Três dimensões do conhecimento revolucionaram o mundo após a II Grande Guerra: o metodológico, o das energias e o das comunicações.
No campo metodológico a Teoria dos Sistemas Gerais (TSG) deveu-se ao biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) com seu livro de 1968: “General System Theory: Foundations, Development, Applications”. Este tema já fora objeto de artigo no “British Journal for the Philosophy of Science”, em 1950, com título “An Outline of General System Theory”, e desenvolvido no número de dezembro de 1951, do “Human Biology”, intitulado: “General system theory – A new approach to unity of Science”.
Resumidamente, a teoria se baseia na ideia de que o sistema é composto por partes interdependentes e interligadas, sendo aberto e existente dentro de outros sistemas. Esta teoria produz conceitos que possam ser aplicados em diversas áreas do conhecimento, como a biologia, a engenharia, a administração, a sociologia e a psicologia.
A energia teve sua demonstração com as bombas atômicas lançadas, em agosto de 1945, no Japão, surgindo daí a energia termonuclear. A princípio usando a fissão nuclear e neste século XXI, ainda experimentalmente, com o desenvolvimento da fusão nuclear, em 2020, na China. A energia nuclear tem aplicações em diversos campos do conhecimento, como na medicina – tratamento de câncer e diagnóstico de doenças; na indústria – medição de espessuras e vazões de líquidos, e no controle de qualidade de junções de peças metálicas; na agricultura – para estudar solos, plantas e na conservação de alimentos; na produção de hidrogênio, durante a fissão dos núcleos de elementos radioativos; e na exploração espacial.
E no campo das comunicações pela introdução de duas vertentes: a digital e a estocástica. A digital deveu-se ao matemático Claude Shannon (1916-2001) que a apresentou em seu artigo “A Mathematical Theory of Communication”, na “Bell System Technical Journal”, em 1948. Deve-se a estocástica ao lógico checo Kurt Gödel (1906-1978) que a identificou em organismos mais complexos, em 1931, em cadeia proteica, que não pode ser tratada pela lógica digital.
Estas conquistas científicas possibilitaram as diferentes políticas observadas, na segunda metade do século XX, pelo mundo e dominantes no século XXI.
REVOLUÇÕES, GUERRAS E RELIGIÕES
Como está explícito no título, nosso interesse é estudar as opções que tem o Brasil para promover, finalmente, sua revolução, mais permanente do que a realizada por Getúlio Vargas, iniciada em 1930 e encerrada após o governo de Ernesto Geisel, em 1979. E, nestes 49 anos após muitas mudanças, verdadeiras agressões ao que foi estabelecido por Vargas, cujo resultado atual é trágico.
Os europeus e estadunidenses foram bastante eficientes em criar sua história do mundo, que levasse a todos a certeza de que tudo ocorreu a partir das revoluções na Inglaterra (1648), nos Estados Unidos da América – EUA (1776) e na França (1789), quando somente deram prosseguimento ao modelo financeiro do poder: territorial, financeiro (das dívidas), monetário e, atualmente, com criptomoedas.
Faltou-lhes apresentar as transformações da sociedade, a força modificadora que desse ao homem a vida melhor e mais tranquila, que sempre desejou.
As profundas mudanças ocorridas na África e na Ásia durante o século XX, nesta narrativa euroestadunidense, mais parecem consequências da benevolente atitude adotada pelos colonizadores, nunca pela própria base construtora das identidades nacionais. E, assim, passam a ser impossível adotar padrões homogêneos, por exemplo, para laica China, onde quase a totalidade de seu povo se declara não teísta, sem religião, e para sua vizinha e igualmente populosa Índia, tomada por hinduístas, islâmicos, sikhistas, budistas, cristãos, jainistas, vedas e pelo misticismo que aflora por todo país, por todos habitantes.
E daí, golpes de estado são denominados revoluções, golpes fascistas como os conduzidos por instituições dos EUA (CIA, NSA, DIA, CSS) no Brasil de Castelo Branco, em 1964, ou no Chile de Pinochet, em 1973, cinicamente, como retorno à democracia (sic).
Porém quando fruto da organização popular, para colocar seus representantes no poder, são movimentos comunistas que precisam ser combatidos.
Nos anos 1960 era possível travar debate presencial, em auditórios, em salas de aula, em espaços públicos. E hoje, quanto o domínio das finanças é absoluto, pelas redes de convivência virtual, e tudo se configura num mundo digital, e nem se sabe quem participa.
