grandes protestos cidadãos dos últimos anos vão se expressar nas urnas e, além disso, há apostas de que processos democratizantes serão desenvolvidos na Colômbia como estão acontecendo em outras latitudes da América Latina.

Enquanto esta entrevista acontecia na sede do Indepaz em Bogotá, os assassinatos de líderes sociais, deslocamentos forçados e massacres continuavam no país.

No final da primeira semana de fevereiro, o Observatório de Direitos Humanos e Conflitos do Indepaz registrou 18 chacinas no país com cerca de 50 mortes, além de 20 líderes sociais assassinados.

*Correspondente da Prensa Latina na Colômbia

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