Até o reforço escolar pela televisão conta uma história do Brasil como a estadunidense é narrada nos EUA, repleta de mitos, ora fundadores, ora formadores, ora constituintes…
Você sabia que a Constituição que vigora para os 50 Estados dos EUA foi escrita por representantes de somente doze? Alguns com dois ou três constituintes? E tem mais, dos 55 delegados, 16 simplesmente se recusaram assiná-la. Promulgada em 1789, das 27 emendas que lhe incorporaram até hoje, dez (quase um terço) foram incluídas dois anos depois, em 1791. E esta Constituição Plutocrática foi sintetizada pelo constituinte pela Virgínia, futuro presidente James Madison (1809-1817) com a frase: “devemos manter a minoria afortunada ao abrigo da maioria”.
Evento muito significativo ocorreu na década de 1970, nos EUA, chegando na mesma década ao Brasil, que foi a igreja neopentecostal, usando a televisão para sua disseminação, com a teologia da prosperidade. Embora esta teologia tenha sido criada na década de 1940, com o movimento batista da Confissão Positiva, ela só ganha força com o surgimento da neopentecostal. Algum dia se saberá que a Igreja Neopentecostal foi urdida numa das instituições estadunidenses para promoção de golpes e custeada pelas instituições financeiras em sua luta contra o poder industrial.
Esta nova igreja protestante irá simultaneamente recolher mais recursos do que qualquer outra neste século e produzir um tipo de ignorância que leva a comportamentos antissociais.
MUNDO VIRTUAL FINANCEIRO PRODUZ O POBRE BURRO E POLITICAMENTE DE DIREITA
Miguel Nicolelis (1961), neurocientista brasileiro, com extensa obra publicada, escreveu, em 2020, sobre o cérebro humano, “O verdadeiro criador de tudo” (Editora Planeta, SP), onde trata da formação da informação no campo digital (shannoniana) e no analógico (gödeliana).
A informação é a mais importante arma deste século XXI, onde cada pessoa tem sempre um aparelho celular à mão.
Como Yanis Varoufakis expôs na entrevista a Aaron Bastani, comentarista britânico, cofundador e editor da Novara Media, em setembro/2024, o mundo hoje vive em função de decisões adotadas por menos de uma dúzia de empresas que controlam o espaço de circulação das informações: Google, Uber, Facebook, Apple, Twitter, Amazon.
Este controle é absoluto. Serve para doutrinar e para vender produtos e serviços. Em nome da “liberdade de informação” estes novos donos do mundo censuram tudo, ideias e vendas e locações. E são inatingíveis, pois não tem capital registrado, nenhum pessoal empregado, nem ativos apreensíveis, nem mesmo um endereço para receber intimações. Seus recursos financeiros estão em paraísos fiscais, hoje quase uma centena, espalhados desde um bairro londrino até remota ilha no Oceano Pacífico, e em criptomoedas.
Retomemos a entrevista de Varoufakis. Ele afiança que o capitalismo não foi derrotado pelos trabalhadores, pelo socialismo, mas por ele mesmo, transformando um capitalismo empreendedor por um capitalismo feudal, ou, nas palavras de Varoufakis, o “capitalismo das nuvens”. O capitalismo das nuvens, tecno feudalismo, retém 40% de tudo que é arrecadado, seja pelo trabalho, pelo aluguel, pelo consumo ou pela diversão. É o senhor feudal dono da terra e dos que lá a habitam.
Com o acordo entre Nixon e Mao, em 1971, não foi Taiwan que ficou em disputa, foi o tecnofeudalismo em dólar versus o tecnofeudalismo em yuan, o WeChat, que surgiu após Hu Jin Tao (2002) e avançou enormemente com Xi Jin Ping (2013). Daí ser a China o grande inimigo dos EUA ou do Ocidente, como preferem os estadunidenses para garantir o apoio simbólico da Europa e da ignorância latino-americana.
WeChat é a soma de Alibaba, Tencent, Huawei com o sistema bancário chinês sob as bênçãos do fortemente implantado poder político do Partido Comunista Chinês. Como se expressou Varoufakis: é “o sonho erótico de Elon Musk”.
Veja-se a inteligência de Putin. A Rússia tem o privilégio de ser europeia (ocidental) e asiática (siberiana). Sendo ocidental ela cairia nas malhas do dólar estadunidense, sendo oriental ela constrói o sistema paralelo e alternativo com a China. Porém quem mais tem esta oportunidade?
Antes de propor qualquer resposta, aprofundemos um pouco mais sobre a disputa que a China teve a sabedoria de evitar, transformando a eventual bipolaridade do século XXI na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), em 2013, ou seja, na multipolaridade, ainda que levando seu TikTok/Douyin, a partir do que possibilitou a expansão comercial nos séculos XIII e XIV e da ideia que os BRICS ensejaram em 2009.
Se tomarmos qualquer país europeu, e fiquemos na Europa – reconhecidamente continente desenvolvido, culturalmente rico, onde quase todo pensamento, as ideologias que movem o mundo, exceto a asiática (chinesa e indiana), têm origem – todo investimento deste século concentrou-se na formação das “nuvens”.
Disso resulta que a crise 2008-2010 em nada alterou para os tecnofeudalistas, mas piorou para os operários, as classes médias, e para os que tinham dívidas bancárias.
BARBÁRIE OU REVOLUÇÃO SALVADORA
O caminho aberto com a crise de 2008-2010 foi da barbárie. Não chegou a surpreender, no que se refere aos EUA. Desde Ronald Reagan, passando por governos Republicanos e Democratas, têm sido o projeto belicoso neoliberal com as desregulações que beneficiaram apenas as finanças. Estas passaram a ser, excluindo as atuais nuvens, o único viajante sem passaporte, o único produto natural ou processado sem certificado aduaneiro.
Por conseguinte, Donald Trump não será diferente de Joe Biden. Os EUA continuarão governados por minorias, cada vez menores, cumprindo o “destino manifesto” da absoluta exclusão do povo do poder.
Seria a China diferente? Em princípio, não. Naquele populosíssimo país a nuvem informacional também existe e é a única de ação autônoma fora dos EUA.
Em setembro de 2013, em discurso na Universidade Nazarbayev, em Astana, no Cazaquistão, assim se expressou Xi Jin Ping: “mais de 2.100 anos atrás, o emissário chinês, Zhang Qian, da dinastia Han, visitou duas vezes a Ásia Central em missão pacífica e amistosa, abrindo a porta do intercâmbio entre a China e os países da região e inaugurando a Rota da Seda que ligava o Oriente ao Ocidente e a Ásia à Europa”. “No decorrer de milhares de anos, os povos de diversos países ao longo da antiga Rota da Seda escreveram juntos um capítulo de amizade. Essa história de intercâmbio demonstra que nações e raças, crenças e culturas diferentes podem compartilhar a paz e o desenvolvimento com base na união e confiança mútua, na igualdade e benefício recíproco, na inclusão e assimilação mútua e na cooperação ganha-ganha. Isto é uma inspiração preciosa legada pela Rota da Seda”.
E o Brasil? Nosso país que apenas vem sofrendo esta disputa entre os impérios, no passado e no presente?
Jessé Souza, sociólogo, filósofo, psicanalista, dos maiores intelectuais brasileiros, escreveu “A Construção Social da Subcidadania; para uma sociologia política da modernidade periférica” (Editora UFMG, BH, 2003) onde demonstra a origem de nossa covardia, da indolência, da incapacidade de construir a sociedade singular, produtiva e integrada, que a mestiçagem nos possibilitaria.
Foi o trabalho escravo, que apenas legalmente encerrou em 1888, pois permanece nas formas dos ubers e da ausência de direitos e das proteções devidas a todos cidadãos. Somos a sociedade vinculada ao despotismo, das imensas distâncias sociais, ainda que, paradoxalmente, com íntima comunicação. Esta plasticidade, a que muitos denominam “cordialidade”, que explicará a influência da cultura africana no Brasil.
Recordemos, do início do artigo, a dimensão da comunicação. Ela irá nos ensinar, que a educação é a comunicação de saberes, de forma estruturada, gradual, permitindo suas absorções, assimilações, não só pelas crianças mas pelos humanos de qualquer idade. E, em seguida, vem-nos a comunicação social, das mídias, das vivências, das reflexões que a própria vida nos impõe.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Neste final de novembro, o governo, nas palavras dos titulares do legislativo (Senado e Câmara), na reunião do Ministro da Fazenda com a FEBRABAN (por que não a FIESP ou a CNI?) deixaram claro que as lágrimas de Lula eram “de crocodilo”. Para as finanças tudo, para o trabalho, nada. Nem mesmo o pequeno alívio tributário, que não atinge dividendos e outros ganhos financeiros.
Precisamos do povo no poder. Senão, parodiando a magnífica poesia de Angenor de Oliveira (Cartola), “As Rosas Não Falam”, não deixaremos findar o verão, mas nos anteciparemos ao estio, iniciando a inexorável e indispensável revolução brasileira.
Encerrando o mundo das finanças e encontrando nossos verdadeiros parceiros, “por fim”.
